quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Nosso Mestre Miguel Reale

“Existir é resistir”

"Faça do jurídico o justo"



Aos caminhantes trago a visita deste nosso ilustre mestre (a quem tenho por “chará”, inclusive). Acredito que as suas sábias palavras hão de trazer um novo espírito a este nosso pequeno espaço, cujo silêncio não é apenas acidental, mas talvez guarde consigo o reflexo das atuais circunstâncias. Quero dizer apenas algumas palavras, antes de deixá-los a sós nesta conversa íntima com nosso professor.

Eis aí o retrato do que chamamos “exemplo”, tão raro em nossos dias: presença profunda que comunica, misteriosamente, a inspiração capaz de saciar a sede de um coração jovem. Como um filho deste tempo, coro meu rosto diante da inteligência e força de vida deste homem que tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente. Diante dele temos a certeza de que não pertence apenas às lendas a virtude dos grandes homens, cujos caminhos se perdem, sem explicação, na obscuridade em que estamos mergulhados. O relativismo e a perda de referências nos ameaçam e é inevitável o sentimento de falta de sentido e a desesperança que tantas vezes nos acomete, às vezes de modo tão sorrateiro.

Porém, felizmente, estas raras presenças resistem ao tempo e renovam nossa força de vontade. Pois temos descoberto alternativas, atalhos no escuro, caminhos inusitados e estreitos. Em meio às trevas vamos encontrando os errantes que como nós não desistiram e, junto deles, alguns preciosos mestres, nossos guias na escuridão. Temos esperanças e possibilidades, porque há verdadeira luz que nos acompanha. Estamos conscientes dos perigos e dos inimigos que nos rodeiam. Contamos com a força de nossas raízes e a pureza persistente dos valores que recebemos por tradição. Estamos firmemente apoiados em nossas famílias e em nossos amigos. E tudo isto recebemos das mãos poderosas de nosso Pai misericordioso, que jamais nos abandona.

É por esta razão que não estou mais disposto a entregar-me a meus corriqueiros lamentos quanto à situação atual em que nos encontramos, tantas vezes acompanhados de um negro desânimo. Não quero mais reclamar o paraíso perdido (perdido, aliás, desde Adão e Eva, convém lembrar...), nem cultivar a nostalgia de um tempo passado a que não pertenci. Também não quero a ilusão de um futuro incerto, nem o desespero dos que resolveram se entregar. A melancolia, a tristeza, o medo, a malícia, o dinheirismo, o hedonismo, a curtição, são as filosofias dos fracos e das vítimas.

Eu quero seguir os fortes, os sábios, os santos, os heróis. Quero abraçar o tempo presente como o dever que me cabe. Não cederei mais as ilusões deste mundo de mentiras e enganação, nem a tentação de desejar outra realidade. Que seja feito neste tempo o que este tempo permitir. Que o nosso testemunho seja o testemunho dos resistentes, dos corajosos, dos fiéis, que perambulam nestas terras como estrangeiros, porque sabem que a elas não pertencem. E que não esqueçamos jamais que somos filhos desta grande miséria e o nosso coração é o campo da nossa batalha primordial.

No mais, meus caros, estejamos unidos, porque sozinhos facilmente perecemos. Na nossa amizade encontro uma grande força, mais do que seria capaz de expressar. Tomemos juntos e resolutos a direção do sacrifício, da humildade e do amor, iluminados pela fé na vida eterna e convencidos de que a vida deste mundo é passagem, é peregrinação, é caminhança. Com esperança e fidelidade sigamos resistentes as lições do nosso mestre Reale, abraçando corajosos a luta do nosso tempo!


Programa Roda Viva, entrevista no ano 2000, aos 90 anos




Homenagem das Arcadas, em 2005, aos 95 anos




3 comentários:

  1. Maravilhoso o Professor: "Eu enfrentei as dificuldades da vida com a consciência da responsabilidade".
    Meu fiel Miguel, novamente vem acordar o blog. De minha parte, estou assando no forno alguns textos, devem estar esturricados de tanto que aguardam...
    Apenas, meu amigo, lembro que, como você mesmo depois afirmou claramente em seu texto, não somos "filhos deste tempo", somos filhos de muitos tempos. De tempos antigos, imemorais, onde estavam Sócrates, Platão e Aristóteles, onde apareceram os santos e suas vidas, onde enfim nasceu, viveu, morreu e ressucitou Nosso Senhor.

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  2. Praticamente, um despertar vigoroso de quem compreende como ninguém a realidade em que se encontra inserido. Da "nostalgia de um tempo passado a que não conheceu" senti o revolver de conversas antigas, quando além de incipiente, nossa caminhança era ainda inconsciente. Já caminhávamos desde aquela época, sem sabermos ao certo para onde iríamos, mas já demonstrando a insatisfação e o desejo de compreensão do todo que nos move até os dias atuais. Sigamos em frente, sem jamais esmorecer.

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  3. Estamos no caminho certo. Seguimos inconscientes o que o professor nos disse: na entrada da faculdade são três poetas que dão as boas vindas... Ora, a caminhança desde o início foi muito mais do que o jurídico, ou melhor, poucas vezes voltou-se para o jurídico com grandes preocupações normativas... Sempre foram os problemas ligados aos fins do direito que perturbaram os caminhantes...

    "O jurídico é uma pobre e triste coisa, como dizia Carnelutti, se não for acompanhado da ética, da emoção, do eterno..."

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