terça-feira, 26 de junho de 2012

Tirando as fraudas

Sempre libertador descobrir que não se chora, nem se ri, sozinho. A ventura humana, embora singular e única, não é original o bastante a ponto de trancafiar num quarto sem portas nem janelas algum sujeito mais desavisado. Mais que descobrir, relembrar que existe por cima de tudo uma grande tradição é muito consolador. E ao longo da vida vamos esquecendo e relembrando este fato e nos libertando de nossas próprias prisões. Quando o velho espírito consolador nos sopra ao ouvido, finalmente, a sua sabedoria, e em êxtase nos purificamos à lembrança de que tantos outros homens já choraram e já riram os nossos mesmos tormentos e alegrias. Na multidão de vozes que na agonia nos assaltam (medos, preconceitos, afetações, complexos, neuroses, o falatório social, nosso teatro mental...), vamos depurando, escolhendo dedo a dedo, até encontrar aquela única verdadeira, a que nos faz verdadeiramente homens. A ela recorremos, confiantes e sem medo, para que nos acuse, defenda e julgue, sabendo que, condenados ou absolvidos, estaremos mais livres depois (pois quanto mais sinceros, maior o perdão). Consciência é o seu nome, a casa de Deus em nós. Ordeira e silenciosa, encontra-se, muitas vezes, embaralhada e dispersa em nossa bagunça existencial. Com empenho, vamos limpando tudo, enchendo prateleiras, jogando fora o que não nos serve mais (alguma vez serviu?). Revisitamos a memória, paramos horas, dias, anos em pedaços difíceis de atravessar. Choramos a contra gosto, chegamos a desesperar. A matéria é dura, o caminho pedregoso, cheio de desertos e mangues lamacentos. A aventura é hostil. Às vezes, demoramos bastante para encontrar a saída. Por isso, é preciso guardar em lugar seguro a fé de que dentro de nós mora esta casa incorrupta que nos salvará. Também é preciso aprender a rir de si mesmo, a não se levar a sério demais (cedo ou tarde, descobrimos que poucas coisas merecem ser levadas a sério, o resto só torna a bagagem mais pesada e a caminhada mais cansativa). Aprender a desconfiar, por princípio, dos próprios juízos e a não ter vergonha de perceber que sim, é verdade, não somos tão bons quanto pensamos (nem tão maus) e existem muitos por aí bem melhores (e bem piores) que nós (e não falo apenas dos mais velhos ou dos que já morreram). Aliás, podemos errar e errar feio, mas, em contrapartida, nem tudo dependerá de nós para ser corrigido. Embora tenhamos alguns bons amigos, há o sério risco de sermos condescendentes com nossos inimigos e acabarmos tragados em alguma tocaia (lembrando que nossos piores inimigos são os que estão dentro de nós, pelo motivo óbvio de que, bem camuflados, muitas vezes os tomamos como fiéis confidentes). De resto, é preciso uma boa dose de paciência, no tempo e na dor, e coragem, na verdade e no enfrentamento. Acostumamos-nos, pela experiência, pouco a pouco vamos calejando, sem embrutecer. “Vigiai e orai”, nos diz, em síntese, aquele consolador (no fundo, no fundo, tudo o que fazemos é sempre desdobrar e reconhecer a mesma sabedoria de sempre).  

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