sexta-feira, 13 de abril de 2012

Vocação por Saint-Exupéry

"Dificilmente podemos descrever o que é pilotar um avião... a não ser que você se entregue ao voo, como no amor."

(...)Mas, que é vocação?
Antes de mais nada, toda vocação é sempre espiritual. Ela é a descoberta de nossa verdadeira essência, que está intimamente unida ao ato pelo qual ela se torna efetiva. Cada ser chega, assim, a uma grandeza que lhe é própria. A vocação é uma resposta a um chamado ítimo e secreto, independente da vontade própria e das solicitações exteriores. Ela é, inicialmente, um poder que nos é oferecido. O caráter original de nossa vida espiritual é o nosso consentimento em fazê-la nossa. A vocação se torna, então, nossa essência verdadeira. Para satisfazê-la é preciso sacrificar-lhe os objetos habituais do interesse ou do desejo. Invisível, ela transfigura as mais humildes tarefas da vida cotidiana. A vocação é o sentimento de um acordo entre o que temos a fazer e os dons que recebemos. Ela é uma luz e uma força. É por ela que nascemos para a vida espiritual e temos o sentimento de não mais vivermos isolados e inúteis. A vocação nos faz responsáveis, sem jamais esperar por nossas possíveis hesitações. Sabemos, porém, que o homem tem medo de comprometer-se depressa demais. E os mais prudentes, assim como os mais ambiciosos, ficam em reserva e esperam... e deixam passar o momento, o chamado ou a vocação, porque eles desejam um destino mais brilhante, ou estão fechados dentro do estreito círculo das solicitações de tudo o que ambicionam abarcar. Os que têm a coragem de comprometer-se, longe de sentirem-se limitados, sentem-se fortes dentro de sua própria escolha.
A vocação só se manifesta na ação. Toda posse ideal, que se recusa a realizar, sob pretexto de dá-la pura, é pura ilusão. O homem é posto continuamente em face da opção e ele deve apostar e correr o risco dessa proposta. E a fidelidade a si mesmo, à sua vocação que é única no mundo, mesmo que seja no meio das maiores dificuldades, é a verdadeira coragem.
Exupéry podia escrever a 8 de dezembro de 1942:
"Julgo de pouca importância a coragem física, e a vida ensinou-me qual é a coragem verdadeira: é aquela que nos faz resistir à condenação do ambiente em que se vive. Eu sei, e disto tenho certeza, que fui muito mais corajoso em não me desviar do caminho traçado por minha consciência, apesar de dois anos de injúrias e difamações, do que se tivesse ido fotografar Mogúncia ou Essen."
E podia legar-nos este testamento pouco antes de morrer:
"Fui sempre coerente com meus princípios, assim como esses princípios eram coerentes com os interesses gerais que eles pretendem servir.
Minha posição é coerente com meus atos, é coerente com meus desejos.
Não há uma única linha escrita por mim, durante toda a minha existência, que eu precise justificar, riscar ou desmentir."
Sua vida prova que ele não teve medo de engajar-se cedo demais. A cada apelo, a cada vocação, ele sentia obrigado a escolher, a aperfeiçoar-se, a "renascer". Em Citadelle, Exupéry chama a vocação de "a voz de Deus que é necessidade, busca e sede inexprimíveis", e nós sabemos que ele lhe respondia sempre com um esforço de fidelidade cada vez maior.
"Sem esta vocação, que necessidade havia de levantar-te então à procura de teu cântico e a uma ascensão mais árdua a fim de colocar sob teus pés a paisagem montanhosa que se tornou desordem, ou para salvar em ti o sol, que não se ganha uma vez para sempre, mas que se ganha na busca de cada dia?"
(...)

Trecho de "Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe" de Rosa Maria.

Um comentário:

  1. O João me disse que ao ler este trecho pensou: Isto aqui é pura caminhança! De fato é mesmo... Como já aconteceu muitas outras vezes, o texto chega em boa hora. Seria coincidência, se não fossem os meandros misteriosos da amizade. Aliás, muito interessante e misteriosa é a história de como o livro citado chegou às mãos do João. A graça, às vezes, nos visita das formas mais inusitadas. Esta veio do Ministério da Educação, quem diria? Digamos que além de tudo foi uma visita muito bem humorada...

    ResponderExcluir