quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O Porquê da Caminhança

"Para a vida cultural o isolamento é a coisa mais letal que existe. [...] Em todas as épocas em que houve um florescimento cultural, houve também um intenso intercâmbio pessoal. [...] Como a substância da vida intelectual é a linguagem, e ninguém vai muito longe no mundo da linguagem falando sozinho, então a falta de contatos esteriliza a pessoa. É claro que você precisa da solidão para estudar e se desenvolver, mas se não há algum intercâmbio, alguma troca, o sujeito perde simplesmente a motivação e perde até o tom da linguagem, o cara não sabe mais como falar. [...] A inteligência das pessoas desperta, acende ao contato, feito o fósforo... Um fósforo acende o outro fósforo, que acende o outro fósforo, que acende o outro e assim por diante... Sempre fiz questão de fomentar a convivência entre os alunos. [...] A amizade é um elemento fundamental da vida intelectual. [...] Normalmente a vida intelectual floresce no ambiente em que existe a amizade".
(Olavo de Carvalho, palestra "Seminário de Filosofia completa um ano!", na capa do site http://www.olavodecarvalho.org/)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Caipira

É bem provável que nosso blog ficasse vazio durante todo o mês de agosto. Não sei por quê, mas por alguma razão obscura eu até desejasse que fosse assim. A última vez que fui conferi-lo para saber se havia novidades foi no último dia de julho. Depois os dias foram passando e achei que somente o abriria novamente em setembro. Bem, a verdade é que nem passamos da metade do mês e estou aqui. Não existe nenhuma necessidade urgente, nem fato importante que mereça ser compartilhado. Não sei se deveria ser eu a abrir o mês, já que as últimas publicações também foram minhas. Corro o risco de ser enfadonho, insistente ou até guloso. Mas como sei que os demais caminhantes estão concentrados em excepcionais atividades extrablóguicas (aliás, eu também deveria estar), não quis aguardar. Há uma outra provável razão. Há dois dias estou de cama, mas fiquem tranqüilos, nada de gripe suína. São as minhas já conhecidas amídalas, que de vez em quando resolvem me derrubar. Em casa, entre a cama e o sofá da sala, foi inevitável o blog. Cá estou.
Engraçado como uma coisa tão simples como despejar sementes na terra e vê-las brotar pode ser uma experiência tão significativa. Alguém já disse sobre o mundo que existe por trás de um jardim e não são poucos os que ensinam que o trato com a terra faz muito bem, não apenas ao corpo e a mente, mas ao espírito. Quando com as próprias mãos você planta, sente-se, de certo modo, responsável por cuidar. É preciso prestar atenção ao sol, a qualidade do solo, a quantidade de água. Cada planta exige uma atenção diferente. Quando você mesmo cuida, passa a reparar em detalhes que antes não percebia. Um novo mundo se abre. Aqui em casa comecei a brincadeira com um bonsai de jaboticaba, que ganhei de presente. Depois veio um vaso de hortelã, um matinho fácil de cuidar, com um cheiro fascinante e que dá um chá delicioso. Depois foi a erva doce, o manjericão e o salsão. São tantos temperos, que precisaria de um bom terreno para cultivar todos. Em casa o jardim é pequeno, mas já me revela maravilhas. A mudança eu percebi mesmo final de semana passado quando fui à casa de meu tio, rodeada por um jardim enorme (que estou cansado de freqüentar...), e passei horas entretido com as plantas: mangueira florida esperando enfrutecer, jabuticabera carregada, azaléias em cores, ipê amarelo e centenário. Eu devo é estar passando por um processo de desintoxicação da vida paulistana. Estou voltando a ser caipira de novo. Essa vida-cidade-grande, muito limpinha e agitada é desoladora. A gente vai ficando esquisito, com manias de frescura e necessidades absurdas. Nada como por as mãos e os pés na terra, sujar as unhas no chão. Descobrir que precisamos de muito pouco para ser feliz. Outro dia aprendi que ser rico não é ter muito, mas precisar de pouco para viver. O mundo moderninho complicou e sofisticou demais as coisas. Tudo bem... Eu gosto de cinema, museu, tomar uma no boteco, caminhar na avenida paulista ou no centro velho, gosto da bagunça, da mistura de gente. Mas puxa vida... Ultimamente tem sido muito fácil ficar longe disso tudo. Também não quer dizer que o interior seja uma perfeição, pelo contrário. A “vida moderna” também chegou aqui. Mas tudo é menos alucinante. Acho que, ao menos, podemos parar, contemplar e refletir um pouco mais sobre as coisas. Com tranqüilidade, mesmo. Sem afobação. Redescobri que é possível ficar quieto, sem fazer nada. Ou que é possível estar num único lugar, sem precisar pensar no próximo que vou estar quando sair daqui. Ou que é possível, ainda, fazer uma coisa de cada vez. E que, definitivamente, não é necessário fazer mil coisas para preencher o dia. E que viajar é muito bom, claro, mas não se compara a permanecer em casa. E que, sim, é verdade, ver o sol claro e o céu estrelado todos os dias faz muita diferença. Enfim, digamos que eu esteja me adaptando muito bem a vida caipirense...


Caipira

Saudade é palavra bonita,
Nostalgia é mais triste.
O menino corre entre jabuticabeiras,
Na terra suja, cheirando a cavalo.
Do quarto das selas um cheiro doce,
Couro amolecido pelo óleo de mocotó.
Corre dos marimbondos,
Toma picada na perna,
Cai do cavalo cansado de andar.
O pai avisou: Desce menino!
Mas o menino é Zé Trovão!
E não sabe que chão é duro,
bate o quadril, quebra braço.
Eh! Meu pai!
Chora não a perda do garanhão.
Onde já se viu morrer de cólicas?
Alguém sente o cheiro da erva no ar?
É a juventude pós-moderna se perdendo.
Eu sou é pré-histórico,
gosto das coisas no lugar.
Pé de pitanga é no sítio,
mestre é professor inspirado,
pai é vivinho para cuidar da gente até tarde,
e a vida a gente enfrenta,
não sai por ai inventando bobagem.
Quero fazer banana para a economia internacional,
acho ridículo este tal de network,
sou do tempo da amizade,
e ouço minha avó contar
dos compadres e das comadres.
Se a coisa aperta é para o colo da mãe
que eu corro sem vergonha
e comidinha quente saindo do forno.
Quando nem a mãe adianta
é Deus quem me socorre.
E fico feliz de lembrar minha terra no mapa,
e ver que nem furacão bravo derruba este lugar.
Profissionalmente não existe.
Para mim é só humanamente,
senão prefiro ir pescar.
Capital é para passear.
Bom mesmo é voltar pra casa,
nadar pelado no rio,
almoçar todo mundo na mesa,
jogar bola no quintal,
e comer bolo de fubá
com cafezinho preto acabado de passar.
Tem jeito não!