quinta-feira, 28 de abril de 2011

Este lugar

De repente me dou conta de que sou feliz por ter este lugar. O outro lê, acompanha as palavras e me olha pouco compreendendo, achando legal, mas nada lógico. Talvez pense que é como gostar de futebol ou churrasquinho. Eu poderia explicar, mas não tenho paciência. Há coisas que ou se sabe, ou não. E muitas delas vão se revelando ao longo da vida, para cada um no seu tempo. Mas o fato, o fato importante mesmo, é que abril termina e este mês foi de poucas palavras. Maio promete, mês com seus mistérios. Há uma Tarde de Maio eternizada, e todo um Oráculos de Maio para sempre ressoando na infinitude dos tempos. Quero dizer, apenas, que as palavras se devoram, como em um grande banquete. Porque há uma chama que nunca se apaga, ainda que por vezes se arrefeça, cozinhando a beleza que se come, nutrindo a alma e também o corpo. É visceral, entende? Que fique, ao menos, afixada neste mural, nos últimos dias de abril, a dádiva que é existir este lugar, onde depositamos as pequenas partículas que vão se condensando de nossa experiência. Porque hoje viver é isso: é ir experimentando estar vivo, pelo pequeno buraco da nossa fechadura. E o que mais quero na vida é sentir o cansaço diário do duro trabalho, numa cama que me acolha. Tem paz maior que esta? Só bem cansados é que damos conta de ser feliz... Que venha maio! Esperança singela de dia seguinte. Tudo vai acontecer em maio. Deixemos os anseios e os sonhos para maio. Basta, agora, estar unido a este dia vinte oito, a esta hora da tarde. Só isto basta, é o que tenho e registro: a curta expressão deste minuto, que desde já, permanece neste lugar. Agora devo voltar ao livros, minha ocupação laboral. Que a testa já pede suor e o relógio aponta a disciplina. Que alegria é ter um dever com hora marcada e metas a cumprir! Nascemos para isso. Sem meta a vida desencanta, o leite coalha, a massa desanda, como diria minha vó.         

terça-feira, 19 de abril de 2011

Cupim, térmite, térmita, salalé, muchém.


"(...)
Velho burocrata, meu companheiro aqui presente, ninguém nunca fez com que te evadisses, e não és responsável por isso. Construíste tua paz tapando com cimento, como fazem as térmitas, todas as saídas para a luz. Ficaste enroscado em sua segurança burguesa, em tuas rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida provinciana; ergueste essa humilde proteção contra os ventos, e as marés, e as estrelas. Não queres te inquietar com os grandes problemas e fizeste um grande esforço para esquecer a tua condição de homem. Não és o habitante de um planeta errante e não lanças perguntas sem solução: és um pequeno-burguês de Toulouse. Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora a argila de que és feito já secou, e endureceu, e nada mais poderá despertar em ti o músico adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem.(...)" Saint-Exupéry, Terra dos Homens.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Criação e Teologia do Corpo (Padre Paulo Ricardo)

Nós somos bons, mas não estamos bem

[...] Enquanto seres humanos nós somos criados por Deus. E quando fomos criados por Deus, Deus viu que o que ele fez era bom. Existe uma bondade fundamental no ser humano, naquilo que é o projeto de Deus para o ser humano. O ser humano é uma forma de o espírito morar junto com a matéria. Nós somos alma e somos ao mesmo tempo corpo. [...] Nós somos animais que possuem uma alma, um espírito. Nós não somos apenas animais, mas também somos animais. E precisamos respeitar e obedecer toda a nossa parte animal. E nós precisamos dizer que isto é bom, porque foi desejado por Deus. Por exemplo, muita gente acha que a Igreja é contra o sexo, porque a Igreja acha que o corpo é mau. Mas quem pensa isso é porque nunca conheceu o cristianismo. A Igreja reconhece que o corpo é criação de Deus, é maravilha de Deus e por isso precisa ser respeitado. O corpo não é uma criação do diabo. [...] Nós não somos prisioneiros do nosso corpo, nós somos o nosso corpo. O meu corpo não é uma caixa onde minha alma está aprisionada. Eu sou o meu corpo e sou a minha alma. [...]. Então, Deus nos criou e a criação de Deus é uma coisa boa. Mas nós precisamos dizer uma outra coisa que também é verdade no cristianismo. Se nós fomos criados bons, é também verdade que nós estamos mal. Nós não estamos bem. Nós somos bom, mas não estamos bem. Tem algum problema, e este problema chama pecado original. Então, isto quer dizer que se nós quisermos descobrir o projeto de Deus para nós, o sonho de Deus para nós, o que Deus espera de nós, não podemos olhar para nós. Porque nós todos somos defeituosos. O nosso relacionamento de corpo e de alma não é aquilo que Deus sonhou. O jeito de o nosso corpo se relacionar com a nossa alma está defeituoso por causa do pecado original. [...] Deus gostaria que o nosso ser fosse organizado da seguinte forma: espírito, alma e corpo. Nesta ordem. O espírito manda na alma, a alma manda no corpo. Este é o projeto de Deus para nós. [...]. O espírito é o coração, é o centro da alma, é o lugar onde eu sou mais eu. É a parte da minha alma onde Deus habita. É mais dentro do que aquilo que tem mais dentro, dentro de mim. É mais interior que o íntimo (superlativo de interior). Uma pessoa equilibrada segundo o projeto de Deus é uma pessoa em que o espírito manda na alma, que manda no corpo. Ou seja, aquela parte da alma onde Deus habita manda nas partes da minha alma onde Deus ainda não habita, mas precisa controlar, e manda no meu corpo. O projeto do diabo é o contrário. Ele quer que o corpo mande na alma e a alma expulse o espírito. [...] Nós precisamos aprender a colocar as coisas na ordem de Deus. Nós temos aqui esta realidade. Deus criou o homem bom, mas o homem está mal. De um lado, está mal no relacionamento homem e mulher, porque o homem e a mulher começaram a se olhar como rivais e não como complemento, não como uma contrariedade que é complementar, bonita. De outro lado, ao mesmo tempo, estamos descontrolados em nós mesmos porque nossos corpos estão mandando em nossas almas e não deveria ser assim. As pessoas não entendem porque a Igreja insiste na ascese, jejum, tirar o conforto do nosso corpo, fazer penitência, rezar de joelhos. Por que a Igreja insiste nisto? Porque isto é um treinamento. Você está treinando o seu corpo a obedecer a sua alma. Se você agüenta rezar de joelho embora esteja doendo, se você agüenta fazer um pequeno sacrifício (não estou falando de prejudicar a saúde), você está ensinando a sua alma a mandar no seu corpo [...]. Você está dizendo ao seu corpo: espera. Então, as coisas ficam em ordem, com a graça de Deus, com a ajuda de Deus. [...] Então, tenhamos em mente estas duas coisas. Em primeiro lugar, o que Deus fez é bom. Sexo, por exemplo, é coisa boa. Quem inventou o sexo não foi o diabo, foi Deus. Agora, problema é que a gente se esquece de Deus. A Igreja é contra o sexo fora do matrimônio, por quê? Por que o sexo é pecado? Não, é exatamente o contrário. É porque o sexo é sagrado. Por ser sagrado, ele só pode ser vivido num ambiente sagrado. Não vamos pegar algo sagrado e profanar por aí? [...]. Para os cristãos, o nosso corpo não é profano, ele só é profanado. O nosso corpo é sagrado, nós não podemos profaná-lo. O que acontece é que a nossa cultura quer cada vez mais nos reduzir a animais, esquecer a alma e ficar só no corpo [...].


A verdade do nosso corpo

Vamos então olhar o que é que o nosso corpo nos diz com relação ao relacionamento entre homem e mulher, para que a gente veja aquilo que Deus fez. Vamos esquecer um pouco da alma, por enquanto, para ver a bondade do corpo como ele foi feito por Deus. Primeira coisa. Eu não entendo uma coisa no feminismo. Esta coisa de querer fazer a igualdade entre o homem e a mulher. O que eu não entendo no feminismo é o quanto ele é contrário a óbvia natureza das coisas. É óbvio, é evidente que não existe igualdade entre macho e fêmea. Nós podemos olhar isso no mundo animal. [...] Por que nós seres humanos temos que ser contra a natureza e fazer as coisas iguais? É revolta contra Deus. [...] Esta demência é a demência da nossa cultura atual. Querer forçar as coisas contra a criação de Deus. O que nosso corpo nos diz? Vejam, olhem para o corpo de um homem e de uma mulher e você veja que em primeiro lugar nós somos animais. Eu não estou reduzindo o sexo à animalidade. O que vou falar daqui para frente é animalidade, mas não é só isso a respeito do ser humano. Mas existe uma verdade animal a nosso respeito, que foi criada por Deus. [...]. Deus criou a mulher como mamífero, isto quer dizer que o homem é um animal vivíparo, ou seja, as mulheres ficam grávidas, não põem ovo. O feto se desenvolve dentro do corpo da mulher. Ora, é evidente que na sobrevivência animal isto significa uma fragilidade física e a mulher precisa de proteção. Pergunto se isto é desejado por Deus ou se isto é uma injustiça cultural? Eu não estou dizendo que a mulher é frágil em tudo. Estou dizendo que existe a fragilidade física. Deus criou a mulher para que ela tenha a prole, tenha filho. Isto é frágil. O corpo do homem é mais rijo, mais duro, não é macio como o corpo da mulher. O tecido adiposo na mulher forma o colchão macio que ela tem que ser para a criança. Que uma mulher queira agora tomar anabolizantes e ficar com o corpo sem nenhuma gordura e só músculos isso se chama perversão e revolta contra Deus. A pele da mulher, a textura, já mostra que ela é um colchão macio para criança. Ela recebe a criança, primeiro no ventre e depois no colo [...]. Ela amamenta a criança. Deus criou o ser humano um dos animais mais frágeis. E por que Ele fez isso? O bezerro nasce e poucos minutos depois ele já está andando e procurando a mãe para mamar. Quanto tempo leva para um ser humano andar? E quanto tempo leva para um ser humano ser capaz de caçar e encontrar alimento? Quanto tempo leva para um ser humano se defender? Ora, esta necessidade, esta fragilidade física da criança criou uma coisa chamada educação. [...] O ser humano, deixado e abandonado a si mesmo morrerá, perecerá. O ser humano precisa inicialmente e desesperadamente, de mãe. O ser humano precisa de mãe, em primeiro lugar. E a mãe, com a criança, precisam do pai protetor e provedor. É isto que o nosso corpo nos diz. Isto é algo que faz parte da criação de Deus. Agora, que a nossa cultura coloque na cabaça das mulheres que é uma injustiça que elas fiquem grávidas, que é uma injustiça que elas cuidem dos filhos. Vejam, eu não estou aqui defendendo que mulher deve ficar em casa lavando prato e cuidando de criança. Eu só estou dizendo que ser mãe e cuidar de seus filhos faz parte da sua realização enquanto mulher e isto está escrito na sua criação. Porque Deus dotou a mulher deste instinto, enquanto o homem é mais desapegado da criança, exatamente para sair caçar, proteger, o homem é mai rijo, mais forte, mais duro. Isto é, a verdade física dos nossos corpos. Mas, atenção: eu não estou dizendo que nós somos só isso. Nós falaremos também da parte espiritual disto tudo... O que é ser espiritualmente mãe e espiritualmente pai, falaremos disso. Mas antes disso, temos que começar a perceber esta verdade óbvia, que salta aos olhos e que nós não podemos contrariar. Nós somos fomos feitos para esta procriação. O sexo faz parte da sobrevivência da espécie humana [...]. Fazer sexo e procriar faz parte da sobrevivência da espécie humana. Se parar de procriar, mata a humanidade. [...] Então, é evidente que a Igreja não prega que as pessoas fiquem sem fazer sexo porque sexo é coisa do diabo. Quem foi que já pregou isso? E, no entanto, é isto que eles passam em sala de aula, dizendo que a Igreja é contra o sexo. Nós não temos nenhuma revolta contra Deus. Deus nos criou com corpos sexuados, nós não somos anjos, nós precisamos obedecer isso. Então olhem para a mulher e para o filho. A própria natureza da fragilidade da criança e do corpo da mulher faz com que esta criança tenha que ficar atada com a mulher, pelo simples fato de que quem tem a mama é ela e não ele.[...] Ora, se nós somos mamíferos e a criança só se desenvolve se ela mamar, eu acho que existe um certo projeto de Deus de que a criança fique com a mulher um certo tempo. Alguém duvida disso? Não somente isso. Esta criança, mesmo quando ela já desmamou, ela não está pronta. Existe uma necessidade de convívio da criança com o núcleo familiar do pai e da mãe, porque o núcleo familiar irá ensinar esta criança a ser adulto. [...].


O ser humano é uma tarefa

[...] A convivência, o aprendizado, a educação faz parte do projeto de Deus para nós. Os seres humanos precisam de educação, precisam de convívio. Ninguém é humano só de ter nascido. O ser humano é uma tarefa. [...] Nós seres humanos quando nascemos nós já somos humanos, mas ainda não somos humanos. Já somos seres humanos, mas nós somos uma tarefa, nós precisamos aprender. E é aqui, nesta realidade da educação é que nós vemos uma ligação entre esta verdade física e a verdade espiritual a respeito do qual nós falaremos em outro encontro. Mas vejam como esta necessidade de transmitir algo espiritualmente já tem um gancho na realidade física, biológica e corporal na necessidade da criança viver e conviver com seus pais [...]. Então, a educação mostra que a fraqueza, a debilidade física do ser humano na sua infância é a janela que nós temos de convívio para que aquele ser humano receba dos seus pais o aprendizado da humanidade ao longo de milênios. Nós precisamos de alguns milhares de anos para aprender, por exemplo, princípios básicos de higiene. Foram milhares de anos de gente morrendo por doenças bobas que poderiam ser evitadas se a gente lavasse as coisas antes de comer, se a gente tomasse banho com mais freqüência e, no entanto, as pessoas adoeciam. Então, começamos a aprender estes hábitos... Agora, nós não precisamos mais morrer para aprender isso. Nós podemos receber esta herança chamada educação. E é isso aquilo que a escola deveria ajudar a fazer. Deveria, mas não faz. A escola é encarregada de ajudar a família a transmitir para a sua prole a herança espiritual de milhares de anos de aprendizado da humanidade. E, no entanto, o que a escola tem feito, ultimamente, é a destruição deste aprendizado. A escola tem sido a escola da revolução e não a escola da tradição. A escola que ensina os nossos filhos a se revoltarem e voltarem a ser “bichinhos”. Nós que evoluímos e nos tornamos uma cultura bastante sofisticada, espiritualmente falando, estamos agora entregando os nossos filhos na mão de criminosos, porque são verdadeiros criminosos estes educadores de hoje em dia nas nossas escolas, que estão transformando nossos filhos em pequenos primatas subdesenvolvidos. O negócio é transar o quanto antes, satisfazer as suas necessidades mais baixas e animais e isto será a felicidade. Então, haja camisinha na mão dos adolescentes, haja estimular o sexo, custe o que custar, a fazerem o que quiserem e, assim, voltarmos a ser “animaizinhos nas cavernas”. Mas não é isso que nós somos. Os seres humanos são uma tarefa. Nós não nascemos humanos. A gente não pode olhar para um ser humano do mesmo jeito que a gente olha para um macaco. A quantidade de aprendizado de um macaco é muito limitada. O macaco não aprende grandes coisas. O que a macaca tem para ensinar para o macaco é um negócio rapidinho, um convívio rápido ele já aprende. Nós precisamos de anos e anos... Hoje em dia, é tamanha a quantidade de coisas que nós temos que aprender que o rapaz, a moça, com vinte e poucos anos de idade ainda não se sente preparado para a vida. E vai se sentir cada vez menos se a nossa escola continuar nos fazendo o mau trabalho que ela está fazendo, porque ela está servindo para deseducar. Seria necessário ensinar esta tarefa de ser humano. Se formos deixados a nós mesmos nós seremos pequenos bárbaros, pequenos selvagens. Não nos iludamos com esta história da inocência da criança. A criança não é inocente. A criança é um ser humano marcado pelo pecado original, que deixada a si mesmo viverá na barbárie mais animalesca. Esqueçam esta estupidez do mito do Tarzan, que criado por uma macaca ele era o ser humano mais humano do que os homens da cidade, porque a cidade e a civilização corrompem o homem. Isto é um mito que foi criado pela revolução francesa, principalmente pelo Sr. Rousseau, o mito do bom selvagem. Isto é a estupidez mais sem princípio da face da terra. Basta observar uma criança deixada a si mesma para você ver o quanto ela fica egoísta. Se você não ensinar o seu filho a partilhar ele vai pegar o cabo de vassoura e lascar na cabeça do irmãozinho, é isso que ele vai fazer. Essa é a criança deixada a si mesma. Se você não colocar limite para o seu filho, o que ele vai ser é um pequeno bárbaro que não vai tomar banho, que vai se sujar e que vai morrer nos seus excrementos, doente. Porque se você não souber aquecer o traseiro dele para mandá-lo tomar banho, ele não vai tomar banho. Nós precisamos educar nossos filhos. Ser um ser humano é uma tarefa. É algo que é feito com educação. Esta coisa de deixar na espontaneidade, o importante é ser espontâneo, à vontade... Não! O ser humano, para que ele seja humano, ele tem que reprimir certas coisas. Por ex, esta idéia... Olha que beleza o índio! O índio vive em contato com a natureza, peladão, feliz da vida. Mas vocês apontem para mim uma civilização desenvolvida que tenha saído da pedra lascada nua. De homens e mulheres elevados espiritualmente nus. Os seres humanos para se desenvolverem espiritualmente tiveram que esconder o próprio corpo. Por quê? Porque tiveram que limitar a sua animalidade. Porque quando você esconde o corpo, então você tem a alma livre para pensar em outra coisa. Agora, se você fica o tempo todo nu, eu acho que a questão da sexualidade aflora com mais freqüência... [...] Ora, não lhes parece coincidência demais que as verdadeiras civilizações, todas elas, puseram um freio na sexualidade? [...] E qual é a conseqüência disto? Qual o preço que nós pagamos em termos de criminalidade, de drogas? Ou você acha que isso não está relacionado? Você coloca na cabeça de um jovem, desde cedo, que ele vai ser feliz se ele tiver prazer, prazer, prazer... Ele começa transando, tem relações sexuais, depois que teve bastante relações sexuais e ele vê que aquilo não satisfaz, ele vai passar para o álcool, para a droga e para tantas outras coisas... E quando ele não tiver mais dinheiro para comprar isso, ele vai matar. Porque afinal você está impedindo ele de ter prazer. O ser humano é uma tarefa. Nós não somos animais. Nós precisamos que as nossas almas comandem os nossos corpos. Claro, não simplesmente reprimindo, castrando... Porque isso seria desrespeitar a criação de Deus. Nós precisamos respeitar a criação e dizer: é verdade, nós precisamos que nossos corpos e a nossa sexualidade seja bem realizada.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Café, bolo de fubá e um dedinho de prosa...



"Olha, não tem mistério nenhum e tem todo mistério... Porque de repente você passa dez anos sem fazer poesia, mas neste intervalo eu fiz prosa, fiz um livro infantil. E também eu acho que é um processo natural. Quer dizer, a musa está dormindo, qualquer coisa assim. Você não é propriamente uma usina permanente, acho que nenhum autor é em nenhuma categoria de arte. Nestes dez anos o que eu estava fazendo? Tratando de viver o melhor possível...

Aos quarenta anos foi que eu fiz “Bagagem”. Então, tinha muita coisa... Depois de “Bagagem” veio “Solta os Cachorros”, “Coração Disparado”, “Terra de Santa Cruz”... Porque, também, eu estava até a “tampa”. Depois também o vulcão dá uma pausa. Mas fiquei feliz dele não estar extinto.

“Bagagem” é um livro assim solar, feliz... A própria dor em “Bagagem” tem uma percussão diferente. Agora este ai (“A duração do dia”)... É a mesma alegria de fundação que a gente sente... É absolutamente igual. Mas eu tenho ai experiências que eu nem sonhava ter em “Bagagem”. Mas enquanto livro, enquanto poesia é uma coisa só. Eu vou fazer um livro só a minha vida inteira, eu quero escrever “Bagagem” a vida inteira, a vida inteira. Por causa do limite da gente... Eu só tenho esta vozinha, eu só tenho este quadradinho aqui para olhar o mundo... Então, é com essa lente limitada, finita, que eu vou experimentando o mundo. E naquilo que ele tem de Beleza ele vira poesia... Às vezes...

Toda obra ela tem por objetivo atingir o momento poético. Seja escultura, teatro, cinema, música... Ela só acontece a hora que ela vibra poeticamente, numa revelação absolutamente original, singular e única. Isto para todo autor... Neste sentido, qualquer autor é instrumento de algo que o suplanta, que é maior que ele. Você é realmente uma boquinha, um oráculo para algo que está se dizendo, se expressando através de você. Para tocar no outro, naquilo que é a experiência poética, que no caso é a experiência do religioso. Porque você toca em algo maior que você, melhor que você, mais bonito que você, eterno, não é finito e que te provoca aquela sensação de sentido. Minha vida tem um sentido, por alguma razão eu estou aqui, por alguma razão o absurdo da vida pode ser explicado. Então, eu não dou conta de associar isso a outra coisa que não seja ao divino. Então a gente fica assim mesmo (muito pequeno) diante disso."

Você saberia dizer o que é Deus?

"Não, não sei não, Nossa Senhora! Não, não... E você tende e é atraído para uma coisa absolutamente inominável, inefável... A alma quer adorar, quer se prostrar, quer reverenciar algo maior do que nós. Por que tem graça eu me curvar a alguém que é do mesmo tamanho meu? Tem o mesmo medo, o mesmo limite? Então eu preciso de algo que seja maior que eu... Isso que me dá segurança, que me consola, que me conforta... Que eu falo: “Ah, dá pra esperar, dá pra agüentar...”. Então, o que interessa mesmo é a sua vidinha... Porque você não tem mais do que ela. Você não tem mais do que as vinte e quatro horas do dia. Ninguém tem mais que isso. E é nesta experiência pequenininha, miserável, limitada, carente, é que eu vou dar uma resposta ao absurdo da minha existência e do mundo. E não é por isso que você é poeta cotidiano, poeta da metafísica... A metafísica está aí nessas coisas... Não tem nada tão grande... Porque tudo você pode amansar... Você está sempre querendo além do que você tem, e este além é de natureza transcendente. É a fome da alma, a fome do espírito..."

A Bíblia é poesia?

"Pura. É um discurso religioso, vazado em metáfora, para que o discurso permaneça. Só por isso ela tem a duração que tem. Só por isso ela dura até hoje. Todos os grandes livros fundadores das grandes religiões eles são vazados em poesia. Porque fora dessa linguagem o religioso não se apresenta. Ele não se apresenta porque ele é poético por natureza. Você não aceita a fé, você adere. A arte é a mesma coisa. Então, a natureza do religioso e da experiência poética é absolutamente igual.

Eu não quero morrer nunca. De vez em quando eu até acredito que eu não vou morrer... Lá no fundo, lá no substrato do microcosmo da alma, eu acredito que não. Porque eu acho que isso tem um sentido também, que é uma aspiração humana de viver. Eu quero é viver, ninguém quer morrer, eu quero viver... E isso aliado a uma fé que eu aceito, que eu abraço e que me consola profundamente, que é a vida eterna. Acreditar na vida eterna. Porque se eu estou vivo agora é evidente que eu posso viver o resto da vida. Então, isso é absolutamente consolador... E poético até não ter jeito mais..."


CONSANGUÍNEOS
 ("A duração do dia", 2010)

Não há culpados para a dor que eu sinto.
É Ele, Deus, quem me dói pedido amor
Como se fora eu Sua mãe e O rejeitasse.
Se me ajudar um remédio a respirar melhor,
Obteremos clemência, Ele e eu.
Jungidos como estamos em formidável parelha,
Enquanto Ele não dorme eu não descanso.


"Vontade de escrever poesia? Um dia sim e o outro também... Mas não tem jeito... É quando ele quer, quando ela quer... Não adianta... Eu não mando nisso... A vingança da poesia é essa... É ela ser maior que a gente."