Bem vindos amigos, bem vindos ao
fantástico teatro musical de Richard Wagner! Todos nós já ouvimos falar de
Wagner, mas na verdade poucos conhecemos sua obra. De minha parte, sabia ser
ele o autor da Cavalgada das Valquírias,
utilizada como trilha sonora no filme Apocalypse
Now, de Francis Ford Coppola, quando helicópteros americanos chegam em
rasante nos campos de guerra no Vietnã. Além disso, tinha a idéia absurdamente
equivocada de que Wagner tinha algo a ver com o nazismo, porque era o
compositor predileto de Adolf Hitler. Bobagem.
Então, chega de conversa mole e
permitam que eu apresente algo deste grande músico: Richard Wagner.
Como poderíamos esperar, Wagner foi
bastante influenciado por Beethoven. Nasceu em 1813, em Leipzig, e faleceu em
1883, em Veneza. Para alguns, Richard foi o último
romântico, em alusão ao tipo de composição. No texto sobre o Concerto
estudado de Beethoven dei uma imagem simplificada da distinção entre
classicismo e romantismo. Pois bem, Wagner pode ser considerado um compositor
de tipo romântico, porque sua música atinge diretamente nossas emoções de
maneira abrupta, tem contrastes claros, é recorrentemente eufórica, eu diria.
Seus contemporâneos são Verdi (nosso próximo maestro a ser saboreado), Liszt,
Mendelssohn, Brahms e Mahler.
Wagner dedicou sua vida a escrever
óperas. As históricas que conta são grandiosas, repletas de heróis,
inspirando-se em novelas de cavalaria, em mitos germânicos e coisas do gênero.
Suas principais obras são: Rienzi
(1842), O Holandês Voador (1843), Tannhauser (1845), Lohengrin (1850), Tristão e
Isolda (1859), Os Mestres Cantores de
Nuremberg (1868), a tetralogia O Anel
do Niebelungo, que agrega O Ouro do
Rêno (1869), A Valquíria (1870), Siegfried (1876) e O Crepúsculo dos Deuses (1876), e por fim Parsifal (1882).
Este texto refere-se aos Mestres Cantores de Nuremberg, feito
logo antes da famosa tetralogia. Mas, antes de adentrarmos na peça, deixem-me
dizer algo mais.
A história de relacionar Wagner ao
nazismo é uma grande besteira. De fato, Hitler teve entre seus admiradores
Winifred Wagner, que não era descendente de Wagner, mas sim a viúva de seu
filho caçula, Siegfried. Wagner viveu muito antes do nazismo. É verdade que o
partido nazista utilizou Wagner como propaganda, para afirmar a superioridade
da música alemã frente aos judeus, como Mendelssohn. Nesse contexto, alguns
enxergam na obra de Wagner anti-semitismo, o que em minha visão é uma leitura
ideológica exagerada.
Em primeiro lugar, é possível fazer
outra exegese dos personagens ditos representantes do judaísmo. Segundo, quem
ousaria acusar Shakespeare de anti-semitismo apenas porque utilizou uma figura
judia como vilão na peça O mercador de
Veneza? O preconceito é reforçado porque Wagner escreveu ensaios criticando
a cultura judia, como parte do debate que tinha contra seus concorrentes,
Mendelssohn, por exemplo.
Mas ocorre que Wagner ao longo de sua
vida sempre contou com amigos judeus, e muitos de seus colaboradores eram
judeus. Um erro muito comum hoje em dia é julgar um personagem antigo com os
olhos de hoje. Qualquer pessoa que tenha feito críticas ao povo judeu é visto
como contribuinte do nazismo. Bravata! De acordo com tal linha de pensamento, se
no futuro algum facínora comandasse um assassinato em massa de argentinos, os
torcedores da amarelinha seriam todos taxados de genocidas.
Eu não sou estudioso de Richard
Wagner, nem pretendo ser seu biógrafo, mas acredito que a difamação contra sua
pessoa é devida em boa parte à ignorância, ao preconceito, e à cegueira
ideológica. Deixemos essa acusação ociosa, e reconheçamos o grande artista
alemão, que nos deixou um legado de música, de histórias e de valores cantados
nas mais finas notas e acordes.
Pois bem, nossa análise não será
sobre a ópera inteira, mas apenas do prelúdio.
É procedimento comum entre os
compositores trabalhar o prelúdio ao
final. O método faz todo o sentido, porque após ter a obra praticamente
completa, o artista faz um breve resumo da história que contará, uma síntese
para acostumar os ouvidos, um anúncio do que há de vir, enfim, um prelúdio.
Nem sempre é assim. Outras vezes, o
músico pode utilizar o prelúdio como
peça autônoma, sem repetir ou, melhor dizendo, sem antecipar o conteúdo
posterior. Segundo aprendi, em Lohengrin
o prelúdio é algo assim, autônomo.
Mas aqui não. Imaginemos a cena. Munique,
1868: estamos chegando a um teatro em nossa carruagem, nossa dama perfeitamente
vestida, falando sobre a vida social das outras madames, ambos ansiosos pela
estréia da ópera, bem como por encontrar os conviventes do mundo da arte.
Entramos no recinto, retiramos nossa casaca, nosso chapéu, talvez tomemos um drink ao bar, fumamos um charuto, e nos
dirigimos para os nossos lugares, cumprimentando cordialmente nossos conhecidos
ao longo do caminho.
As cortinas permanecem fechadas.
Entra a orquestra, seguida pelo maestro Hans von Bülow, todos aplaudidos
efusivamente. E assim começa a música, sem descerrar o véu que esconde ainda os
atores. É o momento para nos acostumarmos com o novo ambiente, para pouco-a-pouco
sermos transportados para aquele universo de fantasia.
Este prelúdio é assim. Vamos ouvir
como que o resumo da ópera. Wagner
compôs uma peça repleta de trilhas, com uma simultaneidade de assuntos, camadas
sobrepostas, com diversas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Por isso, como já
aprendemos antes, é preciso que encontremos aquilo a que nos agarrar, um ponto
para nos fixarmos, e de onde então seremos capazes de olhar para o restante: o tema.
Ouçamos pela primeira vez. Pode-se
seguir o texto com a música tocando (eu aviso quando é necessário repetir ou
ouvir uma parte específica).
A abertura é forte, em tutti orquestral (todos os músicos
tocam), apresentando o tema A. As
cordas tocam Do maior, seguido de
três vezes a nota Sol. Trata-se de
uma quarta descendente: Do (tempo) –
Sol (tempo) – Sol (meio tempo) – Sol.
O caráter é predominantemente rítmico.
Reparem nos ataques dos tímpanos (uma espécie de tambor).
Ouçam até 0:36, duas vezes seguidas e
depois deixem seguir livremente.
Nós embarcamos na melodia facilmente.
Não demora nada para sermos levados para o mundo da música. Note-se que aqui
temos um motivo musical bem sucinto,
que será explorado depois. Ou seja, temos como que uma célula musical
sintética, que pode explorada de várias formas.
Do mesmo que na 5ª sinfonia de
Beethoven (pam, pam, pam, paaam),
temos também poucas notas em conjunto, mas de caráter acentuadamente rítmico, como já assinalamos. Ou seja,
aqui a célula musical criada se insinua mais pelo ritmo.
Isto é feito mediante uma técnica: o
uso dos intervalos de quarta. Quero
dizer que a distância entre uma nota
e outra, isto é, o intervalo – como
se fala em música – é de quatro, de quatro notas, obviamente. A música está
sendo composta como de células com o mesmo tamanho,
que se iniciam em um ponto x e que
terminam no ponto x+4.
Assim: uma das vozes (um dos grupos
de instrumentos) toca notas descendentes
de Do até Sol (Do-Re-Mi-Fa-Sol: entre Do e Sol temos um intervalo de quatro
notas). Isto é feito com diversos grupos de notas, sempre com intervalos de quarta.
Como já sabem, não vou me aventurar
em dar muitos pitacos técnicos, já que estaria abusando do direito de falar
sobre o que não sei. Então, vamos para uma abordagem mais artística, onde o
direito de errar é maior, já que não é importante assegurarmos nossa visão como
a única ou a melhor, bastando que seja possível e que nos ajude a apreciar
melhor a beleza do espetáculo.
Esta peça musical tem uma lógica
interna tão bem acabada que se sustenta sozinha. É dizer, o prelúdio podia
muito bem ser o movimento de uma sinfonia. Tanto é assim que a Osesp tocou
apenas trechos da peça, acompanhando o prelúdio, prescindindo de encenar a
ópera inteira.
Neste caso, sendo o prelúdio um
típico resumo da ópera, vale a pena
sintetizarmos a peça.
Os
Mestres Cantores
contam a história de Walter, o herói que se apaixona por Eva, a princesa
querida por todos. O rei organiza um concurso de canto, e quem o vencer se
casará com a princesa Eva.
Vamos ouvir mais uma vez o começo do
prelúdio.
Para mim a entrada é simplesmente
perfeita, trazendo o clima certo para o início de uma história romântica.
Podemos imaginar um vassalo do rei lendo em praça pública o anúncio do
concurso, a princesa olhando pela janela da torre, o herói sentindo crescer a
força necessária para o desafio.
Mas para concorrer, é preciso ser
aceito na confraria dos Mestres Cantores.
Walter faz sua apresentação, mas é rejeitado! Dizem que ele é demasiado original...
O herói se lamenta com a derrota tão
precoce. Porém, um senhor percebe seu valor e ajudará Walter a entrar no
concurso.
O concorrente de Walter é Beckmester,
que acaba por espionar o herói, para roubar-lhe a composição. Eu não assisti à
ópera inteira, então, meu relato pode estar cheio de imprecisões. Mas como aqui
o importante é a arte, e não a fidedignidade, não vou conter minha imaginação.
Pensei em Walter nos bosques
próximos, fazendo sua canção (aos 4:05 do vídeo). A canção aqui é justamente
nosso tema B (para gravarmos bem este
tema, ouçamos pelo menos mais duas vezes o trecho entre 4:05 e 4:20, depois,
deixem seguir).
Temos a tensão pela presença do
bisbilhoteiro, que deseja roubar a música: vejam aos 5:10. A peça, entretanto,
tem graça, e ouvimos vários sons cômicos em seguida, contrastando tensão e
comédia.
Nestes momentos de comédia, penso em
Beckmester, espertalhão, que cria o maquiavélico plano de roubar a melodia
alheia, porém é desastrado, e acaba se dando mal. Ele canta a canção, mas sem
densidade, sem verdadeira paixão, sem habilidade (ouçam aos 5:22, é o tema B, mas sem brilho, meio brincalhão).
Aos 6:34, temos uma queda brusca,
denotando muita tensão, o clímax. As trompas tocam o tema A. Neste trecho, penso na dúvida se o herói realmente
conseguirá competir e ganhar a mão de sua amada.
Desembocamos em seguida na canção de
Walter, o tema B, mas agora
lindamente apresentado, de forma completa, harmonizando a orquestra inteira
(início aos 6:52).
Aos 7:41 se iniciam alguns ataques do
tema A. Estes ataques acontecem
diversas vezes – 7:46, 7:49 etc. –, seguindo esta mesma forma até 8:01, quando
os tímpanos voltam a ressoar, trazendo a marcha inicial da peça.
Aos 8:24 já percebemos que o final do
prelúdio está próximo (e o começo da ópera, para os que estão no teatro, se
avizinha).
Nosso herói é o vencedor. Ganha o
concurso, se casa com a princesa, e o resto vocês já sabem...
Aos 9:18, o tema A é repetido de forma mais solene, um clima mais régio, de
coroação. E, finalmente, aos 9:23, o ritmo é reduzido, e aos poucos a orquestra
termina.
O mundo de Wagner é assim: nos deixa
intensamente comovidos, desejando que este prelúdio realmente faça as cortinas
abrirem, e que possamos apreciar todos os detalhes desta ópera do mestre dos
mestres.
Genial! Lindo! Estupendo!
ResponderExcluirBravo! Que bela aula, meu caro!
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