sábado, 14 de julho de 2012

Céu de Chapéu




Um dia o pai chegou apressado em casa, de camionete, o vô nem desceu. Senti falta, o Uísque pulando nele, lambendo a mão, fazendo festa de cachorro, mas ele querendo mesmo era um abraço do neto. Era sempre assim, ele abaixava com os braços abertos e eu corria, fazendo festa de criança. Meu avô. O pai entrou em casa foi carregando tudo: malas, cachimbos, canivetes, canetas, botas, tudo. Nem trouxe o jacá cheio de verduras do sítio. Uma vez veio cheio de jabuticaba. A gente passou o dia inteiro chupando e depois foi difícil ir ao banheiro. Quando era milho demorava ir descascando as espigas, então a gente conversava bastante. E ria, ele contando aquela vez que a vaca deu a luz à bezerrinha de noite, foi uma alegria só. O vô ficou esperando no carro e ele foi saindo rápido, deixando pra trás um sobretudo preto, engomado, o terno do casamento, a caixa de ferramentas e um jeito bonachão de me carregar nos braços. Engraçado, ele leva o maço de cigarros no ombro, por dentro da camisa e usa cinta de couro com porta canivete, calça jeans e bota. Me deu a Serena de presente, a égua mais bonita do sítio. Galopa que é uma beleza e gosta de passeios no pomar. Desta vez, o pai me explicou, eles iam sozinhos e eu ficava. Como fiquei. A camionete saiu roncando, o vô abanou a mão por cima da cabeça e o pai soltou uma buzinada. Só para mim a buzina. Eu, meu pai e meu vô, a gente tem um lugar só nosso. Na beira do lago, no lado do sítio perto da avicultura, ali onde um dia viveu o Fuscão Preto, um dog alemão que na minha lembrança era mais alto que a Serena, foi meu primeiro cavalo. Vivia dormindo ali na porta de entrada do escritório do sítio. Este lugar nosso. Parede branca caiada, porta azul, chão quente, feito especialmente sob a sombra de muitas árvores. Um dia o vô abriu o armário, armário mistério, eu sempre curioso. Tirou um chapéu pequenininho, disse que era meu. Até hoje guardo ele comigo, junto com a história que um dia aconteceu, da Fábrica de Chapéu. O vô enchia os olhos de lágrimas, porque ali era feito só pra nós três. Ainda é feito, este lugar. Na porta do meu coração, quem chega vê logo o Fuscão Preto. O armário, as mesas, o chapeuzinho, tudo lá. Outro dia, voltando pra aquele pedaço de terra, vieram me contar a novidade. Uma capela construída ali em frente ao escritório. Quando entro pra rezar dou de frente com São Sebastião. Fico rindo, o vô sentado na cadeira ao lado e o pai esperando na porta. Foi motivo de festa. O encontro daquela semana, lá naquele lugar só nosso, rendeu muito conversar. E assim tem sido sempre, desde daquele dia em que saíram depressa na camionete. A gente vive se encontrando no nosso lugar sagrado, só nós três, é o combinado. E eu digo pra eles, que quando o céu chegar pra mim vai ser assim: de camionete, o pai e o vô me buscando e eu esperando de chapéu.           

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