sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sobre Caminhança II

Não vou dar conta de desenvolver aqui tudo o que tenho a dizer. Faço umas pinceladas apenas. Talvez mais tarde, com um pouco mais de tempo. Fica o bate-papo. Uma centelha! Confio na nossa intimidade... às vezes meias palavras bastam. É uma tentativa de diálogo com o o texto "sobre a caminhança" do caminhante João Augusto (por isso tive a ousadia de intitular este meu texto de nº II). A vocação é um dos temas mais importantes deste espaço. E é bom que seja assim, afinal de contas deve mesmo ser o tema mais importante das nossas vidas (vocação em seu sentido mais amplo). Apenas gostaria de dizer que tive uma reaproximação recente com o universo do Olavo, o que me permitiu alguns insights importantes (interessante como o afastamento e retorno a um grande autor pode ampliar a percepção da sua obra de forma inimaginável... o que parecia ter-se esgotado ressurge como uma fonte vigorosa - não que alguma vez tivesse a pretensão de esgotar os ensinamentos do Prof., é claro, mas falo no sentido da minha experiência pessoal com a obra dele). Difícil escrever sobre minhas conclusões por enquanto. Sinto que ainda não sou capaz de articular tudo. O processo ainda se destila dentro de mim. Mas arrisco algumas observações, em consideração, inclusive, à carta partilhada pelo João há alguns posts atrás.

A questão sobre a vocação e as decisões de vida envolvem uma questão anterior e com elas intimamente ligada, a autoconsciência. Não é possível compreender a própria vocação, nem corresponder à ela por uma decisão, se antes não tomarmos consciência da nossa própria condição existencial, seja internamente, seja exteriormente. É preciso, antes de tudo, conhecer estas condições, para em seguida iniciar um processo de compreensão e absorção destas circunstâncias, para que elas possam nos impulsionar à nossa verdadeira vocação. Mesmo aquelas que aparentemente parecem hostis, devem se integrar neste plano maior de nossas vidas. Estas circunstâncias envolvem desde questões de caráter e temperamento, a personalidade, história familiar, até o contexto histórico e social em que vivemos. Tudo isso compõe a nossa existência neste mundo.

Enfim, não digo nenhuma novidade. E pior! Digo de uma forma improvisada, pobre, muito distante do original. Por isso, convido a que leiam e assistam o Prof. Olavo tratando destes assuntos: é simplesmente maravilhoso! Desculpem, fiz apenas para criar o contexto para dizer que grande parte da nossa crise, do nosso sofrimento, não é apenas nosso, mas diz respeito a algumas condições em que estamos vivendo. Gostaria com isso apenas de complementar as reflexões da carta do João, acrescentando este aspecto que considero essencial: o fato de vivermos no contexto de um declínio cultural, de uma crise civilizacional. Boa parte da obra do Olavo é dedicada a entender justamente esta crise. Mas vejam bem. Não é por acaso que ele se dedica a isto. É porque esta é a sua condição existencial. Ele, enquanto filósofo jamais poderia partir de outro lugar. Ele só pode conhecer filosoficamente qualquer coisa, da mais simples bactéria até o universo, a partir de si mesmo. O ponto de partida é sempre este. Puxa! Isto muda completamente a forma de compreender o seu pensamento (e a sua vida). Não sei se consigo me fazer entender. Demorei para perceber isto com profundidade.

Pois bem. Conosco se dá o mesmo. Boa parte da nossa crise está ligada ao fato de que vivemos todos os dias caminhando por uma cultura que esta desmoronando. Esta desintegração está diante de nossos olhos e sofremos com isso. As reações são as mais diversas, mas a dor é a mesma. Pode ser um insolente cinismo, pode ser um humor escarrado, pode ser a depressão ou o esculacho, ou um utilitarismo materialista... Essas são algumas reações comuns hoje em dia. Porque ainda que não saibam, as pessoas estão reagindo a seu modo, mesmo que não o façam com toda a consciência.

Ser juízes, defensores, promotores? Sim. Mas nesta Justiça? Quem é capaz de esconder as pilhas de processo, o descompromisso generalizado, o comodismo do funcionalismo, a burocracia, as leis injustas, o caos legislativo... E, pior do que isso, toda a crise do pensamento jurídico, moral, filosófico que está por trás. Por isso sofremos. Esta é a verdade. Portanto o problema é anterior à própria vocação. E não temos como fugir. Esta é a nossa condição, e a condição que teremos que enfrentar. Abraçar (como não lembrar de Jesus pedindo para que abracemos a Cruz).
  
A imagem do náufrago é perfeita. Terrivelmente perfeita. Não adianta ficarmos fingindo que não. Temos que conhecer, compreender e absolver esta circunstância. Mesmo no naufrágio, há muito o que ser feito. Só encontraremos o sentido de nossas vidas se considerarmos realmente esta condição. Sem resistir, sem lamentar. Senão nos frustraremos. Vamos desanimar sempre. Não! Coragem e enfrentamento! Sem fugas... para salários, comodidades, viagens, títulos, poder... Sem o cinismo e a gozação tão presentes... (lembro de um juiz que conversei...). É possível sim encontrarmos o verdadeiro sentido de nossas vidas em meio ao naufrágio. Mas para isso temos que aceitá-lo. Se não seremos absorvidos, seremos mais uns burocratas tristes e infiéis. A resposta à nossa vocação dependerá disso. Sofrer sim. Mas com sentido, com magnanimidade! Fazer a vida valer a pena! 

O Olavo é um exemplo vivo disso. Vocação de professor, de filósofo. Circunstância: universidade brasileira, carreirismo, desonestidade intelectual etc etc etc...(sem falar nas outras inúmeras circunstâncias, pessoais, inclusive...se não me engano passou um longo período da juventude doente). Podem imaginar o sofrimento dele para encontrar um caminho de realização da sua vocação em meio a tantas circunstâncias hostis, a sua luta para encontrar o sentido da sua vida? Este é apenas um exemplo. Sobre isso ele escreveu (trecho do texto que postei antes deste):

"Mas nada proíbe um escritor de dirigir-se, em suas obras, aos sobreviventes do naufrágio espiritual do século XX, na esperança de que existam e não sejam demasiado poucos. Acossados pelo assédio conjunto da banalidade e da brutalidade, esses podem conservar ainda uma vaga suspeita de que em seus sonhos e esperanças ocultos há uma verdade mais certa do que em tudo quanto o mundo de hoje nos impõe com o rótulo de "realidade", garantido pelo aval da comunidade acadêmica e da Food and Drug Administration. É a tais pessoas que me dirijo exclusivamente, ciente de que não se encontram com mais freqüência entre as classes letradas do que entre os pobres e os desvalidos".       

Para concluir, penso que o sentido de nossas vidas sempre estará no amor, na caridade, como ensinava Viktor Frankl, outro grande exemplo. Do nosso "holocausto", do nosso naufrágio, só sobreviveremos por amor. No fundo, trata-se de darmos uma resposta amorosa ao dom da vida que recebemos, seja como juízes, como professores, como pais, cada um segundo a sua vocação especial. O Prof. Olavo tem dito muitas vezes que ele está chamando os seus alunos para uma obra de caridade. Pensem na profundidade do que isto significa...

Para finalizar, sugiro um grande filme: CLIQUE AQUI - "DETACHMENT"

Foi sugerido por um aluno do Olavo que está coordenando o IFE-Curitiba, Francisco Escorsim, nesta palestra bastante interessante: CLIQUE AQUI

Na verdade ele sugeriu que o pessoal assistisse o filme antes da palestra. (lá pelas tantas, inclusive, o professor personagem do filme sugere aos alunos o exercício do necrológio...) 

Com isso termino minhas colocações. Espero que tenham algum proveito. 

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