quinta-feira, 27 de maio de 2010

Experiência Jurídica

O rapaz me conta entusiasmado as sua impressões da faculdade. Está no terceiro ano de direito na universidade católica e os olhos brilham indignados com o comodismo e o pouco caso dos professores e dos burocratas do mundo jurídico. Há pouco tempo tentou o centro acadêmico, a vida estudantil engajada e não demorou a vir a mesma frustração. Segundo ele, são de três tipos: maconheiros ripongas pseudo-revolucionários, oportunistas loucos por um lugar no planalto federal e malucos que acreditam mesmo na revolução e sonham com maio de 68. (Ao menos o garoto está bem informado, ou é um ótimo observador...) Entre trampolins e o doce teatro dos sonhadores, eis a vida centro-acadêmica! Aliás, por falar em teatro, a sua segunda experiência foi num grande escritório de advocacia, moderníssimo, desses obcecados por termos em inglês, com clientes ainda mais moderníssimos e muito chiques. Comprou terno, aprendeu a falar jurisdiquês, a fazer fórum e a verificar pasta de clientes. Ficou quatro meses, o que me levou a desconfiar da sua idoneidade, afinal de contas ninguém sobrevive quatro meses em um ambiente hostil. Mas ele insiste em garantir que a experiência foi péssima e eu até me comovo. Estes jovens... Mas, como diria um amigo meu: tudo é experiência! E de experiência em experiência o rapaz adentra no mundo do direito! Agora está empolgado com o novo estágio no Tribunal de Justiça do estado, junto a um desembargador: finalmente verei o lado da Justiça! Além disso, conta-me alegre sobre um grupo de estudos que acaba de montar com os amigos na faculdade, todos tão indignados como ele e dispostos a agir! Alguns professores os apóiam, é preciso discutir temas novos, propor mudanças, compreender o que se passa, é urgente criar! Que otimismo, meu Deus, que otimismo... Dá gosto de ver! E você, o que tem feito? Bem, quanto a mim, olho para esse menino, nem tão mais novo do que eu e não quero enxergar nele o rapaz de terceiro ano que ainda mora em mim. Eu, como homem mais velho, três anos de formado, tenho obrigação moral de dar-lhe um parecer, de mostrar-lhe os seus equívocos, indicar caminhos! Nem que seja apenas para proteger a minha auto-estima: é preciso negá-lo! (afinal já são três anos de profissão e quase seis de experiência de vida acumulada desde o terceiro ano de faculdade. Um mar me separa deste fulaninho...). Tenho o dever de traçar um perfil completo da carreira jurídica, da situação da justiça no país, dar-lhe dicas a respeito da vida profissional, indicar-lhe estágios, contar sobre amigos bem sucedidos. Preciso negar esta saudade inconfessável, esta nostalgia de uma inocência que pouco a pouco é devorada pela “experiência”. Mas que tolice sem tamanho: por onde começar a desmascará-lo? Sintoma de quem está ficando velho... Mas como velho, se nem cheguei aos trinta? (culpa desses amigos que insistem em começar a casar e ter filhos...). Talvez perigo de ficar velho, não na idade, que esta só com os anos vem. Mas eu disse-lhe alguma coisa de que me orgulhei de dizer (afinal de contas não poderia deixar o menininho me vencer desta forma e ir embora na tranqüilidade). Ergui a voz em tom solene e proclamei a verdade, como se ela já tivesse sido revelada a mim pelos anos que nos separam: “O segredo, meu caro, é não sucumbir!”. E rimos juntos: o rapazinho feliz por ter sido ouvido e eu contente por ter conseguido expressar um pensamento tão digno da minha “experiência”! O cenário estava pronto para a descida das cortinas, era só virar as costas e partir: ele para os seus anos na universidade e eu para a minha vida profissional. Mas não é que o maldito rapazote ainda teve a coragem de me perguntar se o estudo para concurso era assim, digamos, “um pouco alienante... muito decorar...”. Ou as leituras são interessantes e realmente importantes? Uma poesia, meu rapaz! Uma poesia só! Agora, faz o seguinte: Volta lá para o seu grupo de estudos da faculdade e, por favor, deixa-me em paz!

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