quinta-feira, 21 de maio de 2009

Resplandecerá

Tive um deslumbramento que não posso deixar de compartilhar, sob pena de perdê-lo, tamanha a sua força. Desses que somente a poesia poderia bem guardar, retirando-o completo do tempo e oferecendo-lhe perenidade. Somente a poesia e a sua grandeza. Mas de tal modo sou tomado pelo sentimento neste instante (acaba de acontecer), que não dou conta de poesia nenhuma, de palavra nenhuma. Que seja o grito precário. Sob o título de a “Justiça Brasileira”, eu aguardando as pilhas de processos sobre mesas e o carimbo bem batido na folha de papel, me vem, no jornal da noite, a narração de uma esperança. Sob a insígnia de um convite (agora posso claramente compreender), pois o sublime também se realiza nas formas mais toscas, mais banais, mais simples do cotidiano. Muito distante do prédio do Fórum, longe dos ternos e protocolos, meninos e meninas brincam, tal qual as grandes orquestras. A música ecoa pelas salas de um prédio improvisado, com ensaios e maestros, e sons de violinos, cellos e baixos. Comem, estudam, aprendem, amam. É uma gente nascida na lama, destinadas à desgraça, a má sorte, ao desterro, que por obra puramente humana transformam-se em crianças que brincam, sonham, acreditam, têm fé, fé profunda na vida, no homem. Vencem o lixo! Por obra humana, acreditem! Eis a Justiça anunciada! Diz a menina: é bom vir pra cá. Aqui é lindo. O cello é extensão do meu corpo. O maestro rege: Deus quando distribui talento não vê cara. Aponta o dedo assim, toca um menino como este e, não importa se ele vive na lama, o talento resplandecerá. A mãe, na sua casa de lata, profetiza: Eu só quero que ele seja um homem bom. Não quero casa. Só que ele seja feliz. E eu, surpreendido por esta doce verdade, mal compreendo, ainda, a razão desta Justiça. Quem me esclarece é um juiz: Passo todos os dias aplicando a repressão pelo poder, mas antes de reprimir é preciso previnir. É ele, o juiz, o operário na terra que idealizou e criou esta casa de amor. Eu, mais que agradeço, converto-me, porque é grande demais para que suporte qualquer resistência. É como se a poesia, ela mesma, em carne e osso, estendesse a suas mãos, as cravasse no meu peito e fosse direto em meu coração. A vocação mais que me chama, clama, clama e eu apenas entrego-me. É tão límpida a verdade, que palavra alguma é capaz. E eu me calo. Simplesmente me calo.

http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,LS0-15457-71175,00.html

Um comentário:

  1. Eu também me emocionei, o exemplo desse juiz deve ser seguido, quem sabe não iremos conhecê-lo em breve... Creio que é amigo do Suassuna, do João Cabral, do Manuel e de tantos outros homens de bem daquelas bandas...
    JA - anti-sistema

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