A palavra inglesa (também do latim) prejudice é mais precisa do que a nossa,
pois sugere julgamento antecipado e prejuízo, dano. Já preconceito fala de um
conceito pré-formado. Ora, você que está vendo essas manchas de tinta no jornal
só entende o que quero dizer porque tem um conceito pré-formado (na escola e na
vida) de como elas soam e o que significam. Ou seja, passamos a vida usando
conceitos pré-formados que lhe dão sentido e que a salvam (quando você só
atravessa no sinal verde, por exemplo).
O clima do "politicamente correto" em que nos mergulharam impede o
raciocínio. Este novo senso comum diz que todos os preconceitos são errados. Ao
que um amigo observou: "Então vocês têm preconceito contra os
preconceitos". Ele demonstrava que é impossível não ter preconceitos, que
vivemos com eles, e que grande quantidade deles nos é útil. Estatisticamente
úteis. Você entraria sozinho num elevador que só portasse um tipo muito
mal-encarado? Está vendo? Eu não disse "pitboy marombado, cheio de
piercings e tatuagens, com cabelo moicano". Bastou dizer "tipo
mal-encarado" que você pensou "Melhor não...". E se ele for uma
flor de pessoa? Mas a estatística diz que não, melhor não ("forma é
conteúdo", dizem os filósofos).
É noite, a rua é mal iluminada, e na sua direção, na mesma calçada vem um
senhor negro de terno carregando uma pasta de trabalho. Por acaso seu coração
dispara e você muda de calçada? Não, porque usou seus preconceitos, ainda que
ele possa ser o assassino do parque ("Pouco provável", dirá você,
usando a estatística a seu favor).
Mas, afinal, quais preconceitos são pré-julgamentos danosos? São aqueles que
carregam um juízo de valor depreciativo e hostil. Lembre-se do seu tempo de
colégio. Quem era alvo dos bullies? Os diferentes. Pense nos apelidos: girafa;
pintor de rodapé; rolha de poço; Pelé, tição; quatro-olho; nerd, CDF;
"mulerzinha". Um amigo sardento era chamado de "arroto de
Fanta"! As crianças parecem repetir a história da humanidade: nascem trogloditas,
violentas, cruéis com quem não é da tribo, e vão se civilizando aos poucos.
Alguns, nem tanto. Serão os que vão conservar esses rótulos pétreos, imutáveis,
muitas vezes carregados de ódio contra os "diferentes", e difíceis
(se não impossíveis) de mudar.
O curioso é que existem preconceitos a favor. As pessoas belas são talvez o
maior exemplo. Mas esses costumam mudar com relativa facilidade. Não demora
muito para você descobrir que aquele Apolo tem um caráter questionável, e o
preconceito já vai mudando. O problema são os preconceitos contra que resistem
a tudo, impedindo que você veja a pessoa, o indivíduo, que deixa assim de ser
"essa gente". O preconceito danoso sempre considera tribos, ou
grupos, "os diferentes são todos iguais", sempre referidos como
"eles".
São esses preconceitos que devem ser punidos como crime, quando causam dano
a alguém. Outra coisa bem diversa é um preconceito que percebemos em nós, mas
cuidamos de questioná-lo e não deixar que ele transborde como prática.
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