quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Rei Destronado

Finalmente, descubro que o mundo não sairá ao meu modo. Descoberta tardia, talvez, neste grande mistério do nosso amadurecer. Porque não nascemos prontos, afinamos e desafinamos ao longo da vida, como diria certo Riobaldo das Veredas do Grande Sertão. Mas estou feliz. Perdi o posto de criador do mundo, mas com ele foi também o peso de carregá-lo. Como criatura posso descuidar um pouco, fazer pausa pra descanso e até, quem sabe, errar. Depois dizem que tendo fé fica mais fácil... Que difícil mesmo é enfrentar a vida sem muletas... A esses respondo: difícil mesmo, imbecil, é crer! Facinho, facinho, é olhar o mundo e perder a esperança. Isto fazemos sem querer, basta relaxar os músculos. Para encontrar a angústia e o desespero basta um dia escuro ou qualquer contrariedade mínima, sem esforço nenhum.

Por isso, não perco meu tempo com existencialismos, o exercício ridículo de intelectualizar a morte. Como aquele homem se afogando no rio que, em má hora, resolve tentar compreender a sua natureza, ao invés de nadar rápido para a margem. Que falta de senso prático, para dizer o mínimo... O que precisamos é salvação e não masturbação mental. Ou você, por acaso, pensa que o seu vazio é único e irreparável? Mas que tamanho de umbigo, meu caro! Não se preocupe, o seu vazio é igual ao meu e ao do seu vizinho. Portanto, abandone este pedestal dos grandes heróis da náusea. Saia desta fossa prazenteira, desta tristeza de fazer gozar e vá buscar algum motivo sério para sofrer. Mas sofrer de verdade, até o osso, que é pra ver se agüenta sozinho! Daí, então, vá estudar a vida dos santos... Mas não fique só nos milagres e na alegria cristã. Concentre-se, principalmente, nas perseguições e penitências, nas orações e nos jejuns. Gostou da muleta? É bonitinha, tem forma de cruz, quer comprar?

Digo mais... O pior de tudo mesmo nem é não ser rei, nem dono do mundo. Doído pra valer é aceitar não ser dono de nada, nem do próprio nariz. Porque uma hora crescemos, a adolescência passa e a euforia de sair de casa também. Animados, vamos morar sozinhos, achando que agora sim, as coisas sairão do nosso jeito. E de repente vem casamento e a casa não é mais só nossa. Depois vêm os filhos, a casa se enche de novo e fica sobrando, de repente, um sofá exclusivo na sala. Ficamos contrariados, cheios de responsabilidades, mas ainda ostentamos o posto de chefe da casa. Então, chega o dia da grande constatação. Acordamos de manhã e descobrimos que a nossa casa vive é no mundo, que o mundo tem outro dono e que a nossa vida existe é nas mãos Dele. É terrível!

Porque era cômodo enquanto Ele ficava no canto Dele à disposição para quando eu precisasse. Nós tínhamos um acordo: eu decidia a minha vida, cuidava dos meus negócios, tentava ser um homem bom, enquanto Ele me ajudava. Funcionava muito bem. Foi um tempo tranqüilo entre nós. Mas um dia Ele resolveu querer mudar e complicar tudo. Fiz cara feia, não gostei. Mas o que eu senti mesmo foi medo quando percebi que não estava em condições de distratar. Então, baixei os olhos e acatei a ordem, como um empregado ao seu patrão. Obrigado ninguém é, esta é a grande verdade. Mas ponderei e achei que valia a pena.

Ele é um bom patrão, em quem se pode confiar. E depois, pensando bem, concluí que agora sim ganhei um pai, como ensina a religião. Porque antes Ele era uma espécie de avôzão, sempre do meu lado, rindo e achando graça das minhas peripécias. Ou um grande parceiro, um amigo para horas difíceis, para visitas aos domingos. Agora é diferente. Ele ama, cuida, mas exige bastante de mim. Passa dever de casa, cobra a lição, analisa o boletim, é um saco! Mas eu gosto. Às vezes aborreço, acho-O intrometido, querendo ser mais pai para os meus filhos e mais marido para a minha esposa do que eu. Mas aceito que seja assim.

Com Ele, a chefia lá em casa ficou mais leve, desde que passei a ser apenas o seu zelador. Ele me pôs no mundo foi para cuidar deles, para amá-los e protegê-los durante a travessia. Tem coisa mais linda? Não fico triste, não. Presto contas com alegria. Muito angustiosa e desesperada é a luta maluca para ser o que não se é. Não fico desapontado de ser um rei destronado. Porque, na verdade, nunca houve um reino meu algum, loucura da minha cabeça avoada. Paz é descobrir o próprio lugar e ocupá-lo obediente. Dá trabalho, não é fácil, mas é uma grande libertação!

No início, pensamos que podemos escolher tudo, que vamos traçar nosso próprio caminho até a felicidade desejada. Tempo sombrio e dificultoso, cheio de perdas, derrotas e falsas ilusões. Até desfilamos o rosto bem sucedido para os amigos, mas quando a luz apaga e a esposa pega no sono, o que fazemos e entrar de baixo da cama para chorar, feito um menino com medo do escuro. Porque, no fundo, sabemos que não vamos dar conta! Depois disso tudo, descobrimos que é assim que Ele age: fica esperando esta nossa primeira aventura fadada a nada, só pra ver a nossa volta, de mansinho para os Seus braços, entregando os pontos por vontade própria e convencidos de que vai ser melhor assim...

Espécie de liberdade assistida, pois não permite irmos tão longe a ponto de não sabermos mais voltar. De algum jeito preserva dentro de nós alguma fidelidade e planta muitas pistas ao longo da caminhada. O Seu chamado é contínuo e intenso e quando nosso ouvido afina é fatal. Caímos de joelhos e entregamos tudo, como Ele queria desde o princípio. Não nos toma nada, quer uma oferta, um ato de vontade gratuito e total. Assim é o Seu amor. E o mais estranho é que ganhamos tudo, justamente quando tudo perdemos. Então, compreendemos, finalmente, esta contraditória sabedoria. E aquela grande dor do nosso orgulho ferido se revela apenas uma pedrinha incômoda no sapato: basta tirá-lo, chacoalhar um pouco e pronto. Porque a pedra o Pai dá conta de eliminar.

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