terça-feira, 7 de abril de 2009

Sobre a "Filosofia" de João Augusto

Trata-se de uma poética elegia aos livros e à sabedoria advinda da leitura, tesouro máximo da civilização humana? Ou existiria nas entrelinhas um drama inconfessável da personagem, que se vê no mesmo dilema de Fausto de Goethe? Sofreria este homem o dilema daquele que assiste tudo de cima de um edifício alto, que vê de longe o mundo acontecer, todos em busca da felicidade, mas que, no entanto, esta afastado deste mundo? (“ebulição diária de uma comunidade em busca da felicidade”) Um homem que se refugia numa biblioteca (“Decidi fugir para um local tranqüilo”), como um templo de libertação e felicidade, e que o protege do medo de descer ao chão? (“Cheguei ao desejado e inóspito ambiente, estava no alto da cidade, eu somente fugira, sem qualquer objetivo, simplesmente era indispensável não estar mais...”) Estaria este homem realmente liberto, ante a manifestação de uma força quase milagrosa reveladora deste refúgio (“Tudo a confirmar que o inefável se manifestara...”)?
Onde está a verdadeira sabedoria? O que vem antes: a experiência ou a teoria? O entendimento da teoria não depende da experiência? E a experiência não se enriquece com a teoria? Que pode entender dos livros um homem distante do mundo? Que pode escrever nos livros um homem que não se arrisca na vida? Quem pode viver sem compartilhar idéias em teorias? Que experiência tem o homem inculto? Que homem é aquele que não tem livros? Que pode um homem que apenas lê a vida, mas não a vive? Que vale mais: as letras dos livros ou a voz da experiência? O discurso ou o exemplo?
De que valem os conselhos de um pai, se os filhos não receberam o amor necessário para que tivessem condições de interiorizá-los? Mas se o valor foi interiorizado pela experiência do amor, de que valem os conselhos ou os livros? Qual a razão das palavras de um belo discurso sobre a ética, se um homem não tem dentro de si o certo e o errado, se quando criança não recebeu de seu pai a noção de limite? Então o discurso é inútil? Um homem tomado pelo vício é capaz de compreender a palavra divina por seu próprio esforço ou pelo esforço de quem queira ajudá-lo? Ou apenas o homem que carrega dentro de si o germe do amor, que recebeu de sua experiência e de seus afetos é capaz de compreender? Mas, então a palavra é inútil?
Antão era analfabeto. Herdou a fé cristã de seus pais e conviveu numa família harmoniosa, de onde recebeu todo o amor. Com vinte anos de idade, após a morte dos pais, vendeu todos os bens herdados e passou a viver recluso no deserto, morando em cavernas e antigos túmulos de pedra, praticando o jejum e a renúncia, numa completa solidão. Morreu aos 105 anos. Passou os dias de sua vida a orar, a lutar contra os próprios demônios e a cultivar um grande milharal. Deixou o deserto raríssimas vezes, sempre ansioso para nele retornar. Tornou-se santo, Santo Antão.
Agostinho era um mestre da retórica. Filho de uma família conturbada e dividida, desde cedo sofreu com os problemas em casa. Durante muito tempo foi um cético. Estudou literatura grega e romana, Cícero, Virgílio e os grandes filósofos. Viveu em cidades, enriqueceu-se, ocupou cargos importantes na sociedade de seu tempo. Inteligente, perspicaz, dedicado ao estudo, era um sábio. Com os anos, após o conhecimento da fé cristã, converteu-se. Tornou-se santo, Santo Agostinho.
Por fim, eis a ironia de Fernando Pessoa, que devia estar rodeado de livros quando escreveu esta provocação:

Liberdade
(Fernando Pessoa)

“Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem o mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...“

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