Outro dia concluí que estamos nos acostumando demais a considerar tudo “à luz da igualdade” (em linguagem grosseiramente jurídica). Quase uma epidemia, em tempos de democracia e luta por direitos, da bandeira da tolerância hasteada sobre tudo. Durante uma caminhada rotineira pelas ruas da cidade, soou bastante estranho aos meus olhos a feiúra de uma pessoa. Esquisito e assustador de repente ter que aceitar que de fato existe gente feia, e muito feia, andando por ai. Em minutos muitas das certezas que tenho trazido, tranquilamente, como muletas, sabe-se lá há quanto tempo, foram abaixo. E, em seguida, me dei conta de que se um dia for brigar com um cara forte, desses que passam o dia na academia e vivem a base de suplementos alimentares, será preciso correr, e correr muito, porque direito nenhum dará conta de me defender (contando com o fato de que o excesso de músculos, em geral, é acompanhado de uma correspondente falta de agilidade...). A burrice, por exemplo. Existe mesmo, minha nossa! Não tem direito à educação que dê conta desta constatação tão óbvia: tem gente estúpida no mundo. E o mais grave é que as pessoas convivem perfeitamente com a estupidez, assim como sobrevivem os feios. Ou alguém será capaz de dizer que a beleza vale tanto quanto a feiúra? Ora, então que se case com uma mulher horrorosa, porque eu prefiro algo, digamos, mais bonito... Digo isto, porque foi quase insuportável perceber que não há luta que inverta esta realidade. Não tem suor ou argumento que dêem conta deste fato tão óbvio e absurdo. Por exemplo, agora temos esta mania de querer todo mundo sendo doutor e universitário. Maluquice quase igual a querer todo mundo rico, ridículo! (eu sei, já não posso fazer parte do clubinho... a cada dia que passa torno-me mais indesejável... mas é que é tão evidente... como faço?). Fico pensando no pobre coitado que não tem muito jeito com o estudo e que preferiria mil vezes, e com muito mais eficiência, outra ocupação, mas que se vê obrigado a ser chique e respeitado, afinal de contas, todos querem dinheiro e algum sucesso. Onde é que vão colocar tanto doutor ninguém diz, nem para quê servirá tanto letrado. É perverso, tão perverso ou mais, do que um doido que decide matar alguns pela cor da pele. E alguém escolheu a cor da pele quando nasceu? Deprimente, triste mesmo, como a menininha gorda que se mata em dietas, perde horas em frente ao espelho e se envenena com remédios de emagrecer. Quase igual Michel Jackson tentando descorar a pele e ficar branco. Ou essas velhinhas de saia curta e a pele esticada, a orelha encostada à nuca e os peitos inchados até a boca. Tão patético quanto ler livro de auto-ajuda e se convencer que basta mentalizar. Não basta, minha gente, não basta! Sem tragédia ninguém se comove. E é importante demais a comoção. Que sirva de consolo que nesta seara não tem discussão, nem privilégio. A regra é de outra ordem, não é humana, como aquela que cria a bolsa família. Não adianta se valer de uma balança de desgraças: a uns deu isso e tirou aquilo. Nem o pensamento mesquinho de dizer: é inteligente, mas em compensação, coitado, é tão bobo... Para não dizer de comentários mais ácidos... Porque esta é a nascente da fofoca e do maldizer: uma pitada de inveja e outra bem grande de própria desilusão. Porque é triste demais e libertador descobrir a própria pequenez, consolador desistir de ser grande. Terrível demais ter o orgulho ferido, desesperador almejar à vida dos outros. É quase como descobrir que a guerra, apesar de indesejável, é necessária, porque tem vezes que o diálogo é inútil. Não acha, não? Então, vá trocar umas figurinhas com Fernandinho Beiramar... Quem sabe ele não te entende (ou não te convence...)? Que tal discutir a democracia com Hitler ou Stalin? Lembra o maníaco do parque ou o traficante do seu bairro? “Tutti bona gente”! Porque seria lindo se tudo fosse azul e todos estivessem automaticamente dispostos. Que bastasse o direito ao voto e a democracia ideal para que a vida fosse uma flauta, como acreditam os pacifistas. Seria perfeito se toda opinião merecesse ser ouvida, com o mesmo valor da pessoa que a exprimisse. Mas convenhamos... Sem inventar bobagens em elucubrações tóxicas e viagens psicodélicas de filosofiazinhas da moda... Vamos à base do “pão-pão, queijo-queijo”, que já dá trabalho demais. De resto, também aceitemos de uma vez por todas que não viemos do nada, que não somos tão donos assim de nossas próprias vidas, que corremos o risco do insucesso e que somos definitivamente, completamente, até as vísceras, desiguais! Por fim, não custa lembrar o anúncio cortante do nosso amigo de caminhança (durmamos com esta...): “Mas não se engane! Nem sempre tudo dá certo no final... Sem a batalha diária, tudo pode convergir para o caos...”
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