domingo, 20 de fevereiro de 2011

Instalação

Sobre a escrivaninha uma biografia de Churchill, uma história de São Francisco, um Curso de Direito Ambiental, além da agenda, algumas anotações, folhas soltas e uma apostila de cursinho. A luminária nova, com lâmpada florescente econômica e o pote com canetas e lápis. A pedra de Cristalina, fazendo peso sobre os papéis. Uma estante de livros, cachimbos velhos, o quadro de fotos na parede, com amigos e familiares de três gerações. A garrafa de pinga mineira, da terra de Guimarães, junto ao livro autografado pela Adélia, presente de uma viagem que aconteceu e permanece fora do tempo, como uma grande experiência. Pequenas arcadas de metais, onde se lê turma um, sete, cinco, mistura de nostalgia, orgulho e peso sobre os ombros.

A disposição dos objetos denuncia uma herança. Mais que o acaso, sobre a mesa a pequena síntese de um homem. Principalmente, se considerada a grande janela que se abre por trás desta cena, lugar em que se esconde o mundo. Às coisas cabe o depósito da sutil realização de cada hora, como a poeira que vai se assentando. Estariam mortas, não fosse a presença do homem. À este, por sua vez, pertence o dom de traduzir a matéria de que são feitas, no esforço contínuo de transpor a porta que separa o quarto do que existe detrás da grande janela. Uma porta estreita, para uma janela bastante larga.

Da confluência de todos os seus objetos, necessidade de compô-los e despojá-los, do permanente enfrentamento de janela e porta, contradição impossível, no interior da casa, de quatro paredes, sozinho e inconsciente, o homem-artista inventa uma composição definitiva. Apenas mora, mas o tempo, e suas nuances, dá conta de transcender tudo em arte. O quarto fala.


Um comentário:

  1. Texto poético, extremamente poético. Construção exata, foge ao habitual estilo migueliano, qual seja, menos conciso, de formas que se espraiam e vão além da experiência vivida. Quem sabe nosso amigo esteja em busca do novo.

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