sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Fundação





O
 muro que se estende sobre a paisagem que avisto da janela me interroga. Um muro com curvas familiares. A janela também, muito familiar. A ardósia escolhida como piso há alguns anos atrás, a vista do armazém ao fundo, a Igreja em que fui batizado. Brotam destes prédios alicerces invisíveis que rompem a linha do horizonte e do tempo. As horas continuam incessantes, porém sigo em meu ritmo e descubro que tenho margem. Não me deixo inundar pelo embalo indiferente dos segundos. Tenho a minha história, que corre pelo leito rasgado no chão em que nasci. Longe da aparência agitada e cosmopolita das grandes cidades, a vida se perfaz cotidiana, nos bairros, nas ruas, nas casas, tomadas pelos passos dos que ali moram. Em nenhuma outra estação pode um homem se reconciliar. Ainda que a inquietude o leve à aventura de correr o mundo, muitas vezes a longa jornada só termina quando, finalmente, ao encontrar uma terra amável em que decide ficar, surpreende-se ao reconhecer tão-somente a sua pátria. Diz-me o muro: sulca o teu caminho, crava a tua herança. Sem margem trasbordas no vazio. Marca, entalha, deixa rastro. Estes são os vestígios que te reconduzirão, na confusão do espaço e do tempo, até as raízes que te geraram. Para que sempre possas retornar a elas, como o tropeiro no entroncamento de estradas. Para ti sempre haverá um porto seguro aonde chegar e donde partir. Um misterioso lugar, a que os sábios dão o nome de lar.


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