quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As Lágrimas da Criação (Martim Vasques da Cunha)




A árvore da Vida não conhecerá mais primaveras: é madeira seca; com ela se farão ataúdes para nossos ossos, nossos sonhos e nossas dores.
Cioran

And for all this, nature is never spent;
There lives the dearest freshness deep down things;
And though the last lights off the black West went
Oh, morning, at the brown brink eastward, springs —
Because the Holy Ghost over the bent
World broods with warm breast and with ah! bright wings.
Gerald Manley Hopkins, “God´s Grandeur”


Enquanto este texto começa a ser escrito – e, ao mesmo tempo, pensado, refletido e prestes a se transformar em realidade no exato momento em que as palavras deslizam pela página branca e adentram na mente de quem irá lê-las – as pessoas que sairão de suas casas para assistir A árvore da vida (The tree of life, 2011), a obra-prima de Terrence Malick, na vã esperança de se divertirem com um mero entretenimento, terão a mesma reação descrita na sentença de Cioran: a de que nada mais vale a pena já que a alma se tornou muito pequena.
O filme de Malick é a prova de que ainda existe alguém que resolveu andar na contramão da História. No caso da História tal como conheceremos, tudo indica que, em breve, estaremos vivendo em um mundo repleto de ateísmo, de desintegração moral que nos remeterá ao deserto onde o personagem de Sean Penn, Jack O´Brien, caminha como se fosse um peregrino pronto para recitar os versos correspondentes de T.S.Eliot em The Waste Land. Outros detalhes que corresponde o filme com a nossa realidade se avolumam cada vez mais – e o público de cinema parece ser um teste de Rorschach para estas evidências: a incapacidade de se concentrar, de escutar uma simples melodia daquele gênero tão antiquado que agora chamam de “música clássica”, de ouvir o próprio silêncio que emana da tela, de perceber que você não está vendo uma mera obra de arte e sim uma meditação sobre algo que o espectador não consegue mais perceber que perdeu há muito tempo.
Ou não perdeu de forma alguma e estamos aqui apenas reclamando. Terrence Malick fez cinco filmes em mais de quarenta anos de carreira e sequer deu uma única entrevista para explicar sobre o que é a sua obra. Não precisa. A explicação, se existe, está claríssima: toda a sua obra é sobre a presença que emana das águas, também apelidada de ruach em um certo livrinho chamado Gênesis, e que hoje apelidaríamos de “espírito”. O tal do ruach é demasiadamente ambíguo para que, às vezes, se metamorfoseie em destruição – como é exposto no primeiro filme de Malick, Badlands (1973), que conta a odisséia de um casal de jovens assassinos, e também na sua terceira película, o colosso cinematográfico sobre as guerras que travamos dentro e fora de nós, Além da linha vermelha (The thin red line, 1999) – ou nos instantes de criação sempre expostos para quem quiser ver, em especial nas tomadas de natureza que abundam em Dias de Paraíso (Days of Heaven, 1978) e em O Novo Mundo (The New World, 2005).
Se Malick sumiu por vinte anos, supõe-se que a razão era a mesma de que qualquer artista precisa de tempo para fazer a sua função óbvia: a de criar com a maturidade necessária para refletir somente sobre as primeiras e as últimas coisas. O resto é perfumaria. Seus anos de aprendizado como estudante de filosofia – foi responsável por uma tradução de Heidegger, leu assiduamente Wittgenstein e teve como tutor ninguém menos que Stanley Cavell, um dos papas da filosofia analítica na língua inglesa – o ensinaram a se ater somente no essencial, a narrar e a filmar sem firulas, num domínio completo entre forma e conteúdo. Cada corte é preciso tal como um teorema de Guilherme de Ockham: Malick mostra a ação em fragmentos para que o espectador tenha a impressão objetiva do que está acontecendo na cena e faça as justaposições necessárias que depois serão a verdade subjetiva do filme quando ele estará completado na sua memória. O cinema não é apenas um meio de expressão: é a linguagem que Malick encontrou para fazer filosofia e se questionar sobre o que realmente importa na vida de qualquer um.
Só dois diretores conseguiram fazer isso que Malick alcançou em sua filmografia: Stanley Kubrick em 2001 – Uma odisséia no espaço (1968) e F.W. Murnau em Aurora (1929) (Poderíamos citar também Dreyer, Tarkovski e Bresson nessa categoria, mas estes são cineastas que usam mais a pintura do que propriamente as idéias para expressarem suas visões de mundo. São pensadores da luz, não pensadores do logos que, com a falência da palavra neste mundo jogado aos cães, manobram as imagens para dramatizar suas idéias). O primeiro é citado por Malick em A árvore da vida na ambiciosa cena da criação do mundo, com planetas e luas que foram concebidos por ninguém menos que Douglas Trumbull, o mesmo homem que supervisionou os efeitos de 2001, tudo ao som de Lacrimosa, o pungente trecho de Zbigniew Preisner feito em homenagem ao amigo Krzysztof Kieslowski; o segundo pode ser percebido no modo como Malick conduz o trecho central de seu filme, a história da família O´Brien na cidadezinha de Waco, Texas. Sentimos a mão de Murnau guiando a câmera quando ela filma a relação da natureza com as ações do Jack que, pouco a pouco, descobre a maldade dentro do seu coração por meio daqueles momentos que ninguém assiste exceto nossa própria consciência – os atos sem testemunha em que ficamos sozinhos com nós mesmos e, olhe só, com aquela presença que emana das águas e que nos observa sub specie aeternitatis.
Contudo, Malick não cai no perigo da frieza kubrickiana perante a indiferença da natureza, muito menos tende ao kitsch irônico que Murnau poderia resvalar em algumas cenas de seus filmes (é só lembrarmos de A última gargalhada). Há uma doçura próxima de um Marcel Proust na evocação da infância, uma doçura justa e necessária já que fica claro que, para Malick, um cineasta que buscou sempre uma espécie de paraíso perdido (especialmente em Além da linha vermelha e em O novo mundo), a verdadeira utopia é o próprio passado e que só pode ser alcançada mediante uma entrega interior completa com sua própria morte e seus próprios mortos. Ao mesmo tempo, esta entrega é uma libertação porque, afinal, temos de deixar os mortos enterrarem os mortos – os vivos estão mais ocupados vivendo a vida que querem perder a qualquer custo.
A infância é o palco de combate entre a graça – personificada pela mãe de Jack, quieta, resignada e altiva – e a natureza – representada pelo pai, disciplinado, rancoroso e impotente – para que Jack, agora adulto e angustiado por uma ausência de fé que não sabe como perdeu, possa ficar em paz com o mundo, mesmo que tenha de morrer de alguma forma para este último. Ele é um arquiteto, um homem capaz de criar do nada, mas a sua criação é fria, perfeita demais. Falta a ela as lágrimas que acompanham o Gênesis de tudo, as lágrimas que amolecem o barro que é feito o ser humano e que, se não as tiver em algum momento de sua existência, ficará seco e duro se for exposto somente à luz do sol. A natureza (o pai) se rende à graça (a mãe) porque não há outra maneira de viver; e confesso que toda vez que via uma tomada que envolvia o elemento “água” – uma cachoeira, um rio, uma fonte, uma tormenta – não pude deixar de pensar que Malick talvez conversava consigo mesmo sobre um verso de W.H.Auden: Thousands have lived without love, not one without water.
A água não apenas limpa o nosso corpo ou o nosso espírito; ela também nos dá o mínimo de vida necessária para suportarmos a luz feroz da condição humana. Quem viveu tal ferocidade no seu limite foi Jó, o homem justo cujo livro é citado por Malick na epígrafe de abertura do seu filme: Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Quando juntas cantavam as estrelas da manhã, e todos os filhos de Deus bradavam de júbilo? Ao relacionar o momento da criação do mundo com a singela história de uma família texana, fica-se tentado a pensar se não seríamos todos pequenos Jós, precisando da água para vivermos decentemente, derrubados por um vento que não se sabe para onde sopra e incapazes de fazermos o que queremos e sim o que não desejamos. Malick responde afirmativamente a isto tudo. No trecho bíblico usado como epígrafe, Deus pergunta a Jó onde ele estava quando o mundo foi criado e nós fazemos a mesma pergunta a Ele quando sentimos o chão se abrir sob nossos pés. Tal tensão só pode ser resolvida de uma única forma: a reconciliação entre homem e Deus.
Jack O´Brien é o homem que perdeu o contato da presença de Deus em sua vida – e boa parte da humanidade seguiu este caminho. Ele é o nosso everyman, um artista que, como o Stephen Dedalus de James Joyce, vê em sua própria história ecos de um pesadelo que ele desconfia que jamais acordará. Entretanto, Malick age em seu filme como um sensor que capta os movimentos espirituais desta luta interior e assim cada imagem não é mais uma imagem e sim um símbolo que aponta para um invisível que desconfiamos que pode estar lá. É uma obra que, ao falar dos tormentos da criação, se cria conforme o espectador o assiste na sala de cinema e cria-se conforme o seu diretor expõe as imagens à luz da tela (não por acaso, o primeiro e o último frame é uma homenagem às lumia de Thomas Wilfred, que dizia que o material de todo artista deveria ser a luz e nada mais); a criação, quando ela ocorre, é um processo sem fim, que se estende à eternidade, que se recria a todo instante e que, por isso mesmo, só pode ser exprimida pelos gemidos de que São Paulo falava em suas epístolas.
Estes gemidos são ouvidos no grito da mãe que perdeu o filho, na nuvem de pássaros que circula os arranha-céus de forma ameaçadora (um plano que nos assusta pela sua beleza e que nos faz perguntar como Malick conseguiu captar aquilo), na toccata de Bach que o pai desiludido executa a um filho que ainda acredita que ele é seu herói, nos réquiens que Malick faz questão de acompanhar Jack quando este, finalmente, atravessa o pórtico da morte para enfim ter um vislumbre do eterno. O mal é evitado enquanto somos educados como crianças, mas quando nos deparamos com ele no nosso coração, o encontro é terrível e nos dá a sensação de um beco-sem-saída; só o reconhecimento dos nossos erros – como faz o pai de Jack, ao se render à glória da criação que está ao seu redor, mesmo tendo uma vida repleta de fracassos – nos dá a liberdade que perseguimos a tanto custo.
Há um adágio que diz: nex lux sine ombra. Não há luz sem sombra – e vice-versa. Terrence Malick pensa com a luz que vem entre as palavras sussurradas e luta com as sombras com as quais seus personagens tentam impor no mundo. Em pleno 2011, com a História tentando provar que a atitude de Cioran é a mais prudente (e sendo imitada com peculiar estupidez por críticos cinematográficos que sequer sabem reconhecer o que é uma obra-prima quando ela está embaixo dos seus narizes), temos um artista que nos dá de presente uma criação que nos revela nada mais nada menos a grandeza de Deus – da mesma forma que, no século XIX, o poeta Gerald Manley Hopkins fez com seus sonetos e longos poemas. Assim como um sacerdote da luz que necessita dela porque não há mais uma comunicação substancial pela palavra, Malick opta pela “reclusão” (uma forma de ofendê-lo só porque ele não fala com estes prostitutos da linguagem que são os jornalistas) para que as pessoas entendam o que está realmente em jogo: as lágrimas da Criação da qual todos nós fazemos parte, lágrimas que podem ser identificadas também como nossas, porque, afinal, apesar de fazermos o possível para exaurir a natureza e destruir a graça, nosso choro é de júbilo e a nossa pergunta é um grito que ecoa por toda a eternidade, como jamais aconteceu antes ou depois.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mansagem do Papa aos Jovens: convite para ler ouvindo...



Mensagem do Papa Bento XVI para a Jornada Mundial da Juventude em Madrid

«Enraizados e edificados n’Ele... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7).


Queridos amigos!

Penso com frequência na Jornada Mundial da Juventude de Sidney de 2008. Lá vivemos uma grande festa da fé, durante a qual o Espírito de Deus agiu com força, criando uma comunhão intensa entre os participantes, que vieram de todas as partes do mundo. Aquele encontro, assim como os precedentes, deu frutos abundantes na vida de numerosos jovens e de toda a Igreja. Agora, o nosso olhar dirige-se para a próxima Jornada Mundial da Juventude, que terá lugar em Madrid em Agosto de 2011. Já em 1989, poucos meses antes da histórica derrocada do Muro de Berlim, a peregrinação dos jovens fez etapa na Espanha, em Santiago de Compostela. Agora, num momento em que a Europa tem grande necessidade de reencontrar as suas raízes cristãs, marcamos encontro em Madrid, com o tema: «Enraizados e edificados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). Por conseguinte, convido-vos para este encontro tão importante para a Igreja na Europa e para a Igreja universal. E gostaria que todos os jovens, quer os que compartilham a nossa fé em Jesus Cristo, quer todos os que hesitam, que estão na dúvida ou não crêem n’Ele, possam viver esta experiência, que pode ser decisiva para a vida: a experiência do Senhor Jesus ressuscitado e vivo e do seu amor por todos nós.

Na nascente das vossas maiores aspirações!

1. Em todas as épocas, também nos nossos dias, numerosos jovens sentem o desejo profundo de que as relações entre as pessoas sejam vividas na verdade e na solidariedade. Muitos manifestam a aspiração por construir relacionamentos de amizade autêntica, por conhecer o verdadeiro amor, por fundar uma família unida, por alcançar uma estabilidade pessoal e uma segurança real, que possam garantir um futuro sereno e feliz. Certamente, recordando a minha juventude, sei que estabilidade e segurança não são as questões que ocupam mais a mente dos jovens. Sim, a procura de um posto de trabalho e com ele poder ter uma certeza é um problema grande e urgente, mas ao mesmo tempo a juventude permanece contudo a idade na qual se está em busca da vida maior. Se penso nos meus anos de então: simplesmente não nos queríamos perder na normalidade da vida burguesa. Queríamos o que é grande, novo. Queríamos encontrar a própria vida na sua vastidão e beleza. Certamente, isto dependia também da nossa situação. Durante a ditadura nacional-socialista e durante a guerra nós fomos, por assim dizer, «aprisionados» pelo poder dominante. Por conseguinte, queríamos sair fora para entrar na amplidão das possibilidades do ser homem. Mas penso que, num certo sentido, todas as gerações sentem este impulso de ir além do habitual. Faz parte do ser jovem desejar algo mais do que a vida quotidiana regular de um emprego seguro e sentir o anseio pelo que é realmente grande. Trata-se apenas de um sonho vazio que esvaece quando nos tornamos adultos? Não, o homem é verdadeiramente criado para aquilo que é grande, para o infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente. Santo Agostinho tinha razão: o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti. O desejo da vida maior é um sinal do facto que foi Ele quem nos criou, de que temos a Sua «marca». Deus é vida, e por isso todas as criaturas tendem para a vida; de maneira única e especial a pessoa humana, feita à imagem de Deus, aspira pelo amor, pela alegria e pela paz. Compreendemos então que é um contra-senso pretender eliminar Deus para fazer viver o homem! Deus é a fonte da vida; eliminá-lo equivale a separar-se desta fonte e, inevitavelmente, a privar-se da plenitude e da alegria: «De facto, sem o Criador a criatura esvaece» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 36). A cultura actual, nalgumas áreas do mundo, sobretudo no Ocidente, tende a excluir Deus, ou a considerar a fé como um facto privado, sem qualquer relevância para a vida social. Mas o conjunto de valores que estão na base da sociedade provém do Evangelho — como o sentido da dignidade da pessoa, da solidariedade, do trabalho e da família — constata-se uma espécie de «eclipse de Deus», uma certa amnésia, ou até uma verdadeira rejeição do Cristianismo e uma negação do tesouro da fé recebida, com o risco de perder a própria identidade profunda.
Por este motivo, queridos amigos, convido-vos a intensificar o vosso caminho de fé em Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Vós sois o futuro da sociedade e da Igreja! Como escrevia o apóstolo Paulo aos cristãos da cidade de Colossos, é vital ter raízes, bases sólidas! E isto é particularmente verdadeiro hoje, quando muitos não têm pontos de referência estáveis para construir a sua vida, tornando-se assim profundamente inseguros. O relativismo difundido, segundo o qual tudo equivale e não existe verdade alguma, nem qualquer ponto de referência absoluto, não gera a verdadeira liberdade, mas instabilidade, desorientação, conformismo às modas do momento. Vós jovens tendes direito de receber das gerações que vos precedem pontos firmes para fazer as vossas opções e construir a vossa vida, do mesmo modo como uma jovem planta precisa de um sólido apoio para que as raízes cresçam, para se tornar depois uma árvore robusta, capaz de dar fruto.

Enraizados e fundados em Cristo

2. Para ressaltar a importância da fé na vida dos crentes, gostaria de me deter sobre cada uma das três palavras que São Paulo usa nesta sua expressão: «Enraizados e fundados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). Nela podemos ver três imagens: «enraizado» recorda a árvore e as raízes que a alimentam; «fundado» refere-se à construção de uma casa; «firme» evoca o crescimento da força física e moral. Trata-se de imagens muito eloquentes. Antes de as comentar, deve-se observar simplesmente que no texto original as três palavras, sob o ponto de vista gramatical, estão no passivo: isto significa que é o próprio Cristo quem toma a iniciativa de radicar, fundar e tornar firmes os crentes.
A primeira imagem é a da árvore, firmemente plantada no solo através das raízes, que a tornam estável e a alimentam. Sem raízes, seria arrastada pelo vento e morreria. Quais são as nossas raízes? Naturalmente, os pais, a família e a cultura do nosso país, que são uma componente muito importante da nossa identidade. A Bíblia revela outra. O profeta Jeremias escreve: «Bendito o homem que deposita a confiança no Senhor, e cuja esperança é o Senhor. É como a árvore plantada perto da água, a qual estende as raízes para a corrente; não teme quando vem o calor, a sua folhagem fica sempre verdejante. Não a inquieta a seca de um ano; continua a produzir frutos» (Jr 17, 7-8). Estender as raízes, para o profeta, significa ter confiança em Deus. D’Ele obtemos a nossa vida; sem Ele não poderíamos viver verdadeiramente. «Deus deu-nos a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho» (1 Jo 5, 11). O próprio Jesus apresenta-se como nossa vida (cf. Jo 14, 6). Por isso a fé cristã não é só crer em verdades, mas é antes de tudo uma relação pessoal com Jesus Cristo, é o encontro com o Filho de Deus, que dá a toda a existência um novo dinamismo. Quando entramos em relação pessoal com Ele, Cristo revela-nos a nossa identidade e, na sua amizade, a vida cresce e realiza-se em plenitude. Há um momento, quando somos jovens, em que cada um de nós se pergunta: que sentido tem a minha vida, que finalidade, que orientação lhe devo dar? É uma fase fundamental, que pode perturbar o ânimo, às vezes também por muito tempo. Pensa-se no tipo de trabalho a empreender, quais relações sociais estabelecer, que afectos desenvolver... Neste contexto, penso de novo na minha juventude. De certa forma muito cedo tive a consciência de que o Senhor me queria sacerdote. Mais tarde, depois da Guerra, quando no seminário e na universidade eu estava a caminho para esta meta, tive que reconquistar esta certeza. Tive que me perguntar: é este verdadeiramente o meu caminho? É deveras esta a vontade do Senhor para mim? Serei capaz de Lhe permanecer fiel e de estar totalmente disponível para Ele, ao Seu serviço? Uma decisão como esta deve ser também sofrida. Não pode ser de outra forma. Mas depois surgiu a certeza: é bem assim! Sim, o Senhor quer-me, por isso também me dará a força. Ao ouvi-Lo, ao caminhar juntamente com Ele torno-me deveras eu mesmo. Não conta a realização dos meus próprios desejos, mas a Sua vontade. Assim a vida torna-se autêntica.
Tal como as raízes da árvore a mantêm firmemente plantada na terra, também os fundamentos dão à casa uma estabilidade duradoura. Mediante a fé, nós somos fundados em Cristo (cf. Cl 2, 7), como uma casa é construída sobre os fundamentos. Na história sagrada temos numerosos exemplos de santos que edificaram a sua vida sobre a Palavra de Deus. O primeiro foi Abraão. O nosso pai na fé obedeceu a Deus que lhe pedia para deixar a casa paterna a fim de se encaminhar para uma terra desconhecida. «Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça e foi chamado amigo de Deus» (Tg 2, 23). Estar fundados em Cristo significa responder concretamente à chamada de Deus, confiando n’Ele e pondo em prática a sua Palavra. O próprio Jesus admoesta os seus discípulos: «Porque me chamais: “Senhor, Senhor” e não fazeis o que Eu digo?» (Lc 6, 46). E, recorrendo à imagem da construção da casa, acrescenta: «todo aquele que vem ter Comigo, escuta as Minhas palavras e as põe em prática, é semelhante a um homem que construiu uma casa: Cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio a inundação, a torrente arremessou-se com violência contra aquela casa e não pôde abalá-la por ter sido bem construída» (Lc 6, 47-48).
Queridos amigos, construí a vossa casa sobre a rocha, como o homem que «cavou muito profundamente». Procurai também vós, todos os dias, seguir a Palavra de Cristo. Senti-O como o verdadeiro Amigo com o qual partilhar o caminho da vossa vida. Com Ele ao vosso lado sereis capazes de enfrentar com coragem e esperança as dificuldades, os problemas, também as desilusões e as derrotas. São-vos apresentadas continuamente propostas mais fáceis, mas vós mesmos vos apercebeis que se revelam enganadoras, que não vos dão serenidade e alegria. Só a Palavra de Deus nos indica o caminho autêntico, só a fé que nos foi transmitida é a luz que ilumina o caminho. Acolhei com gratidão este dom espiritual que recebestes das vossas famílias e comprometei-vos a responder com responsabilidade à chamada de Deus, tornando-vos adultos na fé. Não acrediteis em quantos vos dizem que não tendes necessidade dos outros para construir a vossa vida! Ao contrário, apoiai-vos na fé dos vossos familiares, na fé da Igreja, e agradecei ao Senhor por a ter recebido e feito vossa!

Firmes na fé

3. «Enraizados e fundados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). A Carta da qual é tirado este convite, foi escrita por São Paulo para responder a uma necessidade precisa dos cristãos da cidade de Colossos. Com efeito, aquela comunidade estava ameaçada pela influência de determinadas tendências culturais da época, que afastavam os fiéis do Evangelho. O nosso contexto cultural, queridos jovens, tem numerosas analogias com o tempo dos Colossenses daquela época. De facto, há uma forte corrente de pensamento laicista que pretende marginalizar Deus da vida das pessoas e da sociedade, perspectivando e tentando criar um «paraíso» sem Ele. Mas a experiência ensina que o mundo sem Deus se torna um «inferno»: prevalecem os egoísmos, as divisões nas famílias, o ódio entre as pessoas e entre os povos, a falta de amor, de alegria e de esperança. Ao contrário, onde as pessoas e os povos acolhem a presença de Deus, o adoram na verdade e ouvem a sua voz, constrói-se concretamente a civilização do amor, na qual todos são respeitados na sua dignidade, cresce a comunhão, com os frutos que ela dá. Contudo existem cristãos que se deixam seduzir pelo modo de pensar laicista, ou são atraídos por correntes religiosas que afastam da fé em Jesus Cristo. Outros, sem aderir a estas chamadas, simplesmente deixaram esmorecer a sua fé, com inevitáveis consequências negativas a nível moral.

Aos irmãos contagiados por ideias alheias ao Evangelho, o apóstolo Paulo recorda o poder de Cristo morto e ressuscitado. Este mistério é o fundamento da nossa vida, o centro da fé cristã. Todas as filosofias que o ignoram, que o consideram «escândalo» (1 Cor 1, 23), mostram os seus limites diante das grandes perguntas que habitam o coração do homem. Por isso também eu, como Sucessor do apóstolo Pedro, desejo confirmar-vos na fé (cf. Lc 22, 32). Nós cremos firmemente que Jesus Cristo se ofereceu na Cruz para nos doar o seu amor; na sua paixão, carregou os nossos sofrimentos, assumiu sobre si os nossos pecados, obteve-nos o perdão e reconciliou-nos com Deus Pai, abrindo-nos o caminho da vida eterna. Deste modo fomos libertados do que mais entrava a nossa vida: a escravidão do pecado, e podemos amar a todos, até os inimigos, e partilhar este amor com os irmãos mais pobres e em dificuldade.

Queridos amigos, muitas vezes a Cruz assusta-nos, porque parece ser a negação da vida. Na realidade, é o contrário! Ela é o «sim» de Deus ao homem, a expressão máxima do seu amor e a nascente da qual brota a vida eterna. De facto, do coração aberto de Jesus na cruz brotou esta vida divina, sempre disponível para quem aceita erguer os olhos para o Crucificado. Portanto, não posso deixar de vos convidar a aceitar a Cruz de Jesus, sinal do amor de Deus, como fonte de vida nova. Fora de Cristo morto e ressuscitado, não há salvação! Só Ele pode libertar o mundo do mal e fazer crescer o Reino de justiça, de paz e de amor pelo qual todos aspiram.

Crer em Jesus Cristo sem o ver

4. No Evangelho é-nos descrita a experiência de fé do apóstolo Tomé ao acolher o mistério da Cruz e da Ressurreição de Cristo. Tomé faz parte dos Doze apóstolos; seguiu Jesus; foi testemunha directa das suas curas, dos milagres; ouviu as suas palavras; viveu a desorientação perante a sua morte. Na noite de Páscoa o Senhor apareceu aos discípulos, mas Tomé não estava presente, e quando lhe foi contado que Jesus estava vivo e se mostrou, declarou: «Se eu não vir o sinal dos cravos nas Suas mãos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a mão no Seu lado, não acreditarei» (Jo 20, 25).
Também nós gostaríamos de poder ver Jesus, de poder falar com Ele, de sentir ainda mais forte a sua presença. Hoje para muitos, o acesso a Jesus tornou-se difícil. Circulam tantas imagens de Jesus que se fazem passar por científicas e O privam da sua grandeza, da singularidade da Sua pessoa. Portanto, durante longos anos de estudo e meditação, maturou em mim o pensamento de transmitir um pouco do meu encontro pessoal com Jesus num livro: quase para ajudar a ver, a ouvir, a tocar o Senhor, no qual Deus veio ao nosso encontro para se dar a conhecer. De facto, o próprio Jesus aparecendo de novo aos discípulos depois de oito dias, diz a Tomé: «Chega aqui o teu dedo e vê as Minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no Meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente» (Jo 20, 27). Também nós temos a possibilidade de ter um contacto sensível com Jesus, meter, por assim dizer, a mão nos sinais da sua Paixão, os sinais do seu amor: nos Sacramentos Ele torna-se particularmente próximo de nós, doa-se a nós. Queridos jovens, aprendei a «ver», a «encontrar» Jesus na Eucaristia, onde está presente e próximo até se fazer alimento para o nosso caminho; no Sacramento da Penitência, no qual o Senhor manifesta a sua misericórdia ao oferecer-nos sempre o seu perdão. Reconhecei e servi Jesus também nos pobres, nos doentes, nos irmãos que estão em dificuldade e precisam de ajuda.
Abri e cultivai um diálogo pessoal com Jesus Cristo, na fé. Conhecei-o mediante a leitura dos Evangelhos e do Catecismo da Igreja Católica; entrai em diálogo com Ele na oração, dai-lhe a vossa confiança: ele nunca a trairá! «Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus» (Catecismo da Igreja Católica, n. 150). Assim podereis adquirir uma fé madura, sólida, que não estará unicamente fundada num sentimento religioso ou numa vaga recordação da catequese da vossa infância. Podereis conhecer Deus e viver autenticamente d’Ele, como o apóstolo Tomé, quando manifesta com força a sua fé em Jesus: «Meu Senhor e meu Deus!».

Amparados pela fé da Igreja para ser testemunhas

5. Naquele momento Jesus exclama: «Porque Me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditaram!» (Jo 20, 29). Ele pensa no caminho da Igreja, fundada sobre a fé das testemunhas oculares: os Apóstolos. Compreendemos então que a nossa fé pessoal em Cristo, nascida do diálogo com Ele, está ligada à fé da Igreja: não somos crentes isolados, mas, pelo Baptismo, somos membros desta grande família, e é a fé professada pela Igreja que dá segurança à nossa fé pessoal. O credo que proclamamos na Missa dominical protege-nos precisamente do perigo de crer num Deus que não é o que Jesus nos revelou: «Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser motivado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para guiar os outros na fé» (Catecismo da Igreja Católica, n. 166). Agradeçamos sempre ao Senhor pelo dom da Igreja; ela faz-nos progredir com segurança na fé, que nos dá a vida verdadeira (cf. Jo 20, 31).
Na história da Igreja, os santos e os mártires hauriram da Cruz gloriosa de Cristo a força para serem fiéis a Deus até à doação de si mesmos; na fé encontraram a força para vencer as próprias debilidades e superar qualquer adversidade. De facto, como diz o apóstolo João, «Quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?» (1 Jo 5, 5). E a vitória que nasce da fé é a do amor. Quantos cristãos foram e são um testemunho vivo da força da fé que se exprime na caridade; foram artífices de paz, promotores de justiça, animadores de um mundo mais humano, um mundo segundo Deus; comprometeram-se nos vários âmbitos da vida social, com competência e profissionalidade, contribuindo de modo eficaz para o bem de todos. A caridade que brota da fé levou-os a dar um testemunho muito concreto, nas acções e nas palavras: Cristo não é um bem só para nós próprios, é o bem mais precioso que temos para partilhar com os outros. Na era da globalização, sede testemunhas da esperança cristã em todo o mundo: são muitos os que desejam receber esta esperança! Diante do sepulcro do amigo Lázaro, morto havia quatro dias, Jesus, antes de o chamar de novo à vida, disse à sua irmã Marta: «Se acreditasses, verias a glória de Deus» (cf. Jo 11, 40). Também vós, se acreditardes, se souberdes viver e testemunhar a vossa fé todos os dias, tornar-vos-eis instrumentos para fazer reencontrar a outros jovens como vós o sentido e a alegria da vida, que nasce do encontro com Cristo!

Rumo à Jornada Mundial de Madrid

6. Queridos amigos, renovo-vos o convite a ir à Jornada Mundial da Juventude a Madrid. É com profunda alegria que espero cada um de vós pessoalmente: Cristo quer tornar-vos firmes na fé através a Igreja. A opção de crer em Cristo e de O seguir não é fácil; é dificultada pelas nossas infidelidades pessoais e por tantas vozes que indicam caminhos mais fáceis. Não vos deixeis desencorajar, procurai antes o apoio da Comunidade cristã, o apoio da Igreja! Ao longo deste ano preparai-vos intensamente para o encontro de Madrid com os vossos Bispos, os vossos sacerdotes e os responsáveis da pastoral juvenil nas dioceses, nas comunidades paroquiais, nas associações e nos movimentos. A qualidade do nosso encontro dependerá sobretudo da preparação espiritual, da oração, da escuta comum da Palavra de Deus e do apoio recíproco.
Amados jovens, a Igreja conta convosco! Precisa da vossa fé viva, da vossa caridade e do dinamismo da vossa esperança. A vossa presença renova a Igreja, rejuvenesce-a e confere-lhe renovado impulso. Por isso as Jornadas Mundiais da Juventude são uma graça não só para vós, mas para todo o Povo de Deus. A Igreja na Espanha está a preparar-se activamente para vos receber e para viver juntos a experiência jubilosa da fé. Agradeço às dioceses, às paróquias, aos santuários, às comunidades religiosas, às associações e aos movimentos eclesiais, que trabalham com generosidade na preparação deste acontecimento. O Senhor não deixará de os abençoar. A Virgem Maria acompanhe este caminho de preparação. Ela, ao anúncio do Anjo, acolheu com fé a Palavra de Deus; com fé consentiu a obra que Deus estava a realizar nela. Pronunciando o seu «fiat», o seu «sim», recebeu o dom de uma caridade imensa, que a levou a doar-se totalmente a Deus. Interceda por cada um e cada uma de vós, para que na próxima Jornada Mundial possais crescer na fé e no amor. Garanto-vos a minha recordação paterna na oração e abençoo-vos de coração.

Vaticano, 6 de Agosto de 2010, Festa da Transfiguração do Senhor.

BENEDICTUS PP. XVI

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Revolução Social (por Olavo de Carvalho)

Os novos meios de subir e cair já são uma realidade, já são a nova estrutura social. Quarenta anos de revolução cultural anestesiaram a população para que a aceitasse sem um pio, sem um vago sentimento de desconforto sequer.
Revolução social não é, como dizem os marxistas, a substituição de uma "classe dominante" por outra. Isso é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. Ao fim de uma revolução social, os mesmos grupos ou pessoas podem continuar no poder. Isso não faz a mais mínima diferença.
Substantivamente, literalmente, revolução social é uma mudança radical dos meios de alcançar riqueza, prestígio e poder. Quem manda pode continuar mandando, mas por outras vias.
Por exemplo, na Idade Média europeia, havia os seguintes meios de subir na vida (ou de manter-se no alto): a posse da terra, por conquista ou herança; a profissão militar; uma bem sucedida carreira eclesiástica. Fora disso, mesmo que você tivesse muito dinheiro, mesmo que fosse um gênio, não chegaria ao primeiro escalão do poder.
Quando se formaram os Estados nacionais modernos, os reis precisaram de dinheiro para criar exércitos que pudessem sobrepor-se ao poderes locais, assim como de uma burocracia administrativa e jurídico-policial, que desse ao governo central o controle do país inteiro. Resultado: de repente, banqueiros e burocratas passaram a mandar mais que os barões e cardeais.
Isso quer dizer que entrou no poder uma nova" classe social"? Não. Na Inglaterra, a velha classe aristocrática ocupou os lugares na nova hierarquia, e continuou mandando. Na França, deixou a vaga para uma horda de alpinistas sociais, e estes tomaram seu lugar. Nos dois casos houve uma revolução social. Revolução social não é uma troca de classe dominante: é troca dos meios de tornar-se (ou permanecer) classe dominante.
No Brasil um processo claro, patente, manifesto de revolução social está em curso, e aparentemente ninguém, fora os comandantes do processo – que, ao menos por enquanto, não têm o menor interesse de alardeá-lo –, parece dar-se conta disso.
Até uns anos atrás, ganhar dinheiro na indústria, no comércio ou na agricultura era um meio seguro de chegar ao poder ou, ao menos, de influenciar os ocupantes do poder. Uma carreira militar bem sucedida tinha o mesmo resultado. Ser um cientista, um técnico, um erudito, um escritor, um jurista de primeira ordem, idem.
Agora, todos esses velhos meios de ascensão estão sendo substituídos por um novo, que os domina e os controla. Isso não quer dizer que não funcionem mais. Funcionam, mas como instrumentos auxiliares do meio principal, que rapidamente vai-se tornando o único legítimo, o único socialmente aprovado.
Para adquirir ou conservar poder e prestígio no Brasil de hoje, até mesmo para conservar alguma margem de liberdade e segurança, você tem de pertencer ao partido governante, a um de seus associados ou aos grupos de influência que orbitam em torno dele. Chamemos a esse pool de organizações, para simplificar, o Esquema.
Na mais tolerante das hipóteses, você tem de negociar com essa gente e ceder. Ceder até o extremo limite da degradação e da humilhação. Aí permitem que você conserve o seu lugar na sociedade, mas sempre como concessão provisória, jamais como direito adquirido.
Suponha que você seja um juiz de Direito. Até algum tempo atrás, isso garantia poder, segurança e liberdade. Agora, depende de que você sentencie de acordo com a vontade do Esquema. Se você o contraria, logo descobre que grupos de pressão mandam mais que uma sentença judicial. De algum modo, todas as sentenças já vêm prontas, assinadas pelo Esquema. As outras são inócuas.
Nem falo dos empresários. Podem ganhar dinheiro a rodo, mas toda a sua influência no poder consiste em tentar ser úteis ao Esquema, que os tolera como um mal provisório.
E se você é um general de Exército, dê graças aos céus de que o Esquema lhe garanta ainda um lugarzinho no palanque, em troca das condecorações que você deu a comunistas, terroristas aposentados e ladrões notórios.
Um simples posto na diretoria de "movimento social" dá mais poder do que tudo isso junto. Coloca você acima das leis, dos Direitos Humanos, da Constituição, dos Dez Mandamentos e das exigências da aritmética elementar (num país que tem 50 mil homicídios por ano, as mortes de duzentos homossexuais no meio dessa massa de vítimas não consta oficialmente como prova de uma epidemia de violência anti-gay?).
Os novos meios de subir e cair já são uma realidade, já são a nova estrutura social. Quarenta anos de revolução cultural anestesiaram a população para que a aceitasse sem um pio, sem um vago sentimento de desconforto sequer. Essa etapa está encerrada. A revolução social já veio, já está aí, e a única reação do povo e das elites é procurar desesperadamente um lugarzinho à sombra dela, a abençoada proteção do Esquema.
(Fonte: http://www.midiasemmascara.org/artigos/movimento-revolucionario/12312-revolucao-social.html)