Um
dia o pai chegou apressado em casa, de camionete, o vô nem desceu. Senti falta,
o Uísque pulando nele, lambendo a mão, fazendo festa de cachorro, mas ele
querendo mesmo era um abraço do neto. Era sempre assim, ele abaixava com os
braços abertos e eu corria, fazendo festa de criança. Meu avô. O pai entrou em
casa foi carregando tudo: malas, cachimbos, canivetes, canetas, botas, tudo.
Nem trouxe o jacá cheio de verduras do sítio. Uma vez veio cheio de jabuticaba.
A gente passou o dia inteiro chupando e depois foi difícil ir ao banheiro.
Quando era milho demorava ir descascando as espigas, então a gente conversava
bastante. E ria, ele contando aquela vez que a vaca deu a luz à bezerrinha de
noite, foi uma alegria só. O vô ficou esperando no carro e ele foi saindo
rápido, deixando pra trás um sobretudo preto, engomado, o terno do casamento, a
caixa de ferramentas e um jeito bonachão de me carregar nos braços. Engraçado,
ele leva o maço de cigarros no ombro, por dentro da camisa e usa cinta de couro
com porta canivete, calça jeans e bota. Me deu a Serena de presente, a égua
mais bonita do sítio. Galopa que é uma beleza e gosta de passeios no pomar.
Desta vez, o pai me explicou, eles iam sozinhos e eu ficava. Como fiquei. A
camionete saiu roncando, o vô abanou a mão por cima da cabeça e o pai soltou
uma buzinada. Só para mim a buzina. Eu, meu pai e meu vô, a gente tem um lugar
só nosso. Na beira do lago, no lado do sítio perto da avicultura, ali onde um
dia viveu o Fuscão Preto, um dog alemão que na minha lembrança era mais alto
que a Serena, foi meu primeiro cavalo. Vivia dormindo ali na porta de entrada
do escritório do sítio. Este lugar nosso. Parede branca caiada, porta azul,
chão quente, feito especialmente sob a sombra de muitas árvores. Um dia o vô
abriu o armário, armário mistério, eu sempre curioso. Tirou um chapéu
pequenininho, disse que era meu. Até hoje guardo ele comigo, junto com a
história que um dia aconteceu, da Fábrica de Chapéu. O vô enchia os olhos de
lágrimas, porque ali era feito só pra nós três. Ainda é feito, este lugar. Na
porta do meu coração, quem chega vê logo o Fuscão Preto. O armário, as mesas, o
chapeuzinho, tudo lá. Outro dia, voltando pra aquele pedaço de terra, vieram me
contar a novidade. Uma capela construída ali em frente ao escritório. Quando
entro pra rezar dou de frente com São Sebastião. Fico rindo, o vô sentado na
cadeira ao lado e o pai esperando na porta. Foi motivo de festa. O encontro
daquela semana, lá naquele lugar só nosso, rendeu muito conversar. E assim tem
sido sempre, desde daquele dia em que saíram depressa na camionete. A gente vive se encontrando no nosso lugar sagrado, só nós três, é o
combinado. E eu digo pra eles, que quando o céu chegar pra mim vai ser assim:
de camionete, o pai e o vô me buscando e eu esperando de chapéu.
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