sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Aposentadoria - Capítulo Oitavo

_ Sabe, Gabriel, uma das coisas que mais me intriga nos seres humanos é essa tal aposentadoria?
_ Aposen... o quê?
_ APO-SEN-TA-DO-RIA.
_ Nunca ouvi dizer, Rafael.
_ Ora, mas é algo muito falado, pelo menos entre os humanos...
_ Mesmo assim, acho que nunca tinha ouvido antes.
_ Bom, talvez entre nós o tópico apareça em outras roupagens, você bem sabe que divergimos na nomenclatura de quase tudo com relação aos homens.
_ É, pode ser isso.
_ Enfim, trata-se de um acontecimento muito curioso, esta tal aposentadoria. Veja bem, todos aqui sabemos que uma das aflições mais constantes no espírito humano é a incapacidade crescente para escutar o chamado Dele, não é?
_ Sim, eu vejo isso sempre, é fato corriqueiro, Rafael.
_ Mas também sabemos que muitos acabam por atender ao chamado, ainda que de forma inusitada. Eles embarcam horas e horas do dia em afazeres estranhos, recebendo por isso um instrumento que lhes permite a sobrevivência, mas que também atrai o pecado de forma assustadora.
_ Ah, sim, conheço bem o tipo. Não têm a menor consciência de que algemam as próprias mãos. Certa vez eu cuidei de um deles que agregou uma quantia exageradamente grande dessa coisa e depois, quando a perdeu, simplesmente...
_ Espere um pouco, Gabriel, desculpe-me interrompê-lo, mas não quero perder o foco. Sei que suas histórias são bastante empolgantes e que em seguida traria uma lição de altíssimo valor. Porém, deixe-me terminar o raciocínio, e depois voltamos a isso.
_ Pois não, meu caro, a paciência é a maior das virtudes.
_ Onde eu estava mesmo? Ah, sim, as horas perdidas. Os humanos, dessa forma, embarcam numa atividade perigosa e de frutos potencialmente venenosos, mas, ao mesmo tempo, aproximam-se do chamado Dele.
_ Os dois lados, sempre unidos.
_ Sim, sim, mas aqui a contradição é digna de nota. Pois se o caminho que leva à perdição igualmente traz a observância do chamado, então, o perdão pode ser alcançado mais facilmente, não acha?
_ Pode ser, precisaria meditar sobre a questão, mas provisoriamente aceito seu argumento.
_ Então, concordamos que o labor dos homens, muito nocivo de uma parte, revela no seu reverso a quase aceitação dos desígnios do Alto, correto?
_ Sim, acredito que seu pensamento é claro e verdadeiro.
_ E é neste ponto que entra a aposentadoria.
_ Explique-me melhor, pois não percebo onde deseja chegar.
_ Veja bem, após um breve período dedicado a essa tarefa de esforços mundanos, os homens rebelam-se contra sua obra e deixam de cumprir as obrigações que haviam assumido. Todavia, permanecem angariando o suco da empreitada, e entregam-se sem pudor e sem demora a um banho de delícias, de regalos.
_ Compreendo. E isso é a aposentadoria?
_ Exatamente, é a consagração dos efeitos terrestres do dito trabalho, mas sem os benefícios do alto, porque a vocação deixa de ser atendida.
_ Que tenebroso! Deve ser coisa do Inominado, com certeza que é!
_ Não sei, não sei, talvez o seja; perguntaremos depois a Miguel, mas antes me deixe terminar.
_ Sim, é claro, pensei que já tivesse acabado.
_ Apenas mais um minuto, meu amigo. O mais fantástico de tudo é que há uma grande luta, intensa e incessante, feita por cada um deles para que esse momento chegue o mais rápido possível, como se houvesse um desejo de recolher o fruto mundano antes mesmo de aproximar-se do chamado.
_ Agora entendo, muito interessante.
_ E, mais paradoxalmente ainda, eles...
_ Eu não gosto de paradoxos, lembram-me de guerras passadas, que até hoje não consegui compreender muito bem.
_ Foco, Gabriel, foco!
_ Perdão, meu amigo, às vezes me perco no pensamento.
_ Para sempre perdoado. O paradoxo, a contradição estranha do fenômeno, está na força que atua contrariamente a esse desejo.
_ Bom, deve ser nossa, ou de nossos aliados.
_ Nada disso, Gabriel. Quem hoje afasta este tempo de deserto, de aridez vocacional, e de efeitos descontrolados, é o Estado!
_ Não!
_ Sim, o Estado, ele mesmo, o Estado vem criando embaraços para os humanos atingirem a aposentadoria, e acaba protelando os tempos escuros.
_ Curioso, sem dúvida, curioso.
_ Não sei o significado de tais absurdidades. Talvez Miguel nos ajude...
_ Com certeza algo haverá para dizer, sempre há. Agora, desculpe-me a mudança brusca, querido Rafael, mas peço para iniciar minha narrativa.
_ Pois diga, amigo, eu falei e agora devo escutar.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Cem anos de Madre Teresa de Calcutá

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
DURANTE O SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO
DE MADRE TERESA
NO DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL
Domingo, 19 de Outubro de 2003

1. "Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se servo de todos" (Mc 10, 44). Estas palavras de Jesus aos discípulos, que ressoaram há pouco nesta Praça, indicam qual é o caminho que leva à "grandeza" evangélica. É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à Cruz; um itinerário de amor e de serviço, que inverte qualquer lógica humana. Ser o servo de todos!
Madre Teresa de Calcutá, Fundadora dos Missionários e das Missionárias da Caridade, que hoje tenho a alegria de inscrever no Álbum dos Beatos, deixou-se guiar por esta lógica. Estou pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado. Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo nos mais pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela.
De vez em quando vinha falar-me das suas experiências ao serviço dos valores evangélicos. Recordo, por exemplo, as suas intervenções a favor da vida e contra o aborto, também quando lhe foi conferido o prémio Nobel pela paz (Oslo, 10 de Dezembro de 1979). Costumava dizer: "Se ouvirdes que alguma mulher não deseja ter o seu menino e pretende abortar, procurai convencê-la a trazer-mo. Eu amá-lo-ei, vendo nele o sinal do amor de Deus".
2. Não é significativo que a sua beatificação se realize precisamente no dia em que a Igreja celebra o Dia Missionário Mundial? Com o testemunho da sua vida, Madre Teresa recorda a todos que a missão evangelizadora da Igreja passa através da caridade, alimentada na oração e na escuta da palavra de Deus. É emblemática deste estilo missionário a imagem que mostra a nova Beata que, com uma mão, segura uma criança e, com a outra, desfia o Rosário.
Contemplação e acção, evangelização e promoção humana: Madre Teresa proclama o Evangelho com a sua vida inteiramente doada aos pobres mas, ao mesmo tempo, envolvida pela oração.
3. "Quem quiser ser grande entre vós faça-se Vosso servo" (Mc 10, 43). É com particular emoção que hoje recordamos Madre Teresa, grande serva dos pobres, da Igreja e do Mundo inteiro. A sua vida é um testemunho da dignidade e do privilégio do serviço humilde. Ela escolheu ser não apenas a mais pequena, mas a serva dos mais pequeninos. Como mãe autêntica dos pobres, inclinou-se diante dos que sofriam várias formas de pobreza. A sua grandeza reside na sua capacidade de doar sem calcular o custo, de se doar "até doer". A sua vida foi uma vivência radical e uma proclamação audaciosa do Evangelho.
O brado de Jesus na cruz, "Tenho sede" (Jo 19, 28), que exprime a profundidade do desejo que o homem tem de Deus, penetrou no coração de Madre Teresa e encontrou terreno fértil no seu coração. Satisfazer a sede que Jesus tem de amor e de almas, em união com Maria, Sua Mãe, tinha-se tornado a única finalidade da existência de Madre Teresa, e a força interior que a fazia superar-se a si mesma e "ir depressa" de uma parte a outra do mundo, a fim de se comprometer pela salvação e santificação dos mais pobres.
4. "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40). Este trecho do Evangelho, tão fundamental para compreender o serviço de Madre Teresa aos pobres, estava na base da sua convicção, cheia de fé, que ao tocar os corpos enfraquecidos dos pobres tocava o corpo de Cristo. O seu serviço destinava-se ao próprio Jesus, escondido sob as vestes angustiantes dos mais pobres. Madre Teresa realça o significado mais profundo do serviço: um gesto de amor feito aos famintos, aos sequiosos, aos estrangeiros, a quem está nu, doente, preso (cf. Mt 25, 34-36), é feito ao próprio Jesus.
Ao reconhecê-l'O servia-O com grande devoção, exprimindo a delicadeza do seu amor esponsal. Assim, no dom total de si a Deus e ao próximo, Madre Teresa encontrou a sua satisfação mais nobre e viveu as qualidades mais elevadas da sua feminilidade. Desejava ser um "sinal do amor de Deus, da presença de Deus, da compaixão de Deus" e, desta forma, recordar a todos o valor e a dignidade de cada filho de Deus "criado para amar e para ser amado". Era assim que Madre Teresa "levava as almas para Deus e Deus às almas", aliviando a sede de Cristo, sobretudo das pessoas mais necessitadas, cuja visão de Deus tinha sido ofuscada pelo sofrimento e pela dor.
5. "Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos" (Mc 10, 45). Madre Teresa partilhou a paixão do Crucificado, de modo especial durante longos anos de "obscuridade interior". Aquela foi a prova, por vezes lancinante, acolhida como um singular "dom e privilégio".
Nos momentos mais difíceis ela recorria com mais tenacidade à oração diante do Santíssimo Sacramento. Esta difícil angústia espiritual levou-a a identificar-se cada vez mais com aqueles que servia todos os dias, experimentando o sofrimento e por vezes até a recusa. Gostava de repetir que a maior pobreza é não sermos desejados, não ter ninguém que se ocupe de nós.
6. "Dai-nos, Senhor, a Vossa graça, em Vós esperamos!". Quantas vezes, como o Salmista, também Madre Teresa, nos momentos de desolação interior, repetiu ao seu Senhor: "Em Vós, meu Deus, em Vós espero!".
Prestemos honra a esta pequena mulher apaixonada por Deus, humilde mensageira do Evangelho e infatigável benfeitora da nossa época. Aceitemos a sua mensagem e sigamos o seu exemplo.
Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, ajuda-nos a ser mansos e humildes de coração como esta intrépida mensageira do Amor. Ajuda-nos a servir com a alegria e com o sorriso todas as pessoas que encontramos. Ajuda-nos a ser missionários de Cristo, nossa paz e nossa esperança. Amém!

Aposentadoria - Capítulo Sétimo

Eu me aposentei muito cedo. Fui pára-quedista do exército, por isso pude me aposentar aos quarenta anos. O que tenho feito desde então? Bem, tenho vivido ao meu modo. Procuro ter uma rotina, ajudar nas tarefas de casa, fazer alguma atividade física. Há alguns anos comprei uma sonhada casa na praia e descemos para o litoral quase todo fim de semana. Às vezes estendo um pouco mais os dias, invado a semana, mas é raro, porque minha mulher trabalha e sozinho não tem muita graça. Aliás, talvez este seja um dos meus grandes problemas. Aposentar-se cedo é um pouco solitário: de repente você deixa de ser um cidadão comum, os amigos acham estranho, sua mulher começa a não gostar de te ver em casa todo dia, ninguém pode te acompanhar em atividades fora de hora, enfim. Mas, em compensação, eu tenho bastante tempo livre e dinheiro suficiente para viver bem sem ter que derramar uma gota de suor. Isso é o paraíso, é o sonho de qualquer um, não é? Assim eu oriento meus filhos: todos para o serviço público, senão vão acabar como a sua mãe! Rárárá... Um deles consegui convencer a seguir a carreira militar, mas o outro também se prepara para prestar algum concurso público. Eu digo para eles: tem que se encostar ao Estado, tem que encostar... Tem espaço para todo mundo conseguir o seu pedacinho de mordomia... Ora, ora... A vida não pode ser só trabalhar, tem que aprender a aproveitar o que ela nos dá de bom! Outro dia me perguntaram se eu era feliz. É claro que eu sou! Não gosto dessa gente que fica reclamando da vida... Eu lá posso reclamar da minha? Não reclamo, não. Também... Vou reclamar do que? Rárárá... Tem vezes que até sinto falta de um probleminha para resolver... Minha mulher fica doida comigo... Mas no fundo, no fundo me inveja, eu sei. É que a gente acaba se sentindo um pouco inútil, sabe? Mas logo passa... Eu arranjo algum serviço em casa, saio beber alguma coisa na rua, logo passa. É verdade que andei um tempo não muito bem... Comecei a perder a vontade de fazer as coisas... Qualquer coisa, desde tomar banho, até ter de levar meu filho ao curso ou mesmo comer. Sei lá o que foi que me deu, perdi a vontade de viver... Justamente eu, que sempre fui tão alegre, sempre aproveitei tanto meu ócio e fui presenteado pela vida com uma aposentadoria tão prematura! Acabei entrando na moda, certo? Não dizem que a depressão é doença da moda? Pois bem, acabei caindo no consultório de um psiquiatra... Foi a minha salvação! Ah! A piedosa medicina... Afinal de contas, a vida tem os seus percalços... Mesmo para quem não trabalha, acreditem... Rárárá... Depois deste terrível incidente, consegui virar a página e voltar à antiga forma: hoje vivo de gozar minha querida aposentadoria, presente que a vida me deu... E que os santos comprimidos médicos me garantem!

Aposentadoria - Capítulo Sexto

Eu considero este negócio de aposentadoria uma bobagem. Já bastam todos os impostos que esses filhos da mãe nos fazem pagar, ainda querem me tirar mais um tanto do meu bolso? Dizem que trabalhamos três meses por ano para o governo, porque vou querer trabalhar mais algum? Em minha opinião esse papo de governo, estado, democracia, é tudo uma enorme bobagem, um lero-lero para enganar trouxa. É só olhar para a história, isso nunca funcionou bem... É teoria e teoria para explicar o inexplicável: tem sempre o que manda e aproveita, e os que obedecem e se estrepam! E tem mais: temos que aceitar que com a humanidade vai ser sempre assim, na sujeira, não tem solução... E tem gente que ainda tem coragem de ser partidário, ter ideologia, ir atrás de voto. Para mim, das duas uma: ou entra para tirar proveito e se dar bem ou cai fora! Como não tenho estômago, nem paciência para política, prefiro ficar de fora. Sou daqueles que ainda precisa de algum sentido nas coisas que faz e, definitivamente, não sou capaz de acreditar em nada que venha da política. Isto tudo eu digo para justificar a razão pelo qual eu simplesmente não penso em aposentadoria, nem quero pensar. Faço minha vida a meu modo e o que desejo é ser cada vez mais livre. Por que é que vou ficar atrelado a mais uma “teta” do governo? Quero fugir a tentação. Comida em casa é meu suor que põe. E quando for velho, não há de faltar um filho que me acolha. Sofrer? Não tenho medo, não. Sofrimento a gente sofre, depois passa. Felicidade na velhice é para os covardes. Eu quero estar vivo, bem vivo, até o dia da minha morte.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Aposentadoria - Capítulo Quinto

_Precisamos pensar já na aposentadoria, isto não pode ser deixado para depois. Quanto antes planejarmos mais nos garantimos...
_Eu estou tranqüilo, meu pai começou a pagar a previdência quando eu tinha cinco anos, assim posso parar de trabalhar logo, logo.
_Mas depois de parar de trabalhar, o que você vai fazer da vida?
_Sei lá, viajar, conhecer o mundo, curtir por ai...
_Hum... Mas é melhor não contar com o governo... Você já viu as previsões dos especialistas? A previdência está quebrada... Você vai passar a vida inteira contribuindo e no final não vai conseguir receber nada... Pelo menos é o que dizem... Há um risco muito grande...
_E você vai acreditar nisso? Pode até estar quebrada, mas sempre vão pagar... O que você sugere? Arriscar é deixar isso para muito tarde... Muito perigoso... Tem que se garantir, tem que se garantir...
_Ora, hoje em dia tem a aposentadoria privada, escolha um banco... Ou invista em imóveis...
_E banco é mais confiável que o governo? Toda hora algum banco quebra e todo mundo se dá mal...
_Sei lá... O que eu quero mesmo é prestar concurso público... Pelo menos a aposentadoria é integral...
_Está maluco? Isso já acabou... E tende a piorar... Vai ficar igual a todo mundo...
_Por isso preciso entrar logo e garantir o meu...
_Mas eu pensei que você quisesse exercer a engenharia... Quando você prestou vestibular você sonhava em construir pontes, viadutos...
_Os tempos são outros... A gente amadurece... Eu preciso pensar no meu futuro... O mercado é muito violento, a concorrência é grande, preciso de algo mais garantido.
_Mas na engenharia não é possível?
_O que eu quero é emprego estável, trabalhar pouco, não ter chefe... Pelo menos não um que possa me mandar embora... E de brinde ainda levo uma gorda aposentadoria... Tem coisa melhor? Por que é que vou enfrentar entrevista, dinâmica em grupo, carreira em empresa?
_Mas e se você não gostar do que fizer? E se a aposentadoria demorar demais para vir?
_Ora, quem está falando... Isso a gente dá um jeito depois... Você mesmo... Se gostasse tanto do que faz não ia querer se aposentar tão cedo...
_Não, não é isso... É que trabalhar cansa... Todo dia a mesma coisa, acordar cedo, resolver problema... Passear é melhor, não? Por isso prefiro fazer tudo para esse dia chegar mais rápido...
_E se você morrer antes disso? Digo, morrer antes da aposentadoria?
_Morrer? Está maluco? Que pessimismo é esse? Só você, mesmo... Morrer...
_Ué, todo mundo morre um dia... E a gente nunca sabe a hora...
_Sai pra lá! Isso dá azar! Mas sabe que, mesmo pensando assim, você só reforça a minha teoria... É mais uma razão para eu me aposentar logo... Não quero estar velho e indisposto, muito menos morrer antes de curtir a tão sonhada aposentadoria.
_Bem, eu já penso diferente. Com meu cargo público pretendo não ter que esperar a aposentadoria para curtir a vida... Sim, porque com hora para entrar e para sair, salário fixo, estabilidade, trinta dias de férias, vou ter mais tempo livre, vou poder aproveitar muito mais. Nada de horas extras... Nada de ter medo de perder o emprego... Nada de ficar implorando aumento...
_Mesmo assim você terá que passar no mínimo oito horas trabalhando... Vai sobrar pouquíssimo tempo... Não é melhor se aposentar mais depressa?
_Isso não existe... Aposentaria é só depois de 35 anos de serviço...
_E se você morrer antes disso?
_Agora vem você falar em morrer... Nem sei por que disse isso... É claro que isso não vai acontecer tão cedo... Agora não é hora de pensar nisso... Antes de bater as botas eu quero curtir bastante a minha aposentadoria integral, nem que eu esteja velhinho...
_Sei lá, às vezes eu acho que você devia esquecer esse negócio de concurso, esta esperança de aposentadoria integral e ir atrás das suas pontes, dos seus prédios... Já pensou? Você pode ser um Niemayer! Ah! Se eu tivesse alguma coisa que eu gostasse pra valer de fazer, se tivesse um sonho assim... Talvez o trabalho não fosse tão ruim...
_É gostoso dar opinião na vida dos outros, não? Deixa que do meu sonho cuido eu... Niemayer, Niemayer... Os tempos são outros... Jamais conseguiria uma coisa dessas no mundo de hoje... Prefiro não trocar o certo pelo duvidoso... Vou é garantir o meu concurso, meu carguinho de hoje e a minha aposentadoria gorducha de amanhã!
_Só espero que você não se arrependa... Assim, quando você já estiver aposentado, sentado na poltrona da sala, fazendo o balanço da sua vida...
_Ora, ora... Eu? E você, sabichão!? Como estará quando estiver nesta mesma poltrona? Eu acho que você devia era parar de ficar obcecado com essa idéia de aposentadoria prematura e se preparar para ter que trabalhar... Afinal de contas, bem ou mal você terá que trabalhar. E não por pouco tempo... Viver a vida depositando tudo no futuro? Isso sim é que é loucura! No seu lugar arrumava um emprego melhor, que te permitisse ir curtindo a vida desde já... Depois que venha a aposentadoria e, daí, você curte mais ainda...
_Isso se eu não morrer antes...
_Morrer? Agora é você que está com essa história... Rárárá... Não é engraçado dois jovens como nós falando da morte? Vamos cuidar é da vida, que ela já nos dá bastante “trabalho”... Ou melhor... Vamos cuidar é de aproveitar a vida e esquecer o trabalho!
_É isso mesmo! Esse papo já estava ficando sério demais...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Aposentadoria - Capítulo Quarto

Ah! Aposentadoria... Vou simplesmente vestir o pijama! É pegar meus proventos integrais e não fazer mais nada! Ah! Aposentadoria... A realização da espécie humana em seus instintos mais comezinhos... Posso acordar lá pelas dez ou onze...não precisa ser muito tarde não... Tomo um bom café na padaria, leio meu jornal, vou pagar as contas, vou ao banco... Almoço com calma, tiro minha soneca em seguida (de pijama, é óbvio)... Lá pelas cinco, é só partir para a TV e esperar as horas passarem... Ah! Aposentadoria... Mas ficar tanto em casa deve cansar. Imagine ficar todas essas horas com a patroa buzinando na minha orelha, me mandando fazer as coisas, arrumar isto e aquilo. É preciso diversificar, posso arranjar uns “bicos” pra fazer, um ou outro trabalhinho, nada demais, nada que me desgaste demais, dá até pra ganhar mais uns trocados. Ou, então, um trabalho filantrópico, mas que não me exija demais, não tenho condições... Ou um fixo menos exigente... Bom, mas nada disso tirará o brilho, nem de perto, de poder dizer a todos: “- Eu sou aposentado!” Ah! Aposentadoria...

Aposentadoria - Capítulo Terceiro

Não vou me aposentar, quero morrer trabalhando, consumido pelos meus afazeres diários. Adoro o que faço, além de que não posso mais deixá-lo, dependo de meu trabalho financeira e psiquicamente. Não vou me aposentar. Ainda que ganhe uns trocos do INPS, não posso deixar meu trabalho, quem vai fazê-lo por mim? Claro que sempre tenho meus altos e baixos, mas minha vida só faz sentido se meu trabalho estiver presente. Não vou me aposentar. Os anos trouxeram-me uma experiência que pode ser muito útil em meu trabalho, claro que não tenho mais a mesma agilidade de antes, claro que o vigor físico não é mais o mesmo, que o cansaço é maior, mas a experiência, meu caro, a experiência me permite largar na frente, como no caso da lebre e da tartaruga, se lembra? Queimarei meu resto de lenha e pronto, o trabalho é a finalidade do homem ter sido posto na face da Terra. Não vou me aposentar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Aposentadoria - Capítulo Segundo

Quando eu me aposentar... Nada disso! O importante é o poder do agora! Não quero nada que me traga deveres. É urgente viver o momento, viajar, curtir, cair na noite. Quando eu me aposentar, pode ser tarde demais! Amanhã, pode ser tarde demais! Preciso pensar mais em mim, pensar nos outros também, mas desde que isto me beneficie... Nada como o já démodé custo-benefício! Trabalhar de segunda a sexta só para ser eu-mesmo a partir da sexta à noite! Trabalhar para gastar nas próximas férias em um lugar exótico da moda. Relacionamentos descolados, abertos, pluri, multi, extra, ultra. Quando for casar, que cafona! Vai ser para cada um continuar com sua vida! Filhos...se algum escapar, paciência, mas no máximo dois, para quando já estiver tudo estável, quando já tivermos feito o pé de meia... Quando eu me aposentar, a medicina já terá avançado muito, viverei cem anos! Cem anos muito bem vividos! Quero chegar lá bem conservado, não vou ser como esses velhos rabugentos...eu não! Vou ser um velhinho bem simpático, agradável, higiênico, ninguém pode com esses velhos de hoje... Mente jovem, pra frente, otimismo! Quando eu me aposentar, já terei realizado todos os meus projetos, serei tudo isso que sempre quis... Uma pessoa em sintonia com o mundo, consciente das grandes questões, informada, informatizada...com um curso superior, uma pós (talvez duas...) e um curso de inglês! Consciente da importância da sustentabilidade, da mundialização, do voto consciente. Aí está a razão de tudo o que faço, viver cada segundo sem deixar de ser autêntico, assim, quando eu me aposentar, cada segundo terá tido seu sentido na obra completa de minha vida.