Simplesmente precisava parar
aqui. Faz muito tempo que não escrevo. Tenho estranhado o mundo a minha volta,
sinto meu coração seqüestrado. Ouço o murmúrio de meus amigos, que ressoa
dentro de mim como uma voz melodiosa, quase uma prece. Nutro esperanças, brigo,
corro, não desisto. Mas esta sensação de encolhimento, este desarranjo de tudo
ao redor... Serei feliz? Tenho muitos sonhos, tanta juventude, tanta vontade de
abraçar a vida... Contar minhas histórias, aprender a tocar piano, visitar a
Itália, encontrar o trabalho que seja minha vocação. Descobrir, numa multidão
de olhares, o olhar doce e companheiro da mulher que hei de amar e desejar. Os
nossos risos, o jeito dela, as suas mãos. O nosso entendimento. As coisas
nossas, só nossas. Nossa intimidade e devaneios. A sua maternidade e o modo
como ela me faz um rei. Um rei bobo, de nossos filhos, debaixo do teto em que
vivemos. Naquela casa que já construí, no jardim que inventei e que é o lugar
mais bonito do mundo. Com caminhos de pedras e jabuticabeiras. Serei feliz? Às
vezes acho que preciso resistir, resistir enormemente. Mas não quero negar
nada, nem enegrecer os meus dias numa batalha injusta. Terei mesmo de entregar
uma parte, talvez a mais preciosa, a preço tão vil? Amo a vida, o seu cotidiano
e as suas surpresas. Amo a sua luta. Sinto que a ganhei como um presente. Estarei
livre o suficiente para recebê-lo? Às
vezes fico assustado, corroído pelo que vejo. Pois será simplesmente a
iniqüidade de sempre que no momento certo o mundo me revela? Também é verdade
que outras tantas vezes os braços que me embalam tornam-se tão espessos e
claros que a vida se torna um grande berço, um bálsamo, uma benção. É assim
quando sentado na mesinha de um café numa tarde, as horas não passam enquanto
tenho a companhia dos meu amigos. É assim quando ao entrar na mesma capela de
sempre sinto uma luz diferente e algo me chamando do altar. É assim quando
chega quem eu esperava ansioso ou quando fica pronto o assado no forno
esperando a família se reunir na mesa para almoçar. É assim quando pela
primeira vez visito um lugar ou quando conheço alguém que parece que sou amigo há
anos. Quando chega época de comer pinhão e ver fogueira na festa junina.
Assistir procissão cantando ladainhas e implorando para o santo protetor.
Chegar perto de cachoeira, entrar em mata fechada, contar histórias de medo
dormindo no sítio e ouvindo o grilo gritar. Inventar pescaria e fazer bagunça
limpando os peixes. Ficar do lado de gente que a gente não precisa conversar,
basta olhar. É assim. No meio da tarde, de um dia cansado e quase terminando
desolador, quando alguém me procura e, por acaso, digo as palavras certas.
Ouvir música que faz chorar ou história que encoraja. Algumas horas com um
sábio professor ou com os ouvidos de um bom conselheiro. É assim. Serei feliz? Encontrarei
o caminho que procuro, aquele sentido único que me foi prometido e, talvez,
exigido como um dever? Quem sou? Quem é este que tanto escreve e procura? Volto
a pensar na infância, vejo aquele menino correndo no pátio da escola. Quero
desesperar, perguntar o porquê das ruínas, das casas vazias, da poeira que vai
se assentando e tornando tudo memória... Mas algo não permite que seja assim. A
rocha resistente insiste que eu a contemple. Eternidade é o que sopra no vento
levantando o pó. O tempo que esmaga é o tempo que liberta, pois também o que é
feio perecerá, mas apenas o que é belo restará. Instante em que meus dedos no
teclado dão vazão ao que não é meu. Primeira série da escola, quando a tia
fazia ditado. Copio tudo, nada deixo escapar. A letra é caprichada. Faz tempo
que não percebo este sopro, não do vento, mas daquele bondoso professor. Instante
solene. Razão maior para se concluir mais um trecho deste nosso itinerário.
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