domingo, 5 de julho de 2009

Autorretrato, por Mário Ferreira dos Santos

"Sou natural do Estado de São Paulo, filho de pai português, de família de intelectuais e de mãe amazonense, de ilustre família cearense. Iniciei meus estudos num ginásio de jesuítas, onde cursei até os dezoito anos de idade, ingressando, depois, no curso superior, onde me formei em direito e ciências sociais. Casei-me aos 23 anos, com D. Yolanda Lhullier dos Santos, então com 19 anos, companheira fiel e sempre a estimuladora e inspiradora de meu trabalho. Tenho duas filhas, Iolanda e Nadiejda, ambas hoje casadas, dedicadas ao estudo, autoras de inúmeras obras que, com grande êxito, se expandem pelo país, algumas com mais de dez edições.Mantive sempre uma atitude de independência e de liberdade, fugindo de toda participação, tanto quanto possível, da vida política e das rodas literárias, por considerar dissolvente o primeiro ambiente e deletério o segundo. Em silêncio, passei os anos estudando, dedicando-me aos trabalhos de advocacia e ao magistério particular, bem como ao ramo editorial, até que tivesse meios de poder editar minhas obras, que iniciei, primeiramente, lançando-as sob pseudônimos, dos quais possuo um número de mais ou menos quinze. Só por volta de 1945 comecei a editar alguns livros com meu próprio nome. Procedia assim por saber que havia nascido num país onde domina o preconceito de que obras de Filosofia não podem surgir e ainda provocam a desaprovação de muitos, que não toleram a aud´[acia de um brasileiro tentar fazer o que julga apenas possível a intelectuais europeus. Na verdade, registrou-se que os meus livros editados com pseudônimos estrangeiros tiveram realmente grande venda, sendo que alguns atingiram até dezenas de milhares de exemplares. Mas quando em 1952 resolvi, definitivamente, enfrentar a realidade e editar os livros com meu própio nome, contra a opinião geral de todos, que prenunciavam o completo malogro dessa iniciativa, fiz uma experiência impressionante. Não só obtive um êxito que foi muito além de minha expectativa - porque a venda atingiu a números que eu jamais poderia calcular - como muitas de minhas obras chegaram a ter, no decorrer dos anos, cinco, seis, nove, dez e até doze edições, alcançando a milhões de exemplares vendidos, o que à primeira vista, pareceria impossível. Este fato impressionou-me vivamente, porque, durante todo esse período, não lancei mão de nenhuma demagogia publicitária, não solicitei a quem quer que fosse neste país a escrever sobre meus livros, pois não enviei exemplares a ninguém, de modo a não constrangê-lo a escrever alguma coisa a respeito de minha obra. Meus livros foram, pois, entregues ao seu próprio destino, sendo que os leitores foram os únicos propagandistas que eles tiveram. Foram aqueles que os aconselharam a outros leitores e assim as obras foram tornando-se conhecidas e procuradas. Nunca foram vendidas, mas compradas; nunca obtive a menor boa vontade de quem quer que fosse e poucos livreiros se interessaram pela colocação de meus livros, pois a quase totalidade afirmava que não havia a menor procura de obras de filosofia. Eram os leitores que as procuravam, eram eles que vinham à minha residência buscar os livros e que me escreviam cartas solicitando as obras. Foi assim que as vendi, sendo que a Livraria e Editora Logos Ltda. e a Editora Matese, as editoras de minhas obras, estão hoje organizadas e são, praticamente, as únicas que as vendem, pois poucas editoras ou livrarias no Brasil trabalham com meus livros, mesmo porque não me interessa a distribuição dos mesmos, dadas as dificuldades de reedição, que são muito grandes.Dediquei-me, no decorrer de minha vida, ao estudo e durante grande parte dela ao magistério particular. Nunca ocupei nenhum cargo em nenhuma escola, por princípio. Deliberei, desde os primeiros anos, tomar uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que podem ser ocupados por outros. É uma questão de princípio. Sempre decidi criar o meu próprio cargo, a minha própria posição e situação, sem ter de ocupar o lugar que possa caber a outro. O meu lugar seia exclusivamente meu, criado por mim para mim mesmo. Eis por que não disputo, nunca disputei, nem disputarei qualquer posição que possa ser ocupada por quem quer que seja. A minha vida, em síntese, é simplesmente esta".

Mário Ferreira dos Santos

Um comentário:

  1. Entrevista publicada em "Filosofia, Conhecimento Prático, Ed. Escala Educacional, nº 18, 2009, p. 50".

    ResponderExcluir