sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Reencontro em Ipanema

És tu, velho poeta,
Poetinha, velho amigo,
Por onde andavas?
Sarava, camarada!
És a lembrança viva
Da minha juventude.
(Eu, ainda, jovem,
com antecipada nostalgia...).
E tua tristeza, poeta,
Ainda insistes na melancolia,
No olhar vago, existencial?
Porque a vida
Apresenta-se a mim dura,
Porém tão infinita...
(Embora a poesia
tenha estado à beira
da minha luta diária).
Amaste alguma vez?
Tu que estiveste tão à procura,
O que encontraste?
Desejo de te negar,
Não a tua poesia,
Mas a tua vida,
A tua encardida biografia.
Mas me acalmo contigo,
Assim ao meu lado, fiel e amigo.
Ao te ver louco, amado,
Livre e belo, bonachão curioso,
Sofredor e chorão,
Como um bêbado,
Como um homem.
Ah! Companheiro distante,
Que nunca pude conhecer.
É a tua imagem que persiste
Ou a tua realidade?
Por que me visitas nesta hora estranha
Quando tudo parecia passado
A leve lembrança de um herói
De uma admiração passageira?



Não quero o teu destino,
Nego a tua vocação ao ócio,
Ao desprezo, ao descompromisso.
Porém que posso eu,
Diante de tuas palavras?
Afinal nasceste poeta, mais nada.
Nem poderia ser diferente,
Se a coragem te entregou à poesia
À custo da vida que te levou.
Valeu a pena?
A tua alma é grande, poeta!
A tua inconseqüência,
O teu desregramento tolo,
Tudo posto à margem
Por ela, a musa, a única amada
A quem foste fiel.
Chamam-te poetinha.
Eu porém, chamo-te Vininha,
Como aos teus amigos mais íntimos.
Diante de tua insistência,
De tua visita imprevisível,
Recebo-te como a um velho avô,
A quem as mãos ásperas
E a voz rouca,
Em movimento lento,
Faz tecer canduras.
A ti ofereço estes carinhos,
Pobre poeta, homem como eu,
Encardido como qualquer um de nós
Que recebemos a missão
De se aventurar nesta vida.
Abraço-te nestas palavras
E te peço perdão.
Fui ingrato, bem alimentado
Pela fartura da tua inspiração.
Amigo, irmão, de tantas horas,
Novamente, ainda agora,
Recebo o presente dos olhos teus.
E a doçura e a alegria
Que os dias não me dão,
Somente a tua poesia.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Questões de Direito (Nivaldo Cordeiro)

A impressão que tenho é que os milhões de mortos no altar da estupidez não deixaram lições preventivas, exatamente porque essa nefasta experiência não trouxe impactos no mundo jurídico.


Estou lendo o romance As Benevolentes, de Jonathan Littell (Rio de Janeiro, Objetiva, 2007) e já superei uma boa metade do volumoso livro. A narrativa é chocante, ali vemos que todas as leis e todos os marcos civilizatórios foram derrogados. Um delírio coletivo sanguinário tomou conta de toda a gente na Alemanha de Hitler. Penso que algo equivalente deu-se com a revolução bolchevique, tão sanguinária e tão genocida quanto. Diálogos inseridos pelo próprio Littell demonstram o parentesco ente o nazismo e o comunismo.
Littell, como Thomas Mann, fez do seu personagem um doutor. No caso, em Direito. Muito apropriado que um doutor em Direito, leitor de Kant, tenha aceitado alegremente ser um carrasco da SS. O próprio Doutor Fausto encarnado. O que choca no nazismo não é que o populacho, sempre infame e de instintos baixos e primitivos, tenha tido as rédeas do poder. Não! Foram os sofisticados intelectuais que aderiram sem peias ao irracionalismo homicida que redundou na hecatombe da II Guerra Mundial.
[Importa observar que no Brasil algo semelhante tem acontecido com a nossa classe letrada em relação ao PT. Alegremente deram sua adesão e seu consentimento. Por sorte este partido não teve forças para o terceiro mandato de Lula e não conseguiu governar o Estado de São Paulo, o que impediu até agora a tentação autoritária de governar por decreto. Mas o anseio para estar acima do bem e do mal não é escondido pelos petistas e é questão de tempo e oportunidade que se sintam à vontade para negar os valores elementares da civilização. Como na Alemanha, a adesão dos letrados se deu em simultâneo com a adesão dos empresários. Por isso que não há oposição no Brasil, como não houve oposição a Hitler.]
Nos últimos anos tenho tentado me dar uma resposta para essa questão da perda dos valores civilizacionais, o mergulho no irracionalismo genocida. A resposta que encontrei está no âmbito da filosofia política, com o respectivo desdobramento no campo do Direito. O corte essencial se deu no Renascimento, com a emergência do Estado nacional, e a Reforma, que deificou o direito positivo. A reviravolta na ciência política, desde Maquiavel, levou à superação do direito natural. Desde então a fonte do Direito deixou de ser transcendente para se escorar unicamente no poder do príncipe. Esse foi o declínio civilizacional que abriu caminho para todos os crimes amparados nas razões de Estado, que temos visto desde as guerras religiosas.
O abandono do direito natural consolidou-se nos juristas do século XVII, especialmente com Hobbes e Grocius. Então a expressão direito natural passou a designar algo diverso do que até então se entendia por ela. A fonte do Direito foi transferida para a razão, o que equivale a dizer: para o príncipe. O golpe final veio com a democracia de voto universal, que deu às massas o poder de demandar seus preconceitos e instintos baixos para o governante, que se viu na contingência de procurar atende-las. Governar deixou de ser a busca do bem comum para ser o cultivo das multidões insaciáveis.
O fim da II Guerra Mundial levou a que juristas e filósofos meditassem sobre o totalitarismo. Era preciso responder: como foi possível? No plano conservador a resposta foi dada adequadamente por Eric Voegelin e Leo Strauss: o ponto estava no positivismo jurídico e o caminho de volta à civilização levava ao retorno ao direito natural. Foram derrotados pela corrente alternativa, a que vinha do jus-naturalismo de Hobbes e Locke: pela tese dos direitos humanos. A ironia é que as boas intenções liberais que tentaram conter a lama negra do totalitarismo com essa perfumaria já estavam derrotadas pela empolgação da tese pelos radicais de esquerda, que fizeram dos direitos humanos panfletos telegráficos para subverter a ordem liberal e restaurar o cinismo do positivismo jurídico com toda pompa. Viu-se, na segunda metade do século XX, o triunfo das teses do partido revolucionário, primeiro nas organizações multilaterais, como a ONU, depois pela paulatina substituição da legislação de cada país por sua forma jurídica uniformizadora em escala planetária.
Nomes como Norberto Bobbio e John Rawls prevaleceram, a partir do ponto de vista de Antonio Gramsci, sobre as posições conservadoras. Se é certo que Eric Voegelin e Leo Strauss inspiraram Ronald Reagan e os Bush, sua influência não passou de inspiração para o governante, jamais para a estrutura do Estado. O direito natural não poderia ser restabelecido se todas as escolas de Direito ensinavam a visão alternativa. O pensamento único em direito virou uma realidade. Foi a vitória completa do igualitarismo revolucionário.
Os tempos de crise que se abrem agora colocam os mesmos problemas e os mesmos riscos e dilemas que foram colocados para aqueles que viviam na década de 30 do século passado. Aderir ou não aderir não é pergunta que se faça, já que todos aderiram ao poder estabelecido. A impressão que tenho é que os milhões de mortos no altar da estupidez não deixaram lições preventivas, exatamente porque essa nefasta experiência não trouxe impactos no mundo jurídico. De novo o positivismo nas letras jurídicas triunfa. Por isso que a agenda revolucionária em matéria de costumes não encontra objeção de consciência. O ambientalismo, o gayzismo, o abortismo, a destruição acelerada da família monogâmica encontram-se em estado avançado. A supertributação é vista como normalidade. Se é a vontade do governantes, só cabe obedecer e não questionar. Sabemos muito bem onde esse caminho levará. Basta ler o livro de Jonathan Littell. O matadouro pode estar na curva do tempo.

Fonte: http://www.midiasemmascara.org/artigos/direito/12705-questoes-de-direito.html