quinta-feira, 24 de março de 2011

Tendências da Estação

Não temos mais paciência para esperar o tempo das coisas. Aos poucos vamos nos acostumando aos vínculos passageiros. Enquanto aprendemos algo, sabemos que dentro de alguns meses o conhecimento se tornará obsoleto. O que nos ensinam como verdade no dia de hoje, não terá o mesmo valor no amanhã. Apaixonamo-nos já preparados para a separação. Ficar é mais comum que namorar e dura apenas uma noite, com direito a sexo casual. O divórcio converte-se em uma etapa natural da vida, como se fosse uma dolorosa e inevitável passagem. As amizades duram enquanto duram as conveniências. Não temos tempo para cultivar amigos, a menos que eles estejam muito perto de nós. É mais comum convivermos apenas com colegas de trabalho. Vamos pouco a pouco aprendendo que as coisas e as pessoas são descartáveis. Duram enquanto interessam. Os objetos da casa mudam todos os anos, os carros precisam se atualizar, os livros da estante acompanham os lançamentos. Tudo está mais acessível, mais barato, mas menos durável.

Não sabemos mais o que é uma vizinhança, não conhecemos nossos vizinhos de parede, não fazemos mais visitas por visitar. Não temos histórias no bairro em que vivemos, não vamos mais a pracinha da esquina. Praças tornaram-se lugares perigosos. Preferimos o isolamento e o conforto dos muros de um condomínio fechado. Temos medo, muito medo. Não apenas dos bandidos e dos ladrões, mas também de médicos, advogados, professores, padres, garis. Sabemos que a esperteza e a malícia foram eleitas em primeiro lugar e que estão todos a procura de uma vantagem pessoal, custe o que custar. Por princípio, não se pode confiar. Sabemos, antes mesmo de sair de casa, que muito provavelmente não seremos tratados como gente. Temos medo, muito medo dos outros. Perdemos a confiança nas pessoas e nas instituições.

Não levamos mais a sério o governo, as escolas, os hospitais. Eles estão entregues aos corruptos, aos gananciosos, aos imbecis, sem que nos abalemos com isso. As notícias não nos impactam mais. Vamos nos acostumando às tragédias. As imagens dos jornais são exatas e precisas, mas nos endurecem e vulgarizam os fatos. Estamos sufocados pelos fatos e pelas notícias. Diariamente milhares de dados estranhos invadem nossas casas e nossas vidas. Choramos pelas vítimas distantes de um furacão, mas passamos indiferentes pela doença que acomete algum vizinho. Desejamos salvar os esfomeados da África, mas não nos importamos com a vida pessoal dos empregados que trabalham para nós. Queremos ser profissionais, estritamente profissionais. A eficiência e a produtividade são a alma de uma empresa.

Nossos sonhos transformam-se, aos poucos, em sonhos de viagens, carros, carreira, riqueza. Um mundo melhor ficou nas histórias da carochinha, não há ideal que valha a pena. Não queremos mais uma família que nos aborreça e nos obrigue. Rejeitamos os filhos-problema, pois os queremos líderes, belos e talentosos. Assim como a nós mesmos, sempre belos e vitoriosos, bem sucedidos e felizes. Magros, vestidos em roupa fina, com corpos torneados e ricos, muito ricos. De felicidade estonteante, transbordante. É preciso rir, rir muito, rir alto. Não se pode fazer a vida tão a sério. A vida não serve para ser levada a sério. Para isso, a cerveja é um componente essencial. É costume estarmos bêbados em todas as ocasiões e, pelo menos, aos fins de semana. Fazemos campanhas pela liberação da maconha e não nos importamos com os jovens frustrados e deprimentes que diariamente se perdem no craque. Porque nossa maior preocupação é gozar a vida e a existência. Não há sentido nenhum na vida além deste. Porque a vida passa, dura pouco, muito pouco. As coisas e as pessoas passam, não duram, são descartáveis. Esta é a nossa moda. E é preciso, primordialmente, estar na moda. E a moda, todos sabemos, não dura mais que uma estação.

Um comentário:

  1. Praticamente um texto sociológico, aí está o retrato do comportamento mediano em voga. E por que não falar em medíocre? Aliás, moda tem total relação com isso, a moda não passa de uma média (vide aurélio: moda, tópicos 8 e 9:8.Fenômeno social ou cultural, de caráter mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter uma determinada posição social.
    9.Estat. Num conjunto de observações ou distribuição de freqüência, o valor de ocorrência mais freqüente.), não que seja sempre medíocre, mas, sempre querer estar na média (moda) mostra, ao menos, deixar a vida ser guiada por outros, quiçá rumo ao precipício...

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