domingo, 19 de julho de 2009

Autômato

Num belo dia o sujeito acorda e descobre que sua vida, aparentemente, não possui sentido algum. Ao voltar-se para si mesmo constata, a partir da análise de seu cotidiano, que se transformou em um autômato. Dentre outros significados, diz-se autômato, segundo o pai dos burros, o “aparelho com aparência humana ou de outros seres animados, que reproduz seus movimentos por meios mecânicos ou eletrônicos”. Inexiste em semelhante criatura um elemento tipicamente humano: a vontade. Todas as suas reações parecem-lhe mecânicas. Trabalha mecanicamente, caminha mecanicamente, sorri mecanicamente...

Não apenas automatizou-se, como não consegue livrar-se desta situação. E ciente deste fato, evita amigos, familiares, e todos aqueles cujas perguntas incômodas possam levá-lo a se indagar acerca de sua própria existência. Nada o aterroriza mais do que perguntas do tipo “E você? Como vai? O que tem feito da vida?”. Receoso, se pergunta: “O que separa o antigo eu, cheio de sonhos e aspirações, do eu atual, despido de todos estes maravilhosos atributos? O que se perdeu pelo caminho?

Temeroso de um dia acordar deste estado de torpor e constatar que sua vida de nada valeu, apenas lhe vem à mente uma certeza: “Preciso agir...”. Mas primeiro, faz-se necessário reencontrar a antiga vontade, o antigo móvel de suas condutas. E como que num insight, constata que esta vontade de agir só se delineia a partir da fixação de objetivos.

Surgem então novas perguntas. “Que objetivos escolher? Qual caminho tomar?”. E novamente se martiriza: “E se o caminho eu errar? Quais as conseqüências de retornar?

Imerso na indecisão que aflora de tão tormentosa indagação, decide nada decidir. Resolve nada resolver. E então retorna para a segurança de sua rotina, trabalhando, andando, e sorrindo mecanicamente, como se nada tivesse acontecido...

Um comentário:

  1. Que felicidade receber finalmente um texto de Toninho! Já estava demorando... E vem chegando com o próprio coração em punho, colocando-o na mesa (ou no divã...).
    O que tenho a dizer, meu amigo, é que esta nossa caminhança não é mesmo fácil... Este sentimento que você expõe de forma tão terrivelmente clara e profunda talvez seja um dos piores males do nosso tempo... Basta percebermos que não são poucos os nossos amigos que também vivenciam o mesmo "automatismo". Desculpem se exagero, mas o que você expõe talvez seja o "grande drama da modernidade (ou da pós-modernidade, seja lá o que seja isso...)".
    Importante é ter perseverança e certeza de que isto não é a realidade... De que a vida não é assim. Isto é um mal e como todo mal é passageiro e tem cura. Nós vamos reencontrar esta "antiga vontade", com certeza vamos. E a prova disso é que a resistência já existe. É ela que nos faz ter força para escrever um texto aos amigos, é ela que nos faz sentir incomodados, que nos faz querermos algo diferente. Só sentimos isso porque este algo, aquela "antiga vontade", está vivo dentro de nós e precisamos apenas dar uma pequena ajuda ( e não estamos sozinhos, claro). Ela irá ressurgir!
    Eu também não sei como, ainda. Porque neste tema estamos caminhando lado a lado... Mas, coincidência ou não, é exatamente disso que se trata aquela palestra sugerida em uma de nossas conversas, a respeito da Acídia e a sua terapia. O ensinamento do nosso mais novo professor vai ser muito mais precioso do que qualquer das palavras escritas por mim. E uma das coisas mais bonitas que ele ensina é que muitas vezes atravessamos túneis escuros como este para que possamos ressurgir como homens novos. Tal qual a história dos camponeses que espetam agulhas nos figos verdes para que eles amadureçam mais rápido. Nenhum sofrimento é gratuíto, é vão. E nenhum mal dura para sempre. Se tivermos perseverança sairemos do outro lado deste túnel escuro renovados, como homens novos, mais maduros, mais santos. Assim vai ser.

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