"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Cântico negro
A caminhança e o livre-arbítrio: proposta para uma reflexão
“Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência, Amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua voz, e achegando-te a ele; pois ele é a tua vida, e o prolongamento dos teus dias; para que fiques na terra que o Senhor jurou a teus pais, a Abraão, a Isaque, e a Jacó, que lhes havia de dar”.(Deuteronômio, 30: 20,21)
O findar de um ciclo e o advento de um novo período sempre nos convida à reflexão. Muitas vezes somos tentados a fazer um balanço do que se passou e projetamos em nossas mentes aquilo que gostaríamos que acontecesse em um futuro próximo, fato que nos enche de esperança e alimenta, ao mesmo tempo, nossas angústias.
Sinceramente, confesso que estou tentado a duvidar do tão propalado “livre arbítrio”. Ao analisar nossa breve caminhança, tenho a impressão de que nosso campo de decisão é tão amplo quanto ao de um trem que necessariamente caminha sobre seu próprio trilho, ou das águas de um rio que necessariamente correm sobre seu leito.
Quantas vezes, ao analisarmos como as coisas se passaram em nossas breves vidas, não temos a nítida impressão de que fomos conduzidos ao invés de “decidirmos” o rumo a ser seguido? Quantas vezes um turbilhão de inúmeras coincidências não conspiraram para que as coisas, por menores que fossem, ocorressem da forma como ocorreram?
Claro que qualquer pessoa poderia objetar: “Mas de fato, você tem livre arbítrio. Você poderia, por exemplo, matar o seu irmão”. Mas será que esta é, realmente, uma opção? Posso escolher entre comer arroz com feijão ou pizza no dia de hoje, mas não é dessas decisões menores a que me refiro. Refiro-me àquelas que de fato poderiam ter sido tomadas, e que de forma efetiva possuíram a aptidão para alterar o curso de nossas vidas, contribuindo para que nos tornássemos aquilo que somos no dia de hoje.
Tenho certeza de que não nos unimos por acaso. Não nos tornamos amigos por acaso. E nada em nossas vidas aconteceu que não fosse por vontade de nosso Pai, criador do céu e da terra. Tal como a passagem citada acima, a única decisão que podemos de fato tomar é abraçar a fé. O caminho, creio eu, já está há muito traçado, e tenho grande certeza de que nem um fio de cabelo de nossas cabeças cairá, que não seja por vontade Dele.
O caminho que Ele escolheu para nós, obviamente, eu não sei. No dia de hoje, vivendo o momento presente, apenas agradeço a Ele todos os dias por ter irmãos como vocês, caminhantes.
Sigamos em frente pelo caminho que acreditamos ter escolhido, mas que desconfiamos ter sido traçado por alguém maior que nos rege e nos orienta, não importa o tamanho das dificuldades.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Mensagem de Natal - 2010
O cristianismo é a confiança em uma pessoa, não uma doutrina (que vem sendo formulada há séculos, com maior ou menor sucesso), e tem origem na narrativa de fatos miraculosos, a começar pelo nascimento de Jesus.
O natal, portanto, é tempo para recordarmos o início desta boa notícia, o começo de uma série de milagres que não cessaram quando da paixão, morte e ressurreição do homem-Deus. E recordar é uma palavra muito bonita. Vem de corde, do latim, que significa coração. Recordar é colocar algo novamente no coração.
Coloquemos novamente em nosso coração a lembrança dessa história que vem sendo transmitida há mais de dois mil anos. Uma história que contou com inúmeros fatos miraculosos, testemunhados por milhões de pessoas ao longo dos anos, fatos que quiçá alcançaram nossos avós, nossos pais, e talvez até nós mesmos.
Os milagres realizados por Jesus Cristo, por todo este tempo até os dias de hoje, nos aproximam d’Ele, fazem com que possamos confiar n’Ele com todo nosso coração, com toda nossa alma.
Mas nossa fé é inconstante, abalada pelas nossas falhas, pelas tragédias que nos acometem, pela nossa vulgaridade ao ver a vida voltados para as coisas inferiores. Somos, enfim, pecadores, ainda não alcançamos a graça plena. E é por isso que o natal é tão importante. Porque a celebração do nascimento miraculoso de Nosso Senhor reforça a fé, faz com que fiquemos mais confiantes em Jesus Cristo, em Deus.
E é por isso que desejo a todos vocês, mais do que um feliz, um santo natal!
domingo, 19 de dezembro de 2010
Presença
O homem fecha as janelas da casa, mas não consegue ficar só.
O homem fecha as cortinas, passa cadeados e apaga a luz, mas não consegue ficar só.
Na casa ou em qualquer outro lugar, o homem não consegue ficar só.
Deita no chão, arranca as roupas, fica nu, apertando os joelhos ao peito, mas não consegue ficar só.
Aperta bem os olhos, congela a língüa, cerra os dedos e os braços, mas não consegue ficar só.
Afasta os pensamentos, ignora os sentimentos, repudia toda memória e não permite qualquer ação, mas não consegue ficar só.
Ele tenta e se esmera, faz de tudo e se esforça, sem cessar, por dias, por noites, por semanas e meses a fio, mas não consegue ficar só.
E, então, fugindo à toda companhia, recusando qualquer alheio, ele vive a solidão, o isolamento completo, mas jamais foi capaz, nem hoje, nem amanhã, nem em qualquer data pensável, de ficar, um instante sequer, só... não consegue ficar só.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Da Bolsa ao bolso
Ninguém nem mais percebe, todos já raciocinam diretamente com os bolsistas universitários, defensores de “algo muito maior”, seu próprio bolso. Isso, bolso com minúscula e no masculino, afinal, não se trata de uma entidade coletiva, mas de algo bem mais íntimo e pessoal, quase um órgão vital. É muito mais fácil comprar votos com essa Bolsa, para proteger meu bolso, do que mudar alguma coisa de verdade e, assim, ganhar o sufrágio popular. Arrisco: “o programa mais mesquinho de transferência de renda do mundo”.
Qual o futuro (e presente) está garantido a esses pobres coitados, bolsistas-família? Boa coisa não é, mas os outros bolsistas também não terão futuro brilhante. Mentira e ganância só barateiam a pessoa, levando a uma fossa de miséria muito mais suja e desesperadora.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Uma opinião sobre a verdade
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Entre uns e outros
Graças ao bom Deus, uma coca-cola e um panetone. De que falava eu mesmo?
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Defesa da Legalização das Drogas
domingo, 5 de dezembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O Natal de Alfredo Corriqueiro
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
"O homem tem de se horrorizar consigo mesmo para chegar ao bom caminho"
"A menor força de amor já é maior do que o maior potencial de destruição".
"Eu creio! E no próprio ato de fé está incluído que isso vem d’Aquele que é a própria razão. Ao começar por me submeter com fé Àquele que não compreendo, sei que é precisamente assim que abro a porta para a verdadeira compreensão".
"Cada ser humano vive interiormente uma tensão entre múltiplos pólos [...]. Porque também os interesses que se tem, os talentos e a ausência deles, os conhecimentos e os desconhecimentos, a fé da Igreja no seu todo, não coincidem simplesmente de modo automático. Há, pois, em cada ser humano, também em mim, uma tensão interior. Mas não lhe chamaria dilaceração. Crer com a Igreja e o fato de saber que posso confiar neste saber, que os conhecimentos restantes recebem luz dele e, por outro lado, podem aprofundá-lo, isso é consistente. Sobretudo acontece que o ato fundamental de fé em Cristo e a tentativa de, a partir dele, dar unidade à vida harmonizam as tensões, de modo que não se tornem uma dilaceração, uma ruptura".
"Nessa medida, precisamos outra vez dessa confiança originária, que, em última análise, só a fé pode dar: que, no fundo, o mundo é bom, que Deus está presente e é bom. Que é bom viver e ser humano. Daí vem também a coragem para alegria, que, por sua vez, leva a que outros se alegrem e possam receber a Boa Nova".
"Creio firmemente que Deus de fato nos vê e nos deixa a liberdade – e, contudo, também nos conduz. [...] Isso significa que a minha vida não é composta de acasos, mas que Alguém prevê e anda, por assim dizer, na minha dianteira, antecipa-se ao meu pensamento e prepara a minha vida. [...] No entanto, isso não significa que o Homem seja completamente determinado, mas sim que esse destino é precisamente um desafio à sua liberdade. [...] Em todo caso, cada um tem a sua missão, o seu dom especial, ninguém é supérfluo, ninguém existe em vão. Cada um tem de procurar perceber qual é a sua vocação, e como responder melhor ao apelo que lhe é feito".
"A arte é fundamental. A razão sozinha, como se exprime na ciência, não pode ser toda a resposta do Homem à realidade e não é capaz de expressar tudo o que o Homem pode, quer e deve exprimir. Penso que Deus pôs isso no Homem. A arte é, com a ciência, o maior dom que Deus deu ao Homem".
"O Homem perde a própria dignidade quando não é capaz de conhecer a verdade; quando tudo não passa do produto de uma decisão individual ou coletiva".
"Digamos que a vida não é feita de contradições, mas de paradoxos. Uma alegria baseada num fechar de olhos perante os horrores da história acabaria por ser uma mentira ou uma ficção, uma maneira de fugir à realidade. Por outro lado, quem já não é capaz de ver que o Criador também transparece num mundo mau acaba por deixar de poder existir, torna-se cínico, ou então tem de se despedir da vida. [...] Precisamente quando se quer resistir ao mal, é tanto mais importante não cair num moralismo obscuro, que já não pode alegrar, mas que se veja realmente quanto há de belo, e que assim também se possa resistir ao que destrói a alegria".
"[...] o homem é um ser moral, responsável por si mesmo e pela humanidade, mas também é um ser que só pode receber de Deus os recursos para avançar".
"Mas é precisamente na arbitrariedade que a vida se torna vazia. A vida é séria demais para um mero jogo, em que somos confrontados com a morte e com o sofrimento. O Homem pode perder a própria identidade, mas não pode desfazer-se da própria responsabilidade, e, com ela, o seu passado sempre o alcança".
"Porque se não existe disponibilidade para uma subordinação a um todo conhecido e para se colocar a si mesmo a seu serviço, não pode haver uma liberdade comum; a liberdade do Homem é sempre liberdade partilhada. Tem de ser levada em conjunto e exige, por isso, o serviço. Claro que essas virtudes (o dever, a obediência e o serviço), se quisermos chamá-las assim, também podem ser mal empregadas, quando são atribuídas a um sistema errado. De um ponto de vista formal, não podem ser boas em si, senão quando ligadas ao fim para o qual estão orientadas. Esse fim, no meu caso, é a fé, é Deus, é Cristo, e assim tenho, em consciência, a certeza de que estão no lugar certo".
Sobre o casamento: "[...] encontramos a questão de uma decisão de vida definitiva no centro da própria personalidade: posso dispor já hoje, digamos, aos vinte e cinco anos, de toda a minha vida? É algo que se amolda ao Homem? Será possível agüentar isso e crescer vivamente e amadurecer _ ou não tenho antes de me manter constantemente aberto a novas possibilidades? No fundo a questão é a seguinte: faz parte do Homem a possibilidade do definitivo no âmbito central da sua existência? Pode suportar uma ligação definitiva, precisamente na decisão relacionada com o seu modo de vida? Diria duas coisas: Ele só pode isso quando se encontra realmente num grande enraizamento de fé; e, segundo, só então ele chega à forma plena do amor humano e da maturidade humana. Tudo o que não é casamento monogâmico é de menos para o Homem".
Sobre o sacerdócio: "Em Santo Agostinho pode-se ver isso muito bem. [...] que, na realidade, estava constantemente ocupado com as coisas do dia-a-dia, a lavar os pés ao próximo, e que estava disposto a desperdiçar, por assim dizer, a sua grande vida no que é pequeno, mas sabendo que desse modo não a desperdiçava. [...] Quando é corretamente vivido, não pode significar que se chega, finalmente, aos lugares de decisão do poder, mas que se renuncia a projetos de vida próprios e se põe ao serviço".
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
"Quanto mais revoltado contra o mal no mundo o sujeito está, mais mal ele vai fazer"
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
The Big Pussy
É o fim da picada! (Desconfio que esteja sob o efeito da leitura do “Imbecil Coletivo”: tolerância zero). Ah, tenha dó! O cara me expõe uma “big pussy” na Bienal e tem a coragem de chamar essa merda de arte. Não tem paciência que dê conta de interpretar a tal da instalação! O pior é que tem gente que tem coragem de levar os filhos para apreciar: que beleza! A família inteira, juntinha, penetrando o vaginão! Depois o professor de constitucional, pós-moderníssimo, vem contar que na Holanda foi fundada a Igreja do Culto ao Cigarro e aos deuses da fumaça (alguma coisa assim), para fugir da lei anti-fumo, afinal de contas está garantida a liberdade de culto e religião. Pode acreditar? Acho ótimo, inteligentíssimo por parte dos holandeses... Afinal, o que fizeram foi bastante lógico, segundo a lógica ilógica do oba-oba relativista. Ora, se toda opinião, qualquer que seja, tem o mesmo valor, porque não? Aliás, de fato não existe diferença nenhuma entre a Unip e a Universidade de Oxford, entre o Pão de Açucar e o mercadinho aqui perto de casa, entre o papel do homem e da mulher... É tudo a mesma coisa... E ai de quem disser que não! E tem mais... Hoje em dia tornou-se preciso fazer uma advertência aos pais. Srs. Pais: comunicamos que nem todos os filhos nasceram para serem líderes. Não se desesperem se o seu filho for imperfeito: isso é normal! Eu fico aqui quieto, pensando que se todo mundo for líder, não vai mais haver líder nenhum. Sim, porque hoje em dia está todo mundo querendo ser líder e sonhando com a gerência. Além de ser rico, bonito, bem sucedido e absolutamente feliz. Estamos fabricando uma horda de frustrados... Converse com um jovem. A chance dele reclamar da própria vida é de 9 em 10. Por quê? Simplesmente porque o mundo em que ele vive é como político populista: promessas irreais e, obviamente, não cumpridas, com uma boa dose de subterfúgios carismáticos e esmolinhas ao gosto popular. O sujeito abraça a causa, sem nem desconfiar que é justamente daí que brotam todos os seus males: luta, luta, sonha, perde a vida a procura de algo que simplesmente não existe! Sobra a desilusão... e o ressentimento invejoso (porque, querendo ou não, existem sim pessoas muito bonitas, existem líderes verdadeiros e também os que conseguiram enriquecer... e daí?). É vergonhoso, irritante, triste pra valer. E tem paciência que dê conta? Não tem. Já tentou conversar com louco de hospício? No fim da conversa ele continua louquinho como sempre, nem se abala, e você sai se perguntando se o louco não é você... E se não tomar cuidado acaba se convencendo que “aquele” mundo existe de verdade. Então meus caros, na base do diálogo não funciona, não. Com louco só tem um jeito de lidar. Você pode até respeitá-lo, com uma boa dose de piedade, inclusive. Mas deve deixá-lo quietinho no canto dele, falando sozinho (ele não vai nem perceber), enquanto você cuida de tocar a vida para frente. Sim, minha gente, tocar a vida pra frente! E com os pesinhos no chão! Está na hora de acertar o prumo, de pôr o navio na direção correta! Sim, existe sim uma direção correta e outra incorreta, como existem o bem e o mal e a gente pode sim errar... E errar feio... E se dar muito mal por isso! Santa paciência! Santa paciência!
sábado, 9 de outubro de 2010
Sob a égide do Princípio da Igualdade: "tutti buona gente"
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Uma Descoberta Inusitada
Então passei a criar outras histórias. A inusitada descoberta havia desencadeado uma seqüência de eventos até então imprevistos. Como um vício, uma obsessão, fiz passar pela porta aberta por aquele primeiro sujeito muitos outros homens e meninos, velhos, mulheres e loucos. E nesta brincadeira de descobrir outros eus, de investigar personagens e dar-lhes vida é que me perdi. Sem perceber fui aos poucos penetrando num labirinto profundo, seduzido por tantas histórias, por descobertas novas e possibilidades infinitas. Inebriado, não era capaz de perceber que a cada nova pessoa inventada, estranhamente, me enfraquecia. E segui de história em história, até que cansado e sem mais energias, sucumbi, caindo sobre a escrivaninha. Foi então que, obrigado a parar, deparei-me com meu total esgotamento. Estava esvaziado, dilacerado, como a um cadáver em aulas de anatomia. As folhas de papel se avolumavam sobre a mesa. Páginas e mais páginas, centenas de histórias, personalidades incansáveis. Mas afinal de contas, onde estaria eu? Quem afinal estava sentado naquele quarto, escrevendo aquelas folhas de papéis? Quem é que obcecado inventava aquelas vidas? Que vida dentre aquelas era verdadeiramente a minha? Como se eu mesmo fosse apenas mais uma personagem, de alguma história, que alguém inventava naquele instante, olhei-me fixamente no espelho do quarto e gritei: Mentira! Mentira!
Deitei-me na cama na esperança de me recompor. Era tarde demais. Agora eram vidas criadas, todas ferozmente reais. A cada uma dei um nome, era tarde demais. Ergui-me num salto, assustado com constatação tão absurda. Algo era preciso ser feito, antes que outros os descobrissem, antes que fossem revelados ao resto do mundo. Tomado de ira e desespero, agarrei as folhas de papel sobre a mesa e as levei até o quintal. Postas dentro de uma enorme bacia, despejei sobre elas o litro de álcool. A caixa de fósforos tremia em minhas mãos, era impossível conter as lágrimas. Risquei o palito e, como ato reflexo, soltei um grito rouco e longo, como um guerreiro que impele seu exército contra o inimigo. O fogo ergueu labaredas, tomou completamente as folhas, devorando a tinta e as letras. Estavam todos mortos. Recolhi os restos da cerimônia fúnebre, todos mortos e cremados. Era domingo. Do alto da janela do apartamento as cinzas se espalharam no ar, misturadas a poluição dos carros da avenida. E se perderam. Fui dormir cedo. Ao acordar estava recomposto. Saí pelas ruas, caminhei ao trabalho, voltei à casa. Todos me reconheceram. O mesmo homem conveniente e trivial, aquele que escolhi para apresentar ao mundo.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
A Mensagem de Viktor Frankl
Viktor Emil Frankl, nascido em Viena em 26 de março de 1905, foi grande nas três dimensões em que se pode medir um homem por outro homem: a inteligência, a coragem, o amor ao próximo. Mas foi maior ainda naquela dimensão que só Deus pode medir: na fidelidade ao sentido da existência, à missão do ser humano sobre a Terra.
Homem de ciência, neurologista e psiquiatra, não foi o estudo que lhe revelou esse sentido. Foi a temível experiência do campo de concentração. Milhões passaram por essa experiência, mas Frankl não emergiu dela carregado de rancor e amargura. Saiu do inferno de Theresienstadt levando consigo a mais bela mensagem de esperança que a ciência da alma deu aos homens deste século.
O que possibilitou esse milagre singular foi a confluência oportuna de uma decisão pessoal e dos fatos em torno. A decisão pessoal: Frankl entrou no campo firmemente determinado a conservar a integridade da sua alma, a não deixar que seu espírito fosse abatido pelos carrascos do seu corpo. Os fatos em torno: Frankl observou que, de todos os prisioneiros, os que melhor conservavam o autodomínio e a sanidade eram aqueles que tinham um forte senso de dever, de missão, de obrigação. A obrigação podia ser para com uma fé religiosa: o prisioneiro crente, com os olhos voltados para o julgamento divino, passava por cima das misérias do momento. Podia ser para com uma causa política, social, cultural: as humilhações e tormentos tornavam-se etapas no caminho da vitória. Podia ser, sobretudo, para com um ser humano individual, objeto de amor e cuidados: os que tinham parentes fora do campo eram mantidos vivos pela esperança do reencontro. Qualquer que fosse a missão a ser cumprida, ela transfigurava a situação, infundindo um sentido ao nonsense do presente. Esse senso de dever era a manifestação concreta do amor - o amor pelo qual um homem se liberta da sua prisão externa e interna, indo em direção àquilo que o torna maior que ele mesmo.
O sentido da vida, concluiu Frankl, era o segredo da força de alguns homens, enquanto outros, privados de uma razão para suportar o sofrimento exterior, eram acossados desde dentro por um tirano ainda mais pérfido que Hitler - o sentimento de viver uma futilidade absurda.
Frankl tinha três razões para viver: sua fé, sua vocação e a esperança de reencontrar a esposa. Ali onde tantos perderam tudo, Frankl reconquistou não somente a vida, mas algo maior que a vida. Após a libertação, reencontrou também a esposa e a profissão, como diretor do Hospital Policlínico de Viena.
Assim ele registra, no seu livro Man's Search for Meaning, uma das experiências interiores que o levaram à descoberta do sentido da vida:
"Um pensamento me traspassou: pela primeira vez em minha vida enxerguei a verdade tal como fora cantada por tantos poetas, proclamada como verdade derradeira por tantos pensadores. A verdade de que o amor é o derradeiro e mais alto objetivo a que o homem pode aspirar. Então captei o sentido do maior segredo que a poesia humana e o pensamento humano têm a transmitir: a salvação do homem é através do amor e no amor. Compreendi como um homem a quem nada foi deixado neste mundo pode ainda conhecer a bem-aventurança, ainda que seja apenas por um breve momento, na contemplação da sua bem-amada. Numa condição de profunda desolação, quando um homem não pode mais se expressar em ação positiva, quando sua única realização pode consistir em suportar seus sofrimentos da maneira correta - de uma maneira honrada -, em tal condição o homem pode, através da contemplação amorosa da imagem que ele traz de sua bem-amada, encontrar a plenitude. Pela primeira vez em minha vida, eu era capaz de compreender as palavras: 'Os anjos estão imersos na perpétua contemplação de uma glória infinita'."
Frankl transformou essa descoberta num conceito científico: o de doenças noogênicas. Noogênico quer dizer "proveniente do espírito". Além das causas somáticas e psíquicas do sofrimento humano, era preciso reconhecer um sofrimento de origem propriamente espiritual, nascido da experiência do absurdo, da perda do sentido da vida: "O homem, dizia ele, pode suportar tudo, menos a falta de sentido."
Das reflexões de Frankl sobre a experiência do absurdo nasceu um dos mais impressionantes sistemas de terapia criados no século dos psicólogos: a logoterapia, ou terapia do discurso - um conjunto de esquemas lógicos usados para desmontar os subterfúgios com que a mente doentia procura eludir a questão decisiva: a busca do sentido.
Mas o sentido não teria o menor poder curativo se fosse apenas uma esperança inventada. A mente não poderia encontrar dentro de si a solução de seus males, pela simples razão de que o seu mal consiste em estar fechada dentro de si, sem abertura para o que lhe é superior. Em vez de criar um sentido, a mente tem de submeter-se a ele, uma vez encontrado. O sentido não tem de ser moldado pela mente, mas a mente pelo sentido. O sentido da vida, enfatiza Frankl, é uma realidade ontológica, não uma criação cultural. Frankl não dá nenhuma prova filosófica desta afirmativa, mas o caminho mesmo da cura logoterapêutica fornece a cada paciente uma evidência inequívoca da objetividade do sentido da sua vida. O sentido da vida simplesmente existe: trata-se apenas de encontrá-lo.
Universal no seu valor, individual no seu conteúdo, o sentido da vida é encontrado mediante uma tenaz investigação na qual o paciente, com a ajuda do terapeuta, busca uma resposta à seguinte pergunta: Que é que eu devo fazer e que não pode ser feito por ninguém, absolutamente ninguém exceto eu mesmo? O dever imanente a cada vida surge então como uma imposição da estrutura mesma da existência humana. Nenhum homem inventa o sentido da sua vida: cada um é, por assim dizer, cercado e encurralado pelo sentido da própria vida. Este demarca e fixa num ponto determinado do espaço e do tempo o centro da sua realidade pessoal, de cuja visão emerge, límpido e inexorável, mas só visível desde dentro, o dever a cumprir.
Em vez de dissolver a individualidade humana nos seus elementos, mediante análises tediosas que arriscam perder-se em detalhes irrelevantes, a logoterapia busca consolidar e fixar o paciente, de imediato, no ponto central do seu ser, que é, e não por coincidência, também o ponto mais alto. Eis aí por que é inútil buscar provas teóricas do sentido da vida: ele não é uma máxima uniforme, válida para todos - é a obrigação imanente que cada um tem de transcender-se. Discutir o sentido da vida sem realizá-lo seria negá-lo; e, uma vez que começamos a realizá-lo, já não é preciso discuti-lo, porque ele se impõe com uma evidência que até a mente mais cínica se envergonharia de negar.
A logoterapia tem uma imponente folha de sucessos clínicos. Porém mais significativa do que suas aplicações médicas talvez seja a função que ela desempenhou e desempenha - a missão que ela cumpre - no panorama da cultura moderna. Num século que tudo fez para deprimir o valor da consciência humana, para reduzi-la a um epifenômeno de causas sociais, biológicas, lingüisticas, etc., Frankl nadou na contracorrente e ninguém conseguiu detê-lo. Ninguém: nem os guardas do campo nem as hostes inumeráveis de seus antípodas intelectuais - os inimigos da consciência. Frankl apostou no sentido da vida e na força cognoscitiva da mente individual. Apostou nos dois azarões do páreo filosófico do século XX, desprezados por psicanalistas, marxistas, pragmatistas, semióticos, estruturalistas, desconstrucionistas - por todo o pomposo cortejo de cegos que guiam outros cegos para o abismo. Apostou e venceu. A teoria da logoterapia resistiu bravamente a todas as objeções, sua prática se impôs em inúmeros países como o único tratamento admissível para os casos numerosos em que a alma humana não é oprimida por fantasias infantis mas pela realidade da vida. Por isto mesmo a crítica cultural de Frankl, parte integrante de uma obra onde o médico e o pensador não se separam um momento sequer, tem um alcance mais profundo do que todas as suas concorrentes. Desde seu posto de observação privilegiado, ele pôde enxergar o que nenhum intelectual deste século quis ver: a aliança secreta entre a cultura materialista, progressista, democrática, cientificista, e a barbárie nazista. Aliança, sim: seria apenas uma coincidência que o século mais empenhado em negar nas teorias a autonomia e o valor da consciência também fosse o mais empenhado em criar mecanismos para dirigi-la, oprimi-la e aniquilá-la na prática? Dirigindo-se a um público universitário norte-americano, Viktor Frankl pronunciou estas palavras onde a lucidez se alia a uma coragem intelectual fora do comum:
"Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão raciocínio lógico e conseqüente." (Sêde de Sentido, trad. Henrique Elfes, São Paulo, Quadrante, 1989, p. 45.)
Com declarações desse tipo, ele pegava pela goela os orgulhosos intelectuais denunciadores da barbárie e lhes devolvia seu discurso de acusação, desmascarando a futilidade suicida de teorias que não assumem a responsabilidade de suas conseqüências históricas. Pois o mal do mundo não vem só de baixo, das causas econômicas, políticas e militares que a aliança acadêmica do pedantismo com o simplismo consagrou como explicações de tudo. Vem de cima, vem do espírito humano que aceita ou rejeita o sentido da vida e assim determina, às vezes com trágica inconseqüencia, o destino das gerações futuras.
Frankl era judeu, como foram judeus alguns dos criadores daquelas doutrinas materialistas e desumanizantes que prepararam, involuntariamente, o caminho para Auschwitz e Treblinka. Se ele pôde ver o que eles não viram, foi porque permaneceu fiel à liberdade interior que é a velha mensagem do Sentido em busca do homem: "SE ME ACEITAS, Israel, Eu sou o Teu Deus."
(Olavo de Carvalho, Publicado na revista Bravo! de novembro de 1997, e reproduzido em "O Imbecil Coletivo II")
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Aposentadoria - Capítulo Oitavo
_ Aposen... o quê?
_ APO-SEN-TA-DO-RIA.
_ Nunca ouvi dizer, Rafael.
_ Ora, mas é algo muito falado, pelo menos entre os humanos...
_ Mesmo assim, acho que nunca tinha ouvido antes.
_ Bom, talvez entre nós o tópico apareça em outras roupagens, você bem sabe que divergimos na nomenclatura de quase tudo com relação aos homens.
_ É, pode ser isso.
_ Enfim, trata-se de um acontecimento muito curioso, esta tal aposentadoria. Veja bem, todos aqui sabemos que uma das aflições mais constantes no espírito humano é a incapacidade crescente para escutar o chamado Dele, não é?
_ Sim, eu vejo isso sempre, é fato corriqueiro, Rafael.
_ Mas também sabemos que muitos acabam por atender ao chamado, ainda que de forma inusitada. Eles embarcam horas e horas do dia em afazeres estranhos, recebendo por isso um instrumento que lhes permite a sobrevivência, mas que também atrai o pecado de forma assustadora.
_ Ah, sim, conheço bem o tipo. Não têm a menor consciência de que algemam as próprias mãos. Certa vez eu cuidei de um deles que agregou uma quantia exageradamente grande dessa coisa e depois, quando a perdeu, simplesmente...
_ Espere um pouco, Gabriel, desculpe-me interrompê-lo, mas não quero perder o foco. Sei que suas histórias são bastante empolgantes e que em seguida traria uma lição de altíssimo valor. Porém, deixe-me terminar o raciocínio, e depois voltamos a isso.
_ Pois não, meu caro, a paciência é a maior das virtudes.
_ Onde eu estava mesmo? Ah, sim, as horas perdidas. Os humanos, dessa forma, embarcam numa atividade perigosa e de frutos potencialmente venenosos, mas, ao mesmo tempo, aproximam-se do chamado Dele.
_ Os dois lados, sempre unidos.
_ Sim, sim, mas aqui a contradição é digna de nota. Pois se o caminho que leva à perdição igualmente traz a observância do chamado, então, o perdão pode ser alcançado mais facilmente, não acha?
_ Pode ser, precisaria meditar sobre a questão, mas provisoriamente aceito seu argumento.
_ Então, concordamos que o labor dos homens, muito nocivo de uma parte, revela no seu reverso a quase aceitação dos desígnios do Alto, correto?
_ Sim, acredito que seu pensamento é claro e verdadeiro.
_ E é neste ponto que entra a aposentadoria.
_ Explique-me melhor, pois não percebo onde deseja chegar.
_ Veja bem, após um breve período dedicado a essa tarefa de esforços mundanos, os homens rebelam-se contra sua obra e deixam de cumprir as obrigações que haviam assumido. Todavia, permanecem angariando o suco da empreitada, e entregam-se sem pudor e sem demora a um banho de delícias, de regalos.
_ Compreendo. E isso é a aposentadoria?
_ Exatamente, é a consagração dos efeitos terrestres do dito trabalho, mas sem os benefícios do alto, porque a vocação deixa de ser atendida.
_ Que tenebroso! Deve ser coisa do Inominado, com certeza que é!
_ Não sei, não sei, talvez o seja; perguntaremos depois a Miguel, mas antes me deixe terminar.
_ Sim, é claro, pensei que já tivesse acabado.
_ Apenas mais um minuto, meu amigo. O mais fantástico de tudo é que há uma grande luta, intensa e incessante, feita por cada um deles para que esse momento chegue o mais rápido possível, como se houvesse um desejo de recolher o fruto mundano antes mesmo de aproximar-se do chamado.
_ Agora entendo, muito interessante.
_ E, mais paradoxalmente ainda, eles...
_ Eu não gosto de paradoxos, lembram-me de guerras passadas, que até hoje não consegui compreender muito bem.
_ Foco, Gabriel, foco!
_ Perdão, meu amigo, às vezes me perco no pensamento.
_ Para sempre perdoado. O paradoxo, a contradição estranha do fenômeno, está na força que atua contrariamente a esse desejo.
_ Bom, deve ser nossa, ou de nossos aliados.
_ Nada disso, Gabriel. Quem hoje afasta este tempo de deserto, de aridez vocacional, e de efeitos descontrolados, é o Estado!
_ Não!
_ Sim, o Estado, ele mesmo, o Estado vem criando embaraços para os humanos atingirem a aposentadoria, e acaba protelando os tempos escuros.
_ Curioso, sem dúvida, curioso.
_ Não sei o significado de tais absurdidades. Talvez Miguel nos ajude...
_ Com certeza algo haverá para dizer, sempre há. Agora, desculpe-me a mudança brusca, querido Rafael, mas peço para iniciar minha narrativa.
_ Pois diga, amigo, eu falei e agora devo escutar.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Cem anos de Madre Teresa de Calcutá
DURANTE O SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO
DE MADRE TERESA
NO DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL
Domingo, 19 de Outubro de 2003
1. "Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se servo de todos" (Mc 10, 44). Estas palavras de Jesus aos discípulos, que ressoaram há pouco nesta Praça, indicam qual é o caminho que leva à "grandeza" evangélica. É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à Cruz; um itinerário de amor e de serviço, que inverte qualquer lógica humana. Ser o servo de todos!
Madre Teresa de Calcutá, Fundadora dos Missionários e das Missionárias da Caridade, que hoje tenho a alegria de inscrever no Álbum dos Beatos, deixou-se guiar por esta lógica. Estou pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado. Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo nos mais pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela.
De vez em quando vinha falar-me das suas experiências ao serviço dos valores evangélicos. Recordo, por exemplo, as suas intervenções a favor da vida e contra o aborto, também quando lhe foi conferido o prémio Nobel pela paz (Oslo, 10 de Dezembro de 1979). Costumava dizer: "Se ouvirdes que alguma mulher não deseja ter o seu menino e pretende abortar, procurai convencê-la a trazer-mo. Eu amá-lo-ei, vendo nele o sinal do amor de Deus".
2. Não é significativo que a sua beatificação se realize precisamente no dia em que a Igreja celebra o Dia Missionário Mundial? Com o testemunho da sua vida, Madre Teresa recorda a todos que a missão evangelizadora da Igreja passa através da caridade, alimentada na oração e na escuta da palavra de Deus. É emblemática deste estilo missionário a imagem que mostra a nova Beata que, com uma mão, segura uma criança e, com a outra, desfia o Rosário.
Contemplação e acção, evangelização e promoção humana: Madre Teresa proclama o Evangelho com a sua vida inteiramente doada aos pobres mas, ao mesmo tempo, envolvida pela oração.
3. "Quem quiser ser grande entre vós faça-se Vosso servo" (Mc 10, 43). É com particular emoção que hoje recordamos Madre Teresa, grande serva dos pobres, da Igreja e do Mundo inteiro. A sua vida é um testemunho da dignidade e do privilégio do serviço humilde. Ela escolheu ser não apenas a mais pequena, mas a serva dos mais pequeninos. Como mãe autêntica dos pobres, inclinou-se diante dos que sofriam várias formas de pobreza. A sua grandeza reside na sua capacidade de doar sem calcular o custo, de se doar "até doer". A sua vida foi uma vivência radical e uma proclamação audaciosa do Evangelho.
O brado de Jesus na cruz, "Tenho sede" (Jo 19, 28), que exprime a profundidade do desejo que o homem tem de Deus, penetrou no coração de Madre Teresa e encontrou terreno fértil no seu coração. Satisfazer a sede que Jesus tem de amor e de almas, em união com Maria, Sua Mãe, tinha-se tornado a única finalidade da existência de Madre Teresa, e a força interior que a fazia superar-se a si mesma e "ir depressa" de uma parte a outra do mundo, a fim de se comprometer pela salvação e santificação dos mais pobres.
4. "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40). Este trecho do Evangelho, tão fundamental para compreender o serviço de Madre Teresa aos pobres, estava na base da sua convicção, cheia de fé, que ao tocar os corpos enfraquecidos dos pobres tocava o corpo de Cristo. O seu serviço destinava-se ao próprio Jesus, escondido sob as vestes angustiantes dos mais pobres. Madre Teresa realça o significado mais profundo do serviço: um gesto de amor feito aos famintos, aos sequiosos, aos estrangeiros, a quem está nu, doente, preso (cf. Mt 25, 34-36), é feito ao próprio Jesus.
Ao reconhecê-l'O servia-O com grande devoção, exprimindo a delicadeza do seu amor esponsal. Assim, no dom total de si a Deus e ao próximo, Madre Teresa encontrou a sua satisfação mais nobre e viveu as qualidades mais elevadas da sua feminilidade. Desejava ser um "sinal do amor de Deus, da presença de Deus, da compaixão de Deus" e, desta forma, recordar a todos o valor e a dignidade de cada filho de Deus "criado para amar e para ser amado". Era assim que Madre Teresa "levava as almas para Deus e Deus às almas", aliviando a sede de Cristo, sobretudo das pessoas mais necessitadas, cuja visão de Deus tinha sido ofuscada pelo sofrimento e pela dor.
5. "Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos" (Mc 10, 45). Madre Teresa partilhou a paixão do Crucificado, de modo especial durante longos anos de "obscuridade interior". Aquela foi a prova, por vezes lancinante, acolhida como um singular "dom e privilégio".
Nos momentos mais difíceis ela recorria com mais tenacidade à oração diante do Santíssimo Sacramento. Esta difícil angústia espiritual levou-a a identificar-se cada vez mais com aqueles que servia todos os dias, experimentando o sofrimento e por vezes até a recusa. Gostava de repetir que a maior pobreza é não sermos desejados, não ter ninguém que se ocupe de nós.
6. "Dai-nos, Senhor, a Vossa graça, em Vós esperamos!". Quantas vezes, como o Salmista, também Madre Teresa, nos momentos de desolação interior, repetiu ao seu Senhor: "Em Vós, meu Deus, em Vós espero!".
Prestemos honra a esta pequena mulher apaixonada por Deus, humilde mensageira do Evangelho e infatigável benfeitora da nossa época. Aceitemos a sua mensagem e sigamos o seu exemplo.
Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, ajuda-nos a ser mansos e humildes de coração como esta intrépida mensageira do Amor. Ajuda-nos a servir com a alegria e com o sorriso todas as pessoas que encontramos. Ajuda-nos a ser missionários de Cristo, nossa paz e nossa esperança. Amém!
Aposentadoria - Capítulo Sétimo
Aposentadoria - Capítulo Sexto
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Aposentadoria - Capítulo Quinto
_Eu estou tranqüilo, meu pai começou a pagar a previdência quando eu tinha cinco anos, assim posso parar de trabalhar logo, logo.
_Mas depois de parar de trabalhar, o que você vai fazer da vida?
_Sei lá, viajar, conhecer o mundo, curtir por ai...
_Hum... Mas é melhor não contar com o governo... Você já viu as previsões dos especialistas? A previdência está quebrada... Você vai passar a vida inteira contribuindo e no final não vai conseguir receber nada... Pelo menos é o que dizem... Há um risco muito grande...
_E você vai acreditar nisso? Pode até estar quebrada, mas sempre vão pagar... O que você sugere? Arriscar é deixar isso para muito tarde... Muito perigoso... Tem que se garantir, tem que se garantir...
_Ora, hoje em dia tem a aposentadoria privada, escolha um banco... Ou invista em imóveis...
_E banco é mais confiável que o governo? Toda hora algum banco quebra e todo mundo se dá mal...
_Sei lá... O que eu quero mesmo é prestar concurso público... Pelo menos a aposentadoria é integral...
_Está maluco? Isso já acabou... E tende a piorar... Vai ficar igual a todo mundo...
_Por isso preciso entrar logo e garantir o meu...
_Mas eu pensei que você quisesse exercer a engenharia... Quando você prestou vestibular você sonhava em construir pontes, viadutos...
_Os tempos são outros... A gente amadurece... Eu preciso pensar no meu futuro... O mercado é muito violento, a concorrência é grande, preciso de algo mais garantido.
_Mas na engenharia não é possível?
_O que eu quero é emprego estável, trabalhar pouco, não ter chefe... Pelo menos não um que possa me mandar embora... E de brinde ainda levo uma gorda aposentadoria... Tem coisa melhor? Por que é que vou enfrentar entrevista, dinâmica em grupo, carreira em empresa?
_Mas e se você não gostar do que fizer? E se a aposentadoria demorar demais para vir?
_Ora, quem está falando... Isso a gente dá um jeito depois... Você mesmo... Se gostasse tanto do que faz não ia querer se aposentar tão cedo...
_Não, não é isso... É que trabalhar cansa... Todo dia a mesma coisa, acordar cedo, resolver problema... Passear é melhor, não? Por isso prefiro fazer tudo para esse dia chegar mais rápido...
_E se você morrer antes disso? Digo, morrer antes da aposentadoria?
_Morrer? Está maluco? Que pessimismo é esse? Só você, mesmo... Morrer...
_Ué, todo mundo morre um dia... E a gente nunca sabe a hora...
_Sai pra lá! Isso dá azar! Mas sabe que, mesmo pensando assim, você só reforça a minha teoria... É mais uma razão para eu me aposentar logo... Não quero estar velho e indisposto, muito menos morrer antes de curtir a tão sonhada aposentadoria.
_Bem, eu já penso diferente. Com meu cargo público pretendo não ter que esperar a aposentadoria para curtir a vida... Sim, porque com hora para entrar e para sair, salário fixo, estabilidade, trinta dias de férias, vou ter mais tempo livre, vou poder aproveitar muito mais. Nada de horas extras... Nada de ter medo de perder o emprego... Nada de ficar implorando aumento...
_Mesmo assim você terá que passar no mínimo oito horas trabalhando... Vai sobrar pouquíssimo tempo... Não é melhor se aposentar mais depressa?
_Isso não existe... Aposentaria é só depois de 35 anos de serviço...
_E se você morrer antes disso?
_Agora vem você falar em morrer... Nem sei por que disse isso... É claro que isso não vai acontecer tão cedo... Agora não é hora de pensar nisso... Antes de bater as botas eu quero curtir bastante a minha aposentadoria integral, nem que eu esteja velhinho...
_Sei lá, às vezes eu acho que você devia esquecer esse negócio de concurso, esta esperança de aposentadoria integral e ir atrás das suas pontes, dos seus prédios... Já pensou? Você pode ser um Niemayer! Ah! Se eu tivesse alguma coisa que eu gostasse pra valer de fazer, se tivesse um sonho assim... Talvez o trabalho não fosse tão ruim...
_É gostoso dar opinião na vida dos outros, não? Deixa que do meu sonho cuido eu... Niemayer, Niemayer... Os tempos são outros... Jamais conseguiria uma coisa dessas no mundo de hoje... Prefiro não trocar o certo pelo duvidoso... Vou é garantir o meu concurso, meu carguinho de hoje e a minha aposentadoria gorducha de amanhã!
_Só espero que você não se arrependa... Assim, quando você já estiver aposentado, sentado na poltrona da sala, fazendo o balanço da sua vida...
_Ora, ora... Eu? E você, sabichão!? Como estará quando estiver nesta mesma poltrona? Eu acho que você devia era parar de ficar obcecado com essa idéia de aposentadoria prematura e se preparar para ter que trabalhar... Afinal de contas, bem ou mal você terá que trabalhar. E não por pouco tempo... Viver a vida depositando tudo no futuro? Isso sim é que é loucura! No seu lugar arrumava um emprego melhor, que te permitisse ir curtindo a vida desde já... Depois que venha a aposentadoria e, daí, você curte mais ainda...
_Isso se eu não morrer antes...
_Morrer? Agora é você que está com essa história... Rárárá... Não é engraçado dois jovens como nós falando da morte? Vamos cuidar é da vida, que ela já nos dá bastante “trabalho”... Ou melhor... Vamos cuidar é de aproveitar a vida e esquecer o trabalho!
_É isso mesmo! Esse papo já estava ficando sério demais...
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Aposentadoria - Capítulo Quarto
Aposentadoria - Capítulo Terceiro
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Aposentadoria - Capítulo Segundo
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Aposentadoria - Capítulo Primeiro
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Missão de Caipira
quarta-feira, 14 de julho de 2010
A Canção do Pântano
No entanto, a realidade extravasa as dimensões deste mundo mundano e não estamos sozinhos perdidos neste pântano. Existe uma fonte de onde brotam todos os ideais e que, misteriosamente, nos atrai e nos chama. Como soldados para uma guerra urgente e necessária, somos convocados ao fronte, é preciso ter força e lutar. O general maior nos oferece as diretrizes e nos convida a viver segundo o seu exército: abracem a cruz! Abandonem tudo, não menos que tudo, e sigam-me! De pernas cansadas de tanto peregrinar pelo mundo, a beira de desistirmos de encontrar um sentido maior para nossas vidas, quase engolidos pela lama, encontramos a figura enigmática deste general. Como Madre Teresa pelas ruas de Calcutá, desencantada com sua vida de freira bem limpinha e protegida dentro dos muros do convento, quando num passeio pela cidade descobre nos olhos dos pobres mendigos indianos a voz do exigente general. Obediente, soldado fiel, parte com coragem rumo a sua missão, impelida apenas pela força desta voz que a sustenta como um touro indestrutível. Teresa sim, Teresa vai, Teresa luta. Pouco a pouco se torna um verdadeiro soldado da cruz, capaz de enfrentar e vencer o terrível pântano.
Não nos enganemos. É doce e deliciosa a nossos ouvidos humanos a canção do pântano. Facilmente e com bastante alegria negamos a cruz, renunciando-a em nome de uma vida mundana e prazenteira. Cegos e surdos, seguimos mortos-vivos a regra do mundo, sonhando com grandezas e poder, enquanto não somos engolidos completamente pela lama mortal. Todavia, dentro de cada um de nós, outra voz nos chama, o piedoso e fiel general. Com insistência e amor desmascara a terrível condição, revela-nos o campo de batalha e nos convoca a assumir uma guerra. Como um pai, nos guia, nos dá armas e nos prepara. Mas exige de nós um pequeno passo, uma pequena e singela decisão, a mais difícil de nossas vidas. Tal qual o menino Artreiú da história inventada, teremos que atravessar a hostilidade de um mundo pantanoso e demasiado mundano, para que possamos atingir a magnitude de uma vida verdadeira, profunda e cheia de sentido. Mas para isso precisaremos, como Madre Teresa, abandonar tudo e dizer sim às ordens desde amoroso general, para que nossos ouvidos sejam capazes de resistir a terrível e sedutora canção do pântano.