quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

12 homens e uma sentença

Eu gosto de assistir a filmes antigos. Não porque sejam antigos, mas porque geralmente os filmes antigos que chegam ao nosso conhecimento são os bons filmes antigos. Então, na verdade, corrigindo a frase inicial, eu gosto de filmes bons, sejam eles antigos ou não. E como os filmes antigos que conheço são bons: eu gosto de assistir a filmes antigos.
12 homens e uma sentença ou, no original, 12 angry men, é um desses filmes antigos, um bom filme antigo. O filme tem algumas peculiaridades. A primeira: o nome do filme traduzido é bem melhor do que o original. Está certo, esta não é uma nota sobre o filme, e sim sobre seu nome. Mas o leitor há de convir que uma coisa rara é a tradução brasileira ser melhor do que o nome dado ao filme pelo autor. Muitas vezes a tradução tupiniquim confunde totalmente o tema do filme, em outras, antecipa o desfecho do suspense e, em outras ainda, demonstra total incompreensão da película. Vale a pena realçar, portanto, esta qualidade do filme ou, mais propriamente, do tradutor do título.
Voltando, então, ao filme mesmo, uma de suas peculiaridades, e que dá tom e ritmo às filmagens, é que ele praticamente se passa em um único cenário. O filme trata do julgamento de um jovem acusado de homicídio. Basicamente todo o enredo se passa na sala dos jurados, onde estes discutem o caso.
A cena inicial começa dando uma ideia de rotina forense, apenas mais um dia no tribunal. A câmera adentra na sala de julgamento, onde o juiz, com semblante e voz que atestam o tédio de mais um dentre inúmeros casos, profere a recomendação solene e supostamente tantas vezes já pronunciada antes, embora não menos bela e verdadeira: a vida de um homem foi tirada, a vida de outro está em jogo.
Achei interessante esta frase, a um só tempo sintética e profunda, ser falada por um juiz que mal consegue balbuciá-la, desgastado pelo calor e pela repetição de seu mister. Há algo de misterioso na desarmonia entre a forma e o conteúdo, que já prenuncia a dialética dos debates que ocorrerão, a batalha entre a vontade de carimbar a fórmula jurídica para encerrar mais um compromisso e o desejo de buscar a justiça com detidão e prudência.
O réu acusado de homicídio é um jovem, aparentemente pobre e de origem estrangeira do terceiro mundo. A vítima, seu pai.
O magistrado deixa claro aos jurados que, devido à gravidade do crime, se o júri concluir pela condenação, a única pena possível seria a de morte.
Os jurados se retiram para a sala que lhes servirá ao exame do caso. Muito calor naquele dia, e as janelas fechadas e difíceis de abrir. Um deles foi incumbido de organizar a discussão e a votação e pede aos demais, já ansiosos, que aguardem outro jurado, um senhor de idade avançada que foi ao banheiro, apertado que estava.
A composição do júri é variada. Mais jovens e mais velhos, mais humildes e mais abastados, de pouco ou muito estudo, temperamento tranquilo ou de nervos à flor da pele.
O organizador toma a frente e, após chegaram a um rápido consenso sobre a forma de votação, e considerando que o caso apresentava provas veementes e indubitáveis, cada qual profere seu veredicto individual: culpado ou inocente.
Não sei se o sistema americano inteiro é assim, mas neste filme os jurados devem chegar a uma sentença unânime. Eles podem discutir o tempo que for preciso, mas não é permitida divergência entre eles. Se não conseguirem convencerem-se a todos, o julgamento é anulado. A declaração de culpa é afastada se houver dúvida razoável, quando então o acusado deve ser inocentado.
Sucede que todos os jurados votam, mesmo sem discussão alguma, pela condenação. Exceto um. Um dos jurados vota pela inocência. Muitos ficam bravos, outros espantados e curiosos. Ele não apresenta de forma direta um contra-argumento. Simplesmente, quer conversar um pouco mais antes de condenarem um homem à morte.
O leitor já pode adivinhar o resultado final, mas o que realmente torna este um dos melhores filmes antigos a que já pude assistir é a dinâmica incrível que se cria no decorrer do tempo. A ansiedade de um faz com que irrompa em raiva desmedida, no momento mesmo em que pretendia chamar o desgarrado jurado à razão. O senhor mais velho consente em ouvir mais e acaba sendo discriminado por outros jurados. Alguns não gostam dos preconceitos que desembocam da boca dos demais e mudam de lado. Outro quer sair dali e ir ao jogo para o qual tem os ingressos na mão. Reviravoltas, surpresas, tudo aquilo que faz um bom suspense encontramos neste filme, passado numa pequena sala, onde podemos antecipar o final, mas adoramos degustar o enredo.
Muitos moderninhos chamarão a atenção para teorias sobre criminalização de classes sociais, para preconceitos da sociedade e todo aquele discurso de bom-mocismo vitimista que domina hoje certas esferas. Porém, a beleza deste filme esconde-se na forma com que um homem, inspirado por um amor à justiça ou pelo menos pelo medo da injustiça, comove e, assim, move seus semelhantes.
O tema, na minha leitura, é a velha e sempre atual batalha entre a fraqueza de nossos vícios e a força de nossas virtudes. Quando um de nós é capaz de incorporar em si a força do bom, do belo ou do justo, cedemos a este poder que nos contagia, e nos libertamos da fraqueza que nos contamina. É assim que doze homens são seduzidos a fazerem a coisa certa. Não são apóstolos, mas certamente nos deixam a impressão do bem, e da luta que devemos empreender no tribunal que trazemos conosco todos os dias, e perante o qual nos apresentaremos no final.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

"Homens despretensiosos, de boa natureza, tornam-se covardes quando não têm religião. São dominados e explorados, não só por fracotes gananciosos, idiotas e meio mortos que fazem qualquer coisa por charutos, champagne, automóveis e os usos mais infantis e egoístas do dinheiro, mas também por gerente capazes e inteligentes, que nada podem fazer com eles a não ser dominá-los e explorá-los. Governo e exploração tornam-se sinônimos sob tais circunstâncias; e o mundo acaba sendo liderado pelos infantilizados, os bandidos e os canalhas. Aqueles que se recusam a lhes dar guarida são perseguidos, e ocasionalmente executados, quando causam problemas aos exploradores. Caem na pobreza, quando não apresentam nenhum talento específico para o lucro. [...] E a maioria, de boa índole, segue observando, num horror indefeso, ou deixando-se persuadir pelos jornais de seus exploradores, que o assalto não é apenas um bom investimento econômico, mas um ato de justiça divina, do qual ela é ardente instrumento."  

(George Bernard Shaw, em "A Volta a Matusalém", de 1922, citado por Russell Kirk em "A arte normativa e os vícios modernos", com a seguinte consideração: "pode-se reconhecer a acuidade deste insight sem subscrever à curiosa religião, ou quase-religião, pregada por Shaw").