sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um Encontro

Não sei se fui ao seu encontro ou se ele é que veio ao meu socorro. Falamos pouco, muito pouco. Eu o admirei, ele se acanhou. Engraçado acanhamento, porque costumava ser do tipo vaidoso. Depois sorriu e murmurou algo que não compreendi. Antes de partir, deixou em minhas mãos um papel em branco e uma pena. Depois sumiu.
Foi como numa tarde, numa cidade mineira, em que uma velha senhora tocava piano em seu fogão e afastava o avental para tirar poemas escondidos numa cesta de frutas. Depois, fechava os olhos, como se sentisse algo nas palavras saídas da sua boca, inclinando levemente a cadeira de balanço. Natural, explicava a poesia e a vida, falava mal das escolas e dos governos, e insistia: Sejam felizes! Por fim, muito prática, explicava o caminho mais curto ao visitante, dava benção como se o conhecesse desde sempre e dizia: Vai sim a Cordisburgo!
Outra vez, um senhor gordo e bem humorado caminhava comigo pela noite de uma capital, quando, inevitável, encontramos a rua dos inferninhos. Entramos em silêncio no território das putas. Braços, bundas, quadris, corpos retorcidos, insinuando olhares, oferecendo preços. Eram apenas putas, nada além de putas, eu insistia. Mas pediu ao garçom um guardanapo, e entre copos de cerveja e batidas de samba, disse-me: Nunca desista Dela! Nunca se negue a Ela! Depois, entregou-me o papel em que registrou o que Ela acabara de lhe soprar:
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Balada do mangue

Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Lœlia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé,
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes,
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!
(Vinícius de Moraes)

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