EPÍGRAFE

"Há na vida momentos privilegiados em que parece que o Universo se ilumina, que a nossa vida nos revela sua significação, que queremos o destino mesmo que nos coube como se nós mesmos o tivéssemos escolhido; depois o Universo volta a fechar-se, tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tateando num caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em salvaguardar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver e fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito. Não há homem que não tenha conhecido tais momentos, mas ele os esquece depressa como um sonho frágil, pois ele se deixa captar quase imediatamente por preocupações materiais ou egoístas que ele não consegue atravessar ou ultrapassar, porque ele pensa reencontrar nelas o solo duro e resistente da realidade. Mas aquilo que é próprio de uma grande filosofia é reter e reunir esses momentos privilegiados, mostrar como são janelas abertas para um mundo de luz cujo horizonte é infinito, do qual todas as partes são solidárias e que está sempre oferecido ao nosso pensamento e que, sem jamais dissipar as sombras da caverna, nos ensina a reconhecer em cada uma delas o corpo luminoso do qual ela é a sombra". (Louis Lavelle, “Intimidade Espiritual”)


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Credo de Dom Quixote
por Mário Ferreira dos Santos
(Da obra Antologia da Literatura Mundial -
Páginas Várias, Editora Logos, 1ª edição,
1960, págs. 198 e 199)


Creio na sabedoria divina criadora do cosmos; creio no cavalheirismo dos libertadores de bons prisioneiros; creio no amparo aos perseguidos, e aos necessitados, ávidos de justiça e de liberdade.

Creio no orgulho ante os poderosos; na justiça ante os maus; na magnanimidade ante os bons e os mansos, na delicadeza ante as mulheres e as crianças.

Creio na coragem; no domínio dos desejos e no amor eterno.

Creio na vida e na morte; amo as sombras dos bosques e a luz plena do meio-dia.

Creio na cavalaria andante, realização suprema do homem bom e viril.

Creio que há sempre um ideal a conquistar; feiticeiros que combater, duendes que enfrentar, e monstros que destruir.

Creio na necessidade do mal para maior glória do bem.

Creio na noite para maior glória do sol, e no sol para maior glória da lua, inseparáveis amigos e confidentes dos campeadores do ideal.