quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um mosquito safado na Casa do Sol

Somente hoje recebi de braços abertos a carta da Lígia à sua amiga Hilda, presente do caminhante João Augusto. Lida a última linha, fecho os olhos e imagino-me na fazenda da Hilda, a Casa do Sol, rodeado de poetas. Estão lá a Lígia, a Adélia, Vinícius, Cecília, Drummond, Bandeira, o Bruno e outros. Eu, claro, sou um mosquito safado que se senta curioso no braço do sofá, para não atrapalhar os convidados. Saudade da voz do Bruno, do seu jeito de falar, do olhar de quem se permite, de quem permanece no enigma, como ele mesmo sempre ensinava. Agora me ocorre, que talvez o poeta seja este sujeito que permanece, incompreensivelmente, no enigma. Como consegue? Se é que alguma vez fui pra lá, posso garantir, depois de algum tempo aquilo sufoca e a gente quer voltar correndo para a lição de casa... Mesmo quando a Adélia sai da sala para preparar o café, ou quando toca o seu piano no fogão, quando dá bronca no filho, acho que nunca saem do enigma. Estão permanentemente pairando neste lugar mágico onde se encontram as poesias. Puxa vida! Isto é bom demais! A poesia, a literatura, bom demais, minha nossa! Nós merecemos? Deus do céu! Como é possível? É milagroso, é supremo demais (olha eu, acabando com a poesia...). Hoje se pudesse eu me deitaria no colo do Vinícius, ou tomaria um porre com ele, igual numa cena que vi, ele com o Tom, tomando whiskie os dois, “o cachorro engarrafado”. Declama “o Haver” pra mim Vininha! Agora o “Orfeu”. Diz aquele soneto, com a sua voz suspirada, acompanhada pelo piano. É coisa boa demais! Certo, João!? Hoje acordei mais para lá que para cá, aquele dia em que está tudo muito estranho, a gente se sentindo estrangeiro dentro de casa. O coração querendo outra vida, negando tudo o quanto a vida nos deu. Que tristeza! Fazia tempo que não conseguia abrir a fechadura de um livro de verdade. Eu tentava, mas tudo soava rotineiro, insosso, tudo um jogo de palavras... Uma leitura aqui, outra ali, mas nada que pegasse de jeito, entende? E justo hoje, ou por ser hoje, ocorreu-me de ler esta carta da Lígia. Então olhei a estante dos livros e tirei um, depois outro e outro... Santo Deus! Isso é bom demais! Vou ficar aqui, lendo, lendo, lendo... Nem de comida eu preciso! Isso mata a sede, a fome, do corpo, da alma, de tudo! Acho que nascemos mesmo para adorar, adorar, adorar... Ficar de joelhos, adorando, para eternidade. O ter de comer, beber, andar por ai, isto é acidental, é por um acaso. O nosso gosto mesmo, a nossa vontade definitiva, a nossa necessidade verdadeira é nos abandonarmos prostrados, adorando, adorando, adorando... Bom demais!

Um comentário:

  1. Miguel, em momento de inquilinato no sublime, deixando de viver a vida de nós, pobres homens, para viver a vida dos poetas... Será que estamos no caminho correto sem deixar que a caminhança seja o habitual, não estamos a sufocar o sublime que existe em nossas veias com essa nossa vida de pobres homens? Como descobrir se tal inquilinato é indispensável?

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