quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Aposentadoria - Capítulo Sétimo

Eu me aposentei muito cedo. Fui pára-quedista do exército, por isso pude me aposentar aos quarenta anos. O que tenho feito desde então? Bem, tenho vivido ao meu modo. Procuro ter uma rotina, ajudar nas tarefas de casa, fazer alguma atividade física. Há alguns anos comprei uma sonhada casa na praia e descemos para o litoral quase todo fim de semana. Às vezes estendo um pouco mais os dias, invado a semana, mas é raro, porque minha mulher trabalha e sozinho não tem muita graça. Aliás, talvez este seja um dos meus grandes problemas. Aposentar-se cedo é um pouco solitário: de repente você deixa de ser um cidadão comum, os amigos acham estranho, sua mulher começa a não gostar de te ver em casa todo dia, ninguém pode te acompanhar em atividades fora de hora, enfim. Mas, em compensação, eu tenho bastante tempo livre e dinheiro suficiente para viver bem sem ter que derramar uma gota de suor. Isso é o paraíso, é o sonho de qualquer um, não é? Assim eu oriento meus filhos: todos para o serviço público, senão vão acabar como a sua mãe! Rárárá... Um deles consegui convencer a seguir a carreira militar, mas o outro também se prepara para prestar algum concurso público. Eu digo para eles: tem que se encostar ao Estado, tem que encostar... Tem espaço para todo mundo conseguir o seu pedacinho de mordomia... Ora, ora... A vida não pode ser só trabalhar, tem que aprender a aproveitar o que ela nos dá de bom! Outro dia me perguntaram se eu era feliz. É claro que eu sou! Não gosto dessa gente que fica reclamando da vida... Eu lá posso reclamar da minha? Não reclamo, não. Também... Vou reclamar do que? Rárárá... Tem vezes que até sinto falta de um probleminha para resolver... Minha mulher fica doida comigo... Mas no fundo, no fundo me inveja, eu sei. É que a gente acaba se sentindo um pouco inútil, sabe? Mas logo passa... Eu arranjo algum serviço em casa, saio beber alguma coisa na rua, logo passa. É verdade que andei um tempo não muito bem... Comecei a perder a vontade de fazer as coisas... Qualquer coisa, desde tomar banho, até ter de levar meu filho ao curso ou mesmo comer. Sei lá o que foi que me deu, perdi a vontade de viver... Justamente eu, que sempre fui tão alegre, sempre aproveitei tanto meu ócio e fui presenteado pela vida com uma aposentadoria tão prematura! Acabei entrando na moda, certo? Não dizem que a depressão é doença da moda? Pois bem, acabei caindo no consultório de um psiquiatra... Foi a minha salvação! Ah! A piedosa medicina... Afinal de contas, a vida tem os seus percalços... Mesmo para quem não trabalha, acreditem... Rárárá... Depois deste terrível incidente, consegui virar a página e voltar à antiga forma: hoje vivo de gozar minha querida aposentadoria, presente que a vida me deu... E que os santos comprimidos médicos me garantem!

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