"Olha, não tem mistério nenhum e tem todo mistério... Porque de repente você passa dez anos sem fazer poesia, mas neste intervalo eu fiz prosa, fiz um livro infantil. E também eu acho que é um processo natural. Quer dizer, a musa está dormindo, qualquer coisa assim. Você não é propriamente uma usina permanente, acho que nenhum autor é em nenhuma categoria de arte. Nestes dez anos o que eu estava fazendo? Tratando de viver o melhor possível...
Aos quarenta anos foi que eu fiz “Bagagem”. Então, tinha muita coisa... Depois de “Bagagem” veio “Solta os Cachorros”, “Coração Disparado”, “Terra de Santa Cruz”... Porque, também, eu estava até a “tampa”. Depois também o vulcão dá uma pausa. Mas fiquei feliz dele não estar extinto.
“Bagagem” é um livro assim solar, feliz... A própria dor em “Bagagem” tem uma percussão diferente. Agora este ai (“A duração do dia”)... É a mesma alegria de fundação que a gente sente... É absolutamente igual. Mas eu tenho ai experiências que eu nem sonhava ter em “Bagagem”. Mas enquanto livro, enquanto poesia é uma coisa só. Eu vou fazer um livro só a minha vida inteira, eu quero escrever “Bagagem” a vida inteira, a vida inteira. Por causa do limite da gente... Eu só tenho esta vozinha, eu só tenho este quadradinho aqui para olhar o mundo... Então, é com essa lente limitada, finita, que eu vou experimentando o mundo. E naquilo que ele tem de Beleza ele vira poesia... Às vezes...
Toda obra ela tem por objetivo atingir o momento poético. Seja escultura, teatro, cinema, música... Ela só acontece a hora que ela vibra poeticamente, numa revelação absolutamente original, singular e única. Isto para todo autor... Neste sentido, qualquer autor é instrumento de algo que o suplanta, que é maior que ele. Você é realmente uma boquinha, um oráculo para algo que está se dizendo, se expressando através de você. Para tocar no outro, naquilo que é a experiência poética, que no caso é a experiência do religioso. Porque você toca em algo maior que você, melhor que você, mais bonito que você, eterno, não é finito e que te provoca aquela sensação de sentido. Minha vida tem um sentido, por alguma razão eu estou aqui, por alguma razão o absurdo da vida pode ser explicado. Então, eu não dou conta de associar isso a outra coisa que não seja ao divino. Então a gente fica assim mesmo (muito pequeno) diante disso."
Você saberia dizer o que é Deus?
"Não, não sei não, Nossa Senhora! Não, não... E você tende e é atraído para uma coisa absolutamente inominável, inefável... A alma quer adorar, quer se prostrar, quer reverenciar algo maior do que nós. Por que tem graça eu me curvar a alguém que é do mesmo tamanho meu? Tem o mesmo medo, o mesmo limite? Então eu preciso de algo que seja maior que eu... Isso que me dá segurança, que me consola, que me conforta... Que eu falo: “Ah, dá pra esperar, dá pra agüentar...”. Então, o que interessa mesmo é a sua vidinha... Porque você não tem mais do que ela. Você não tem mais do que as vinte e quatro horas do dia. Ninguém tem mais que isso. E é nesta experiência pequenininha, miserável, limitada, carente, é que eu vou dar uma resposta ao absurdo da minha existência e do mundo. E não é por isso que você é poeta cotidiano, poeta da metafísica... A metafísica está aí nessas coisas... Não tem nada tão grande... Porque tudo você pode amansar... Você está sempre querendo além do que você tem, e este além é de natureza transcendente. É a fome da alma, a fome do espírito..."
A Bíblia é poesia?
"Pura. É um discurso religioso, vazado em metáfora, para que o discurso permaneça. Só por isso ela tem a duração que tem. Só por isso ela dura até hoje. Todos os grandes livros fundadores das grandes religiões eles são vazados em poesia. Porque fora dessa linguagem o religioso não se apresenta. Ele não se apresenta porque ele é poético por natureza. Você não aceita a fé, você adere. A arte é a mesma coisa. Então, a natureza do religioso e da experiência poética é absolutamente igual.
Eu não quero morrer nunca. De vez em quando eu até acredito que eu não vou morrer... Lá no fundo, lá no substrato do microcosmo da alma, eu acredito que não. Porque eu acho que isso tem um sentido também, que é uma aspiração humana de viver. Eu quero é viver, ninguém quer morrer, eu quero viver... E isso aliado a uma fé que eu aceito, que eu abraço e que me consola profundamente, que é a vida eterna. Acreditar na vida eterna. Porque se eu estou vivo agora é evidente que eu posso viver o resto da vida. Então, isso é absolutamente consolador... E poético até não ter jeito mais..."
("A duração do dia", 2010)
Não há culpados para a dor que eu sinto.
É Ele, Deus, quem me dói pedido amor
Como se fora eu Sua mãe e O rejeitasse.
Se me ajudar um remédio a respirar melhor,
Obteremos clemência, Ele e eu.
Jungidos como estamos em formidável parelha,
Enquanto Ele não dorme eu não descanso.
"Vontade de escrever poesia? Um dia sim e o outro também... Mas não tem jeito... É quando ele quer, quando ela quer... Não adianta... Eu não mando nisso... A vingança da poesia é essa... É ela ser maior que a gente."
Que engraçado... Há uns dias, eu estava fatigado, muito racional, só em busca de questões cerebrinas, praticamente não entendi uma palavra do que foi dito na entrevista. Agora, sem o cérebro exercer um domínio absoluto sobre a minha vida, entendi a entrevista completamente. Parece até paradoxal, mas não é não...
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