quarta-feira, 1 de julho de 2009

Madalena e Pasárgada
(ou Sob a Luz da Lamparina a Óleo)


Quisera houvesse intensa luz, luminosa e radiante a anunciar o tempo da alegria, a alegria mais fútil e mundana. Assim desejam meus olhos e minhas pernas, correr o mundo que apenas se anuncia a uma jovem vida sedenta de felicidade. No entanto, outros olhos, muito impertinentes, caçam-me de minha volúpia e atentam-me para uma única questão, como se me dissessem: dá-me um minuto de seu tempo. Mais que um convite, recebo-o como uma ordem, ante o sentimento (quase um instinto) de obediência ao chamado. Dócil, sigo a uma sala escura e detenho-me diante dos olhos, aqueles outros, postos sobre uma mesa mal iluminada pela lamparina. O olhar perde-se na chama que consome o óleo, entre livros, uma cruz e a corda da autopenitência, enquanto permaneço estarrecido diante de um crânio exposto sob as mãos, como se tudo se concentrasse precisamente neste pedaço de osso. Poucos minutos depois, como houvera prometido, a chama se esgota, sem óleo, e o ambiente é tomado de trevas. Retorno, novamente, devolvido aos meus dias, prestes a prosseguir.

Mas estanco. O que desejo é Pasárgada. Convocam-me minhas células, brilhando em meus dedos a sede e a fome de conquistar as ruas, os homens, os frutos suculentos da terra. Vontade de ser livre, sentir na pele o suave deslizar das águas, a macia passagem dos ventos, na língua o sabor doce do mel das flores. Sina de ser rei, tal o feitio perfeito de minha natureza, nascida para gozar o fluido em curvas e cheiros irresistíveis, destino da forma fálica que impele ao encontro da umidade côncava. Êxtase em delírios cala medo e hesitação, escapa a compreensão e deságua na entrega absoluta. Mais que o arbítrio e o pensamento, a força instintiva do corpo, que sua, sangra e estremece ante o imperativo do mundo: Ide! Goze!

Todavia, como se outra voz estivesse à espera do momento certo para lançar-se em meu testemunho, ouço o grito: Espere! Os pés estancados no chão, ressurge clara a imagem da mulher sentada com a morte no regaço e os olhos perdidos na lamparina. Inoportuna! Deixa-me ir! (“Ide! Goze!”). Não posso! Não é ela que me impede, eu mesmo me detenho estarrecido pela imagem. Não posso! Nada me socorre, nem a inocência de minha juventude, nem a fraqueza de minha carne. Nada escapa a sedução da mística luz que exsurge intensa diante de mim. Os livros, a cruz, a dor e a leve chama esgotando-se, lentamente, dia-a-dia, consumida pelo tempo. O desejo também ressurge vivo em minha fronte. Contemplo-o, enfim estou livre. Livre, porém, permaneço no chão. Obediente ao grito, em silêncio apenas espero, tomado de consternação, diante de Madalena e Pasárgada.

3 comentários:

  1. Desculpem meu comentário impertinente, mas eu estava esperando alguém falar algo. Li o texto rápido e não tinha entendido, então esperava a crítica para ver se eu é que não estava entendendo mesmo, aliás, eu tava bem interessado em fazer mais um "Comentários a Madalena...", mas comecei a perceber (talvez seja passageiro) como esse negócio de crítica é pegajoso, dá pra escrever rapidinho um monte de asneira sobre um texto e você já fica se sentindo o rei da cocada, não estou desmerecendo nada do que fizemos até agora...
    Bom, como ninguém falou, vou arriscar. Pode ser que o rei esteja nu ou que o despido seja eu, e nem vou pedir vênia com ares bacharelescos. Pode ser que eu esteja errado, não sou nenhum especialista na matéria e gostaria que alguém fosse sincero quando meus textos precisassem de uma revisãozinha, mas sem esquecer que nossos textos são rabiscos, sem pretensões de estarem definitivos, blá, blá, blá...
    Creio que a inspiração que gerou o texto está bem clara, eu pelo menos acredito senti-la, o dilema entre Pasárgada e "Os livros, a cruz, a dor (...)", pareceu-me até um texto de crônico-poesia, se é que isto existe. Mas não entendi o que está acontecendo na cena? Se é que é preciso compreender isto... Também me inquieta o fato de que o texto está na seqüência do blog, sendo que antes temos a Madalena e uma referência a Pasárgada, um leitor terá que ter o quadro impresso no livro? O problema pode ser o uso de períodos longos demais e no uso excessivo de termos complicados... Também acho que ficou bem atravancado, pouco fluido, muito lusitano, hehehe... Peço os esclarecimentos do autor, são meus singelos e abusados pontos de vista...

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  2. Primeira coisa. Quando um texto é posto no blog, ele é posto à prova. É para isso que compartilhamos nossas expressões. Se assim não fosse, guardaria tudo isso na mente ou numa caixa de papelão dentro do armário. Portanto, não tem que haver nenhum tipo de receio ou medo de provar. Eu pessoalmente gosto muito de “ouvi-los” sobre o que escrevo e também gosto muito de provar a expressão de cada um. E quem prova está livre para gostar ou não, e para dar pitacos à vontade (para usar a expressão de nossa amiga Manu_vejam o blog “pitaco na leitura”, com o link em nossos caminhos). O ato de escrever de certo modo é bastante solitário, mas quando escrevemos sabendo que determinadas pessoas (amigos, principalmente) vão ler, o ato torna-se mais completo. Assim eu sinto.
    Eu também tenho horror à “crítica” e não gosto de exagerar nos comentários, muito menos achar que tenho obrigação de ficar elogiando ou sei lá o que. Se fosse assim o blog seria um saco. Prefiro a idéia de compartilhar... Quando escrevemos algo, há uma grande expectativa de que os amigos se manifestem a respeito, há uma necessidade de receber algo de volta. Mas, por outro lado, nem sempre há o que dizer. Mas também temos que tomar cuidado com outra coisa. O blog não pode se tornar excessivamente formal. Comentar um texto não significa escrever outro texto com a inspiração nas alturas... Vejam. Eu penso no blog como um bate papo. Acho interessante esse clima de amizade, de descontração. Ninguém precisa criar verdadeiras críticas, a menos que sinta vontade e inspiração para isso. O mais importante é que tudo seja verdadeiro. E muitas vezes temos vontade de simplesmente dizer: Putz que texto legal! Ou, ainda, caramba, que texto complicado! Ou, não gostei muito da idéia! Ou quero sugerir um título, ou mude isto e aquilo... Sei lá... Não temos que fazer análise nenhuma, sobre coisa alguma. Às vezes é mais importante receber algo de volta, nem que seja um simples comentário, do que simplesmente não receber nada de volta. Por ex, Antonio Carlos enviou-me um e-mail esses dias e fez um comentário singelo, mas muito engraçado ao texto que escrevi sobre a Madalena. Eu gostei muito do comentário e acho que deveria ter feito no próprio blog... Isso enriquece nossas expressões... Temos que ter esta liberdade... O espaço é nosso!
    Além do mais, se queremos mesmo “evoluir” em nossa escrita, este tipo de prova é essencial. Só assim vamos adquirindo certo senso de medida a respeito do que fazemos. Isso é muito importante. Não temos que ter medo de recebermos uma péssima “crítica” se ela for verdadeira (como acreditamos que é quando vinda de nossos amigos).
    Enfim, tudo isso para dizer que gostei muito do comentário do João Augusto. Mas, antes de escrever algo, vou aguardar para ver se Pedro e Antonio desejam se manifestar sobre o texto e sobre o comentário. No silêncio, faço minhas próprias considerações.

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  3. Não sei se esta “explicação” vai adiantar de alguma coisa... Afinal, quando tentamos explicar um texto corremos dois riscos: ou o de reduzir o seu alcance (transformar a arte num mero discurso racional de idéias) ou o de dizer o que está além do texto, de concertá-lo, porém com algo que lhe é externo.
    Por esta razão, sei que estou entrando numa seara por demais arriscada ao escrever estas linhas. Foi motivado pelo protesto de nosso caminhante João Augusto, que disse não ter compreendido o texto, além de ter tecido algumas observações quanto ao seu estilo. Que elas salvem o texto ou comprovem, realmente, a sua fraqueza.
    Quanto ao estilo, devo dizer que eu mesmo, assim que tive o texto pronto, o achei um pouco “complicado”. Tive a sensação de ter exagerado um pouco, de ter dado muitos nós, bem como disse o próprio João. Engraçado como o texto depois de pronto nos soa como estranho. È como se não fossemos nós mesmos que tivéssemos escrito. Para dizer a verdade não sei por que o texto saiu como saiu. Eu mesmo concordo neste ponto com o pitaco do João. Mas, para dizer a verdade, sinto que o texto é este. Tentei, mas não consigo neste caso mudar este seu estilo. Ele está assim da primeira até a última linha. Para mudá-lo teria que reescrevê-lo. Ainda estou tentando compreender isto.
    No entanto, acho que o estilo não pode prejudicar a compreensão do texto. Isto já seria mais grave. E isto me preocupa. Ter que “explicar a cena” é realmente um problema sério. Vou fazê-lo do meu jeito, para ver se consigo dar uma ajudazinha ao texto, ver se o salvo (sem que a explicação seja imprescindível à sua compreensão). Depois, os amigos ficam encarregados de fazer a prova final.
    A cena decreve o impacto que o encontro com Madalena causa no eu-lírico do texto. Narra uma experiência de revelação, que o leva a ficar aturdido, estancado, espantado.
    Inicialmente o texto apresenta um jovem, sedento de vida, encantado com o mundo, prestes a sair a sua conquista, que, no entanto, é interrompido por algo. Algo que lhe pede, antes de partir, um minuto do seu tempo. Então, o jovem é convidado a entrar numa sala em que se depara com a cena ali descrita (Que é justamente a cena do quadro. Observo que tentei descreve-la, exatamente para que não fosse necessário ver o quadro para compreender o texto. Mas acho que nada impede que o quadro o acompanhe, o que talvez o enriqueça). Em seguida, é devolvido a sua caminhada. Está livre.
    No entanto, mesmo livre o jovem está parado, não quer continuar. Esta experiência, a revelação que adveio do encontro com esta estranha mulher, causou-lhe algo que o impede de seguir. Então, o jovem brevemente divaga a respeito do seu próprio desejo, da vontade que está de conquistar o mundo. Descreve a atração que o mundo lhe causa, a vocação de seu próprio corpo a esta conquista.
    Ele quer seguir na conquista, mas uma voz grita. É a sua consciência, talvez. Nada o impede de seguir. É ele mesmo que está em dilema: Pasárgada e Madalena ressurgem. Ele quer negar a revelação que tivera. Quer arrumar desculpas para não ver (a própria juventude, a fraqueza do corpo). Mas sem compreender este enigma ele não pode continuar.
    Pasárgada representa o mundano, com sua exuberância e sua sedução. Representa o gozo máximo das possibilidades do mundo, a realização de todos os nossos desejos mais instintivos. É o lugar perfeito para se gozar o mundo, o prazer de viver.
    Madalena, por outro lado, vem nos lembrar a morte (representada pelo crânio e pela vela que se apaga com o tempo), isto é, a fugacidade e a provisoriedade deste mesmo mundo. Representa a transcendência, a salvação, Deus e também o pecado, o sacrifício, a piedade (cruz, a corda, os livros _ que talvez signifiquem a palavra, o Verbo, os livros sagrados). A própria atitude de Madalena, o seu olhar, é contemplativa, resignada.
    Assim, o eu-lírico descobre, consternado, o grande paradoxo da sua própria existência. Descobre que há algo mais que o mero gozo das próprias vontades. Depara-se com sua verdadeira condição humana.

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