O
pai ficou do lado de fora da grade que cercava a pista de atletismo. A
arquibancada estava cheia para as olimpíadas da escola. Sentia um frio na
barriga, era muito cedo, o sol acabava de nascer. As baterias da corrida dos cem
metros foram se sucedendo, até que chegou minha hora. Olhei, ainda, mais uma
vez o pai e me pus na posição da partida. Fixei meus olhos na faixa distante e
me concentrei. Quando ouvi o sinal, disparei. Alguns segundos depois, mal
podendo respirar, cruzei a linha de chegada. Em segundo lugar. O pai vibrava,
com papel e caneta anotando os tempos. Ganhei um abraço de parabéns e o nono lugar
na classificação geral. Mas me senti um verdadeiro campeão.
Naquele
dia de manhã eu ia sozinho para a competição. O pai ia me levar, porque a mãe
tinha compromisso. A gente sentou para tomar café da manhã e ele percebeu que
eu não estava bem, não queria comer. Eu estava inseguro. “Filhão, é só uma competição da escola, vai ser legal, você vai ver!”.
Mas não adiantou. O medo persistia e eu estava aflito. Então, o pai me entendeu
e decidiu ir comigo. Abraçou-me forte: “Vai,
filho, enfrenta aquela pista e dá o seu melhor!”. Sob o olhar dele, zelando
de longe, fiz minha parte. Enfrentei confiante. A pista e a vida.
Como
enfrentei o Conhaque, meu primeiro cavalo. Um dia resolveu dar um salto
agressivo e acabou me jogando pra cima, direto pro chão. Que susto!, eu
pequenininho. O pai chegou do meu lado, perguntou se eu estava machucado, logo
viu que não. Enquanto eu chorava, ele me pegou no colo, foi me acalmando, então
me disse: “E ai? Pronto pra montar de
novo?”. Comecei a dizer que nunca mais, mas quando percebi, ele já tinha me
posto em cima do cavalo. Depois deu um tapa na traseira dele e fomos: o
Conhaque galopando e eu esquecido do medo.
Teve
também outra competição na escola, desta vez a prova de ciclismo, uma das mais
esperadas. Eu estava ansioso, com a bicicleta caprichada, pronto pra ganhar.
Foi um desastre. Fiquei entre os últimos. Aquilo me massacrou, uma vergonha.
Desci da bicicleta, as pernas tremiam, mal parava em pé. O pai estava lá, não
disse nada. Disfarçou, mudou de assunto, mas viu que eu tinha ficado muito
triste. Era setembro.
No
final do ano, alguns meses depois, ele entrou em casa me contando que tinha
comprado uma bicicleta. Não pra mim, mas pra ele. Achei engraçada a idéia, meu
pai andando de bicicleta... Na semana seguinte ela estava em casa e, antes
mesmo do Natal, a gente fez o primeiro passeio juntos. Fomos por estradas de
terra, lugares distantes, onde eu nunca poderia ir sozinho. Aos poucos ele
convidou uns amigos dele e eu convidei os meus. Formamos um grande grupo. Toda
semana a gente rodava com as bicicletas pela cidade. Depois do passeio parávamos
num posto de gasolina pra comer paçoca com coca-cola, a melhor parte. Foi assim
o ano inteiro.
Em
setembro do ano seguinte, novas olimpíadas, nova prova de ciclismo. No dia da
prova, de manhã, meu pai viu que acordei contente e sossegou. Estava ansioso,
mas me sentia pronto para uma bela revanche. Fui seguro, estava bem treinado. O
pai, de longe, ficou assistindo. Quarto lugar! As pernas nem tremeram... Fiquei
orgulhoso, o pai comemorou. Foi melhor que subir no pódio. A medalha que ganhei
do meu pai.
Depois
disso tudo, é claro, cresci. E com a mesma coragem que aprendi naqueles dias,
fiz algumas descobertas importantes. Descobri, por exemplo, que meu pai também tinha
medo. E que o pai dele também tinha e também o pai do pai e todos os pais do
mundo tinham medo. E todo mundo tinha medo. Então, tive medo. E o medo me fez
descobrir o segredo do meu pai, do pai dele e de todos os pais do mundo. Porque
um pai só pode ser pai porque também teve um pai. E um pai, remete a outro pai,
e a outro pai, e a outro. E assim, descobri que por trás das grades do mundo,
onde correm todos os pais na pista da vida, existe um grande pai, um pai único,
que com o seu olhar distante e presente, guia, protege e encoraja todos os
outros pais. E foi pelo olhar do meu pai, meu paizinho, também medroso como eu,
que cheguei ao olhar daquele Pai, que era pai do meu pai e de todos os outros pais
e mães do mundo. E não tive mais medo.
Na
verdade, eu já O havia descoberto, muito tempo antes. Quem O apresentou foi meu
próprio pai. A gente tinha ido à Igreja e comecei a fazer bagunça com os primos,
correndo pelos corredores. Antes de o padre iniciar, o pai olhou feio para mim,
eu entendi logo e corri pra perto dele. Ele, então, me disse uma coisa que eu
nunca mais esqueci. Primeiro me perguntou o que eu acharia se alguma visita
entrasse em casa e fizesse bagunça, subindo no sofá, tirando as coisas do
lugar, mexendo nas minhas coisas sem pedir. Reprovei com a cabeça veemente,
concordando que aquilo seria muito, muito feio e sem educação. Em seguida me
disse: “Pois, então, filho, a Igreja é a
casa de Deus e nós viemos visitá-Lo”. Fiquei mudo.
Era a primeira vez que me dava conta de que
Deus era uma pessoa, alguém que se podia visitar e a quem se devia respeito. Desde
então, esforçava-me para me manter em silêncio e obediente toda vez que entrava
na Sua casa. Depois, aos poucos, fui descobrindo que Ele também tinha uma
morada em mim. Foi
uma felicidade saber que Deus, o criador de tudo, estava sempre comigo. Assim,
nasceu, em segredo, um grande espaço, um lugar especial onde, sozinho, passei a
conviver cotidianamente com Ele, sem precisar ir à lugar algum. Então, aquele
esforço de obediência e silêncio tornou-se muito mais exigente, uma batalha
constante, pois percebi que era ainda maior a desordem que eu fazia ali, dentro
de mim. Passei a conviver com esta presença especial, mas demorei algum tempo
para juntar as coisas e concluir que Este que eu visitava na igreja e que,
depois, descobri vivendo comigo, era Aquele Pai que um dia vi dentro dos olhos
do meu pai, e que era o pai de todos os pais e mães do mundo. E tudo foi
diferente.
Hoje em dia, é o mesmo menino inquieto e
bagunceiro, às vezes rebelde, às vezes inseguro, que todos os dias tenho de apascentar
e encorajar. Porque, diariamente, encontro diante de mim a mesma pista de
atletismo, o mesmo cavalo, a mesma bicicleta. De manhã fecho os olhos e sinto o
abraço forte que me prepara antes da luta. Recebo mais que incentivo e força, recebo
confiança e a certeza de que a guerra é justa e de que, afinal, vencerei. Como
um dia venci. E será sob esta rocha firme que também serei um pai para meu
filho, capaz de lhe transmitir o mesmo olhar, o mesmo abraço confiante, que
também o transformará em
pai. Herança do pai que a graça do nosso Pai me concedeu, que
deixarei para meu filho, para que ele também possa transmitir adiante quando
tornar-se um pai.
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