VOCAÇÃO



Se me perguntardes como se nota o chamamento divino, como é que a pessoa se apercebe, dir-vos-ei que é uma visão nova da vida. É como se se acendesse uma luz dentro de nós; um impulso misterioso que impele o homem a dedicar as suas mais nobres energias a uma atividade que, com a prática, ganha corpo de ofício. Essa força vital, que tem qualquer coisa de avalanche irresistível, é aquilo a que outros chamam vocação.
A vocação leva-nos – sem disso nos apercebermos – a tomar uma posição na vida que manteremos com entusiasmo e alegria, cheios de esperança até ao próprio momento da morte. É um fenômeno que comunica um sentido de missão ao trabalho, que enobrece e dá valor à nossa existência. Jesus mete-se na alma com um ato de autoridade, na tua, na minha: o chamamento é isso” (São Josemaria Escrivá, Carta, 9-1-1932, n. 9).


Por Sertillanges

"A vocação pede atendimento, que, num esforço único para sair de si, escuta e atende."

"A vocação [...] está inscrita em nossos instintos, em nossas capacidades, em não sei que impulso interior que a razão não controla. Nossas disposições são como as propriedades químicas que determinam, para cada corpo, as combinações nas quais esse corpo pode entrar. Isso não pode ser dado. Isso vem do céu e da natureza primeira. Tudo é uma questão de ser obediente a Deus e a si mesmo depois de ter-lhes ouvido a voz.

"[...] todo caso humano e cristão é um caso incomunicável, único e por conseguinte necessário, da extensão do "corpo espiritual". 


"Todos os caminhos, exceto um, lhes são ruins, já que se afastam da direção onde sua ação é esperada e requisitada. Não sejam infiéis a Deus, a seus irmãos e a si próprios rejeitando um chamado sagrado".

"Quantos jovens, a pretexto de se tornarem trabalhadores, desperdiçam miseravelmente seus dias, suas forças, sua seiva intelectual, seu ideal! Ou eles não trabalham - têm tempo de sobra pela frente! - ou eles trabalham mal, por capricho, sem saber nem quem são, nem para onde querem ir, nem como se caminha". 

                       
Por Saint-Exupéry

(...) Mas, que é vocação?
Antes de mais nada, toda vocação é sempre espiritual. Ela é a descoberta de nossa verdadeira essência, que está intimamente unida ao ato pelo qual ela se torna efetiva. Cada ser chega, assim, a uma grandeza que lhe é própria. A vocação é uma resposta a um chamado íntimo e secreto, independente da vontade própria e das solicitações exteriores. Ela é, inicialmente, um poder que nos é oferecido. O caráter original de nossa vida espiritual é o nosso consentimento em fazê-la nossa. A vocação se torna, então, nossa essência verdadeira. Para satisfazê-la é preciso sacrificar-lhe os objetos habituais do interesse ou do desejo. Invisível, ela transfigura as mais humildes tarefas da vida cotidiana. A vocação é o sentimento de um acordo entre o que temos a fazer e os dons que recebemos. Ela é uma luz e uma força. É por ela que nascemos para a vida espiritual e temos o sentimento de não mais vivermos isolados e inúteis. A vocação nos faz responsáveis, sem jamais esperar por nossas possíveis hesitações. Sabemos, porém, que o homem tem medo de comprometer-se depressa demais. E os mais prudentes, assim como os mais ambiciosos, ficam em reserva e esperam... e deixam passar o momento, o chamado ou a vocação, porque eles desejam um destino mais brilhante, ou estão fechados dentro do estreito círculo das solicitações de tudo o que ambicionam abarcar. Os que têm a coragem de comprometer-se, longe de sentirem-se limitados, sentem-se fortes dentro de sua própria escolha. 
A vocação só se manifesta na ação. Toda posse ideal, que se recusa a realizar, sob pretexto de dá-la pura, é pura ilusão. O homem é posto continuamente em face da opção e ele deve apostar e correr o risco dessa proposta. E a fidelidade a si mesmo, à sua vocação que é única no mundo, mesmo que seja no meio das maiores dificuldades, é a verdadeira coragem.


"Dificilmente podemos descrever o que é pilotar um avião... a não ser que você se entregue ao voo, como no amor."


Exupéry podia escrever a 8 de dezembro de 1942:
"Julgo de pouca importância a coragem física, e a vida ensinou-me qual é a coragem verdadeira: é aquela que nos faz resistir à condenação do ambiente em que se vive. Eu sei, e disto tenho certeza, que fui muito mais corajoso em não me desviar do caminho traçado por minha consciência, apesar de dois anos de injúrias e difamações, do que se tivesse ido fotografar Mogúncia ou Essen."

E podia legar-nos este testamento pouco antes de morrer:
"Fui sempre coerente com meus princípios, assim como esses princípios eram coerentes com os interesses gerais que eles pretendem servir. Minha posição é coerente com meus atos, é coerente com meus desejos. Não há uma única linha escrita por mim, durante toda a minha existência, que eu precise justificar, riscar ou desmentir."

Sua vida prova que ele não teve medo de engajar-se cedo demais. A cada apelo, a cada vocação, ele sentia obrigado a escolher, a aperfeiçoar-se, a "renascer". Em Citadelle, Exupéry chama a vocação de "a voz de Deus que é necessidade, busca e sede inexprimíveis", e nós sabemos que ele lhe respondia sempre com um esforço de fidelidade cada vez maior.

"Sem esta vocação, que necessidade havia de levantar-te então à procura de teu cântico e a uma ascensão mais árdua a fim de colocar sob teus pés a paisagem montanhosa que se tornou desordem, ou para salvar em ti o sol, que não se ganha uma vez para sempre, mas que se ganha na busca de cada dia?" 


Cupim, térmite, térmita, salalé, muchém:


"(...) Velho burocrata, meu companheiro aqui presente, ninguém nunca fez com que te evadisses, e não és responsável por isso. Construíste tua paz tapando com cimento, como fazem as térmitas, todas as saídas para a luz. Ficaste enroscado em sua segurança burguesa, em tuas rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida provinciana; ergueste essa humilde proteção contra os ventos, e as marés, e as estrelas. Não queres te inquietar com os grandes problemas e fizeste um grande esforço para esquecer a tua condição de homem. Não és o habitante de um planeta errante e não lanças perguntas sem solução: és um pequeno-burguês de Toulouse. Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora a argila de que és feito já secou, e endureceu, e nada mais poderá despertar em ti o músico adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem.(...)" (Do livro "Terra dos Homens").


Pelo Papa Bento XVI

"Em todas as épocas, também nos nossos dias, numerosos jovens sentem o desejo profundo de que as relações entre as pessoas sejam vividas na verdade e na solidariedade. Muitos manifestam a aspiração por construir relacionamentos de amizade autêntica, por conhecer o verdadeiro amor, por fundar uma família unida, por alcançar uma estabilidade pessoal e uma segurança real, que possam garantir um futuro sereno e feliz. Certamente, recordando a minha juventude, sei que estabilidade e segurança não são as questões que ocupam mais a mente dos jovens. Sim, a procura de um posto de trabalho e com ele poder ter uma certeza é um problema grande e urgente, mas ao mesmo tempo a juventude permanece contudo a idade na qual se está em busca da vida maior. Se penso nos meus anos de então: simplesmente não nos queríamos perder na normalidade da vida burguesa. Queríamos o que é grande, novo. Queríamos encontrar a própria vida na sua vastidão e beleza. [...] Mas penso que, num certo sentido, todas as gerações sentem este impulso de ir além do habitual. Faz parte do ser jovem desejar algo mais do que a vida quotidiana regular de um emprego seguro e sentir o anseio pelo que é realmente grande. Trata-se apenas de um sonho vazio que esvaece quando nos tornamos adultos? Não, o homem é verdadeiramente criado para aquilo que é grande, para o infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente. Santo Agostinho tinha razão: o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti. O desejo da vida maior é um sinal do facto que foi Ele quem nos criou, de que temos a Sua «marca». Deus é vida, e por isso todas as criaturas tendem para a vida; de maneira única e especial a pessoa humana, feita à imagem de Deus, aspira pelo amor, pela alegria e pela paz. 


[...]
Por este motivo, queridos amigos, convido-vos a intensificar o vosso caminho de fé em Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Vós sois o futuro da sociedade e da Igreja! Como escrevia o apóstolo Paulo aos cristãos da cidade de Colossos, é vital ter raízes, bases sólidas! E isto é particularmente verdadeiro hoje, quando muitos não têm pontos de referência estáveis para construir a sua vida, tornando-se assim profundamente inseguros. O relativismo difundido, segundo o qual tudo equivale e não existe verdade alguma, nem qualquer ponto de referência absoluto, não gera a verdadeira liberdade, mas instabilidade, desorientação, conformismo às modas do momento. Vós jovens tendes direito de receber das gerações que vos precedem pontos firmes para fazer as vossas opções e construir a vossa vida, do mesmo modo como uma jovem planta precisa de um sólido apoio para que as raízes cresçam, para se tornar depois uma árvore robusta, capaz de dar fruto.
[...]
Há um momento, quando somos jovens, em que cada um de nós se pergunta: que sentido tem a minha vida, que finalidade, que orientação lhe devo dar? É uma fase fundamental, que pode perturbar o ânimo, às vezes também por muito tempo. Pensa-se no tipo de trabalho a empreender, quais relações sociais estabelecer, que afectos desenvolver... [...] Uma decisão como esta deve ser também sofrida. Não pode ser de outra forma. [...] Sim, o Senhor quer-me, por isso também me dará a força. Ao ouvi-Lo, ao caminhar juntamente com Ele torno-me deveras eu mesmo. Não conta a realização dos meus próprios desejos, mas a Sua vontade. Assim a vida torna-se autêntica.
[...]
Queridos amigos, construí a vossa casa sobre a rocha, como o homem que «cavou muito profundamente». Procurai também vós, todos os dias, seguir a Palavra de Cristo. Senti-O como o verdadeiro Amigo com o qual partilhar o caminho da vossa vida. Com Ele ao vosso lado sereis capazes de enfrentar com coragem e esperança as dificuldades, os problemas, também as desilusões e as derrotas. São-vos apresentadas continuamente propostas mais fáceis, mas vós mesmos vos apercebeis que se revelam enganadoras, que não vos dão serenidade e alegria. Só a Palavra de Deus nos indica o caminho autêntico, só a fé que nos foi transmitida é a luz que ilumina o caminho. Acolhei com gratidão este dom espiritual que recebestes das vossas famílias e comprometei-vos a responder com responsabilidade à chamada de Deus, tornando-vos adultos na fé".

Por Miguel Reale

      VARIAÇÕES SOBRE A VOCAÇÃO


É freqüente a alegação de que não se trabalha com afinco e entusiasmo por não estar a atividade exercida em consonância com sua vocação. A bem ver, prevalece a idéia de que, ao nascer, cada ser humano chega para exercer uma profissão determinada, para a qual estaria sendo chamado.
Não há dúvida que a palavra vocação vem do latim vocatio que quer dizer chamado, mas não creio que, na maioria dos casos, haja sintonia entre essa esperança e a forma de trabalho a ser executada.

Seria ótimo se houvesse sempre correspondência entre a natural aptidão de agir e o ofício que nos cabe levar a cabo com dedicação e o devido conhecimento. Para tanto seria necessário que existisse “harmonia pre-estabelecida”, como a traçada por Leibniz para boa ordem do mundo.

Não ignoro que, muitas vezes, existem vocações resultantes de múltiplos fatores, sobretudo em se tratando de vínculos familiares, com filhos, netos e bisnetos seguindo a carreira de seus antepassados, mas a regra é o difícil e acabrunhador desafio com que se defrontam adolescentes e jovens no momento de escolher sua profissão.

A vocação é uma condição psicológica das mais complexas, pois depende de uma série de fatores, a começar da psique individual até as circunstâncias e conjunturas em que ela atua.

Antes, porém, de tratar desse tema, é necessário reconhecer que, efetivamente, há uma infinidade de vocações condicionadoras de nossa forma de agir. Nessa ordem de idéias tenho afirmado que, assim como há um DNA identificador de nossa individualidade biológica, há também uma inclinação valorativa no ser pessoal de cada um de nós, que poderíamos denominar cifra axiológica. De certo modo, se nasceria para ser sacerdote, cientista, artista, etc.

Isto quer dizer que alguns são naturalmente atraídos por determinado valor, que vai do sacro ao profano, e, nesta categoria, com inúmeros sentidos de vida, desde a preferência por ações dependentes de educação superior até as que exigem apenas o ensino fundamental.

Por outro lado, há fatores físicos que determinam, de antemão a atividade profissional, como se dá na área do atletismo, culminando na formação dos melhores pugilistas, cestinhas, jogadores de futebol, etc.  Todavia, sem talento não há atleta excelente, sendo a conjugação pscio-física condição essencial do êxito, máxime nas competições de conjunto.

Feitos esses reparos, é indispensável salientar que a vocação é um dom que exige preparo e educação. No mundo não se recebe nada de graça, sem estudo e dedicação.

Nesse sentido, cabe advertir que é dever dos pais orientar os filhos, tão logo percebam neles capacidade de realizar-se nesta ou naquela outra esfera de conhecimento e de ação. O mesmo se diga dos mestres responsáveis, muitas vezes causa determinante dos grandes triunfos de seus discípulos. Não creio possa haver maior mérito no magistério do que esse de saber descobrir a vocação dos jovens, preparando-os para se realizarem de maneira excepcional.




Múltiplos são os motivos determinantes das vocações. No meu caso pessoal, tudo indicava que seria o sexto médico da família, sendo esse o desejo de meu pai, mas uma visita oportuna a um hospital me fez ver que esse não era o meu caminho, pesando também em minha escolha a imagem que formara da Faculdade de Direito do largo de São Francisco, em 1930 ainda estabelecimento federal, fundado por Don Pedro I, em 1827, para o estudo de Jurisprudência, mas que, na realidade, se convertera em centro de cultura humanista, dada a inexistência de institutos de Filosofia ou de Letras. Talvez tenha sido essa a razão principal de minha preferência, seduzido que estava pelas figuras de Álvares de Azevedo e Castro Alves, mais do que pelas dos juristas...


Como se vê, há algo de misterioso na escolha de uma profissão, mas o essencial é que, feita opção por uma via, nela devemos concentrar as forças do sentimento, da inteligência e  da vontade. Como acontece na realização de todos os valores que se tornam fins existenciais, há que construir o seu caminho com amor e aturado estudo.

Ademais, mesmo quando se dá preferência por um rumo de vida sem anterior atração especial, esta nasce e se fortalece com a dedicação e a perseverança. Múltiplos são os exemplos dessa identificação ética e “simpatética” – para empregarmos uma expressão de Adam Smith – constituída a posteriori, no exercício profissional.

Tudo, em suma, deve ser feito pela excelência de uma profissão, evitando-se, no entanto, de tornar-se dela escravo, com suas exigências prevalecendo sobre os infinitos valores culturais que dignificam a existência humana.

Há pessoas que se trancam no círculo de ferro de seu mister quotidiano, iludindo-se de estar se realizando plenamente, quando, a bem ver, se esquecem de que é a visão geral e unitária dos problemas que nos permite perceber as peculiaridades do trabalho particular que nos ocupa.

A vida humana, meu caro leitor, é uma seqüência de balanceamento de valores, o qual vai formando o que denomino “invariantes axiológicas”, ou seja, constantes valorativas que parecem inatas, mas que, em última análise, são o fruto da experiência histórica.

O “valor ecológico”, a mais recente das “invariantes axiológicas”, é dos mais relevantes, mas deve se subordinar às necessidades essenciais da pessoa humana, pois é em razão desta que se protege o meio-ambiente e não em si e por si mesmo.

Refiro-me a tal fato porque me preocupa a existência de membros do Ministério Público que, cedendo a uma desorientação profissional, sacrificam, não raro, valores existenciais a pretexto de estarem defendendo a natureza.


Por Olavo de Carvalho

VOCAÇÕES E EQUÍVOCOS


Se você escreve, ou pinta, ou faz sermões na igreja, ou toca música, ou monta a cavalo, ou tira fotos, ou faz qualquer outra coisa que pareça interessante, já deve ter ouvido mil vezes a pergunta: "Você faz isso por dinheiro ou por prazer?" Tão infinitamente repetível é essa fórmula, que ela deve revelar algum traço profundo e permanente do modo brasileiro de ver as coisas – um lugar-comum ou topos da nossa retórica diária.
Ora, todo lugar-comum é um recorte que enfatiza certos aspectos da realidade para momentaneamente dar a impressão de que os outros não existem. Logo, para compreendê-lo é preciso perguntar, antes de tudo, o que é que ele omite.
O que está omitido na pergunta acima é a possibilidade de que alguém se dedique de todo o coração a alguma coisa sem ser por necessidade econômica nem por prazer – ou, pior ainda, que continue se dedicando a ela como se fosse a coisa mais importante do mundo mesmo quando ela só dá prejuízo e dor de cabeça. O que está omitido nessa pergunta — e no modo brasileiro de ver as coisas — é aquilo que se chama vocação.
Vocação vem do verbo latino vocovocare, que quer dizer "chamar". Quem faz algo por vocação sente que é chamado a isso pela voz de uma entidade superior — Deus, a humanidade, a História, ou, como diria Viktor Frankl, o sentido da vida.
Considerações de lucro ou prazer ficam fora ou só entram como elementos subordinados, que por si não determinam decisões nem fundamentam avaliações.
No mundo protestante, germânico, há toda uma cultura e uma mística da vocação, e a busca da vocação autêntica é mesmo o tema do principal romance alemão, o Wilhelm Meister de Goethe. Nos países católicos a importância religiosa da vocação, consolidada na ética escolástica do "dever de estado" (por exemplo, o dever dos pais de família, dos comerciantes, dos militares etc.), foi perdendo relevo depois do Renascimento, cavando-se um abismo cada vez mais fundo entre o sacerdócio e as atividades "mundanas", esvaziadas de sentido na medida em que só o primeiro é considerado vocacional em sentido eminente. No Brasil, para agravar as coisas, a população foi constituída sobretudo de três espécies de pessoas: portugueses que vinham na esperança de enriquecer e não conseguiam voltar, negros apanhados à força e índios que não tinham nada a ver com a história e de repente se viam mal integrados numa sociedade que não compreendiam. É fácil perceber daí o imediatismo materialista dos primeiros (o qual, quando frustrado, se transforma em inveja e azedume que tudo deprecia, e que com tanta facilidade se disfarça em indignação moralista contra a corrupção e as "injustiças sociais"), e mais ainda a total desorientação vocacional do segundo e do terceiro grupos, brutalmente amputados do sentido da vida e por isto mesmo facilmente inclinados a sentir-se marginalizados mesmo quando já não o são mais.
Um pouco da ética da vocação existe ainda entre nós graças à influência dos imigrantes, especialmente alemães, árabes e judeus, mas existe de modo tácito, implícito, jamais consagrado como valor consciente da nossa cultura e muito menos valorizado pelas escolas e pelos governos.
A realização superior do homem na vocação é então substituída pela mera busca do emprego, visto apenas como meio de subsistência e sem nenhuma importância própria no que diz respeito ao conteúdo. A adaptação conformista a um emprego medíocre e sem futuro é considerado o máximo do realismo, a perfeição da maturidade humana. Tudo o mais é depreciado (e por isto mesmo hipervalorizado e ansiosamente desejado) como "diversão". Assim, entre o trabalho forçado e a diversão obsessiva (da qual o Carnaval é a amostra mais significativa), acumula-se na alma do brasileiro a inveja e uma surda revolta contra todos os que levem uma vida grande, brilhante e significativa, sobre os quais, mesmo quando são pobres, paira a suspeita de serem usurpadores e ladrões, pelo menos ladrões da sorte. Daí a famosa observação de Tom Jobim: "No Brasil, o sucesso é um insulto pessoal." Sim, nesse meio não se compreende outra lealdade senão o companheirismo dos fracassados, em torno de uma mesa de bar, despejando cerveja na goela e maledicência no mundo. Este é um país de gente que está no caminho errado, fazendo o que não quer, buscando alívio em entrenenimentos pueris e desprezíveis, quando não francamente deprimentes.
Nossa ciência social, atada com cabresto maxista e cega às realidades psicológicas mais óbvias da nossa vida diária, jamais se deu conta da imensa tragédia vocacional brasileira que condena milhões de pessoas a viver presas como animaizinhos, entre a dor inevitável e o prazer impossível.
É que a explosiva acumulação de paixões infames, inevitável nessa situação, é o caldo de cultura ideal para a germinação dos ressentimentos políticos. E uma ciência social rebaixada a instrumento auxiliar da demagogia não há de querer lançar luz justamente sobre aquela treva confusa da qual a demagogia se alimenta.


Por Cardinal Newman

I am created to do something or to be something for which no one else is created; I have a place in God's counsels, in God's world, which no one else has; whether I be rich or poor, despised or esteemed by man, God knows me and calls me by my name.

God has created me to do Him some definite service; He has committed some work to me which He has not committed to another. I have my mission—I never may know it in this life, but I shall be told it in the next. Somehow I am necessary for His purposes, as necessary in my place as an Archangel in his—if, indeed, I fail, He can raise another, as He could make the stones children of Abraham. Yet I have a part in this great work; I am a link in a chain, a bond of connexion between persons. He has not created me for naught. I shall do good, I shall do His work; I shall be an angel of peace, a preacher of truth in my own place, while not intending it, if I do but keep His commandments and serve Him in my calling.

Therefore I will trust Him. Whatever, wherever I am, I can never be thrown away. If I am in sickness, my sickness may serve Him; in perplexity, my perplexity may serve Him; if I am in sorrow, my sorrow may serve Him. My sickness, or perplexity, or sorrow may be necessary causes of some great end, which is quite beyond us. He does nothing in vain; He may prolong my life, He may shorten it; He knows what He is about. He may take away my friends, He may throw me among strangers, He may make me feel desolate, make my spirits sink, hide the future from me—still He knows what He is about.

O Adonai, O Ruler of Israel, Thou that guidest Joseph like a flock, O Emmanuel, O Sapientia, I give myself to Thee. I trust Thee wholly. Thou art wiser than I—more loving to me than I myself. Deign to fulfil Thy high purposes in me whatever they be—work in and through me. I am born to serve Thee, to be Thine, to be Thy instrument. Let me be Thy blind instrument. I ask not to see—I ask not to know—I ask simply to be used.


Por nós caminhantes   





Crise Profissional

Um conjunto de sensações. Devo largar a luta para chegar à magistratura? E se partisse para a área da educação – dar aulas, construir uma escola ou algo mais audacioso? E se entrasse na vida literária? Ou, então, por que não virar um empresário-burguês e pronto: dono de escritório de advocacia, por exemplo? Aí estão as possibilidades que vejo no momento. Tudo isso junto acho difícil de alcançar. A vida não é tão longa assim, e também é importante ter uma família, educar os filhos e dar conta de tantos outros afazeres. Mais uma vez me pergunto, que caminho tomar? A magistratura é um sonho antigo, uma posição importante na sociedade, certamente uma honra para qualquer pessoa, poder servir a tantos com juízos justos, muitas vezes duros, mas necessários. Decidir sobre a vida das pessoas, um grande peso, grandes responsabilidades. Um caminho árduo até e após a aprovação, mas necessário, é preciso estar à altura para exercer de forma consciente a judicatura. A educação, um caminho que todos precisam conhecer – precisamos educar os filhos, não só os da carne, mas todos os que, de certa forma, vão se tornando nossos filhos ao longo da vida. Tarefa já tão abandonada, tão esquecida, tão dilacerada. As revoluções, os meios de comunicação, a política. Tornar-se um burguês pode parecer o mais mesquinho dos objetivos, mas não é esse aspecto que enfatizo. É evidente que pode parecer um ideal egoísta, mas todos as outras alternativas podem ser excessivamente individualistas se buscadas simplesmente para o comodismo pessoal. Um bom empreendedor pode fazer um bem enorme, chegando a ser um verdadeiro educador, por que não? Até agora, só indagações, mas já com certas luzes embutidas, toda pergunta já é um início, um primeiro passo rumo à resposta... Alguém pode me ajudar?


Professar uma profissão

Dia após dia, passo a crer que a prática de uma profissão é algo extremamente complexo. Digo o exercício consciente e responsável, que não se resume a ganhar uns tostões, viver a vida e pronto. Está na boca do povo que “é preciso aproveitar; claro, trabalhar, mas sem deixar de desfrutar a vida”. Noto que por trás dessa atitude, não raras vezes, se esconde uma completa falta de compromisso para com a laboriosidade, ou seja, a qualidade daquele que trabalha bem. Aparece aos olhos a figura do que não termina o que começa, daquele que não se preocupa com os detalhes, daquela que está sempre consertando “o eterno mal feito”.

Todos sabem que o descanso é inevitável, não somos máquinas, aliás, até as máquinas precisam de reparos, o mundo é imperfeito. Mas a vida demanda necessariamente sofrimento. Já foi dito por outros que viver é perigoso, que quem não está pronto para sofrer não está pronto para viver, dentre tantas outras sabedorias que poderiam ser repetidas.

Volto à profissão. À profissão como vocação, como um chamado superior para que façamos algo a partir do recebimento de habilidades, capacidades, dons, experiências, histórias, sortes, acasos, amigos, inimigos, conquistas, perdas, etc. Uma missão é algo sério, não basta uma dedicação de meio período ou de alguns anos, e dar o assunto por encerrado. Não. É uma construção para toda uma vida, implica projeto, execução e manutenção. Não há meio termo, mais ou menos, “deixar a vida me levar”. Ainda que por vezes escapem, as rédeas não podem ser perdidas.

Não deixo de questionar se não sou um exagerado, um inflexível, talvez escrupuloso. No entanto, pergunto: quem vive o trabalho como chamado ao nosso redor? Dá vontade de rir para não chorar. De onde vem tanta porcaria junta? Das nuvens não é... Certamente, eu e cada um de nós temos culpa. É a podridão humana se espalhando em larga escala. São professores semi-analfabetos, advogados corruptos, médicos charlatães, artistas envaidecidos, economistas avarentos, engenheiros preguiçosos... 

Que caminho seguir? Terei forças? Sei sim o que devo fazer. Ora, todas estas linhas já formam uma rota preparada em meu interior nos últimos tempos, talvez um apanhado de intenções. A vida avança, o caminho está se delineando, faltam pessoas verdadeiramente comprometidas, estou disposto. Sou limitado, todos são, não é razão para frearmos. Será árduo, não tenho medo.



Carta desesperada a um professor


Caro professor,

procurei-o no último sábado e tivemos um rápido bate-papo "about life". Aproveito para deixar meu contato, assim talvez possamos continuar a conversa em algum momento. A verdade é que estou bem desnorteado (ou melhor, procurando um norte) desde que me formei e foi isto que tentei expor em poucas palavras. No fundo, ainda não me encontrei dentro do Direito e o que gosto, acima de tudo, é de ler e escrever (em especial, tudo o que esteja ligado à literatura). Desde o começo do ano, tenho direcionado minhas forças para a magistratura do trabalho, pretendendo estar pronto para encarar os concursos em 2010, mas ainda não estou certo disto, pois ainda que goste da área trabalhista e tenha certa experiência nela, não estou certo de que me realizaria como juiz e acredito muito pouco no Judiciário. O que fazer? Por onde começar? No fim das contas, só quero ser feliz e também ajudar os outros a serem, espero que não seja inocência de minha parte... Desculpe toda a liberdade, mas seu informalismo me incentivou, valeu!

Até,

João Augusto


Sua informalidade me incentivou...


João Augusto, rapaz, puta prazer o meu!!!

Tenho 41 anos e acho que você está em ultra vantagem, em relação a mim, na sua idade (26?). Sim, bem-formado, centrado na importância de definir seus PRÓPRIOS rumos, você está infinitamente melhor que a média. Em momento algum de sua conversa, você falou em dinheiro ou provar-isso-ou-aquilo-pra-sei-lá-quem... Você falou de VOCAÇÃO, missão..., fazer-com-tesão. Assim, acho que sua FILOSOFIA não é a de muitos de seus colegas de faculdade, mas é a MELHOR!!!

E, falando de filosofia, acho que vale a dica: Auguste Comte, em algum momento, dividiu a vida em 03 aspectos - conforto, trabalho e amor. François Gény, da Escola da Livre Pesquisa Científica, veio e disse que as relações humanas se distribuem por entre o individual (conforto), o público (trabalho) e o privado (nossos amores). Então, aproveite essa oportunidade para pensar (que lhe é um privilégio; quase ninguém se pode dar a esse luxo) e organize esses 03 setores de sua vida. Você vai ver que, na emoção desse processo, vai surgir uma agenda de todos os passos que tem que dar para definir o seu modo pessoal de realizar sua verdadeira vocação.

Penso eu que sua praia é na área jurídica, sim , mas não contenciosa (magistratura ou advocacia pública e privada); é escrevendo muito e estimulando os outros a lerem, mas não na literatura vulgar; e, sim, usando o conhecimento jurídico para sensibilizar pessoas, formando opinião - um Mário de Andrade, com a técnica de Ruy Barbosa e a crítica de Nelson Rodrigues. Existe um palco próprio para isso e, parece, ele espera por você.

Vale pensar!

Bem, na boa, deixo meu celular e meu msn, pra torcarmos idéias. Não tenha cerimônias; curto dar palpites felizes!!

Grande abraço!!!

Professor


                                                                             
                                                                       ******

“Existem muitas espécies e formas de apelo à vocação, mas o cerne e o sentido dessa vivência é sempre o mesmo: a alma desperta, transformada ou mais elevada, pelo fato de que em lugar dos sonhos e pressentimentos íntimos, de súbito um apelo exterior,um fragmento da realidade se apresenta e intervém. No presente caso o fragmento da realidade fôra a figura do Mestre: aquela venerável e semi-divina figura do conhecido Mestre de Música, um arcanjo do céu supremo, surgira em carne e osso, tinha olhos azuis oniscientes, sentara-se num banquinho ao piano de estudos, havia tocado com José, tocado maravilhosamente, demonstrando-lhe quase sem palavras o próprio sentido da música, abençoara-o e desaparecera de novo. As consequência que disso talvez decorressem não se revelaram logo a Servo, porque êle se encontrava ainda profundamente impressionado e ocupado com o eco imediato e íntimo daquele acontecimento. Qual uma jovem planta, desenvolvendo-se até então silenciosa e hesitante, que de súbito principia a respirar e a crescer, como se em uma hora milagrosa, de repente, as leis da sua própria forma se lhe tornassem conhecimento e ela aspirasse tão intimamente a realizá-las, o menino principiou, após ter sido tocado pela mão daquele mágico, a concentrar e a distender rapidamente e com ímpeto suas forças, sentindo-se transformado, sentindo-se crescer, sentindo novas expansões, novas harmonias entre si e o mundo, podendo vencer por vezes tarefas na música, em latim, na matemática, muito além de sua idade e de seus camaradas, sentindo-se capaz de qualquer trabalho e estudo, por vezes, esquecendo-se de tudo, sonhando com nova e desconhecida suavidade e completa entrega de si mesmo, ficava ouvindo o vento ou a chuva, observava longamente uma flor ou a correnteza de um rio, sem nada compreender, tudo pressentindo, repleto de simpatia, de curiosidade, de vontade de compreender, levado pelo próprio eu a um eu alheio, ao mundo, ao mistério e ao sacramento, ao jogo das aparências, belo e doloroso.” (Hesse, Hermann, “O Jogo das Contas de Vidro”)

2 comentários:

  1. Excelente postagem,me ajudou muitíssimo.

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  2. Parabéns pelo post! Estou pesquisando sobre o assunto e o que li aqui foi uma grande fonte de inspiração. Muito obrigado

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