Só existe um motivo para celebrar o Natal, mas esse motivo é tão amplamente ignorado que as festas natalinas devem ser consideradas uma superstição em sentido estrito, a repetição ritualizada de uma conduta habitual que já não tem significado nenhum e na qual, portanto, cada um está livre para projetar as fantasias bobas que bem entenda.
Jesus
Cristo, encarnação do Verbo Divino, ou inteligência de Deus, veio ao mundo para
oferecer-se como vítima sacrificial única
e definitiva, encerrando um ciclo histórico que
durava desde as origens da humanidade e que era regido essencialmente pela Lei
do Sacrifício (v. Ananda Coomaraswamy, A
Lei do Sacrifício, e René Girard, O
Bode Expiatório).
A
Lei do Sacrifício é inerente à estrutura da existência cósmica. Só Deus tem a
plenitude do ser, e o que quer que exista sem ser Deus tem uma existência
precária, fundada num débito ontológico insanável, que na escala da alma humana
se manifesta como culpa.
A
Lei do Sacrifício não pode ser suspensa e jamais o foi.
O
que Nosso Senhor Jesus Cristo fez foi cumpri-la toda de uma vez, instituindo em
lugar do Sacrifício a Eucaristia, que é a recordação do ato sacrificial
definitivo. A recordação passa então a ter o valor de uma repetição sem
necessidade de novas vítimas.
Antes
as vítimas se somavam: 1 + 1 + 1 + 1... Agora a vítima única se multiplica por
si mesma no ato da Eucaristia: 1 x 1 x 1 x 1... Façam as contas e compreenderão
por que o Natal deve ser celebrado.
O
problema é que o fim de um ciclo histórico não traz necessariamente, para as
gerações seguintes, a consciência da mutação ocorrida.
Essa
consciência deve ser reconquistada e retransmitida de geração em geração, e na
sociedade moderna essa transmissão cessou já faz algum tempo. Pouquíssimas
pessoas têm uma consciência clara do que ganharam com o Natal. A maioria, mesmo
quando recebe presentes, não sabe que eles apenas simbolizam um ganho muito
maior que já foi obtido 2003 anos atrás.
Esse
ganho pode ser explicado em poucas palavras:
Todo
homem, pelo simples fato de existir, é atormentado pela culpa e vive num
constante discurso interior de acusação e defesa, que produz medo, ódio,
inveja, ciúme, busca obsessiva de aprovação. Esses sentimentos tornam o homem
vulnerável às palavras más, às acusações e insinuações que lhe chegam de seus
semelhantes, da cultura ambiente ou de seu próprio interior. O conjunto dessas
acusações e insinuações é o espírito demoníaco, que em razão da culpa mesma tem
poder incalculável sobre o ser humano. Em busca de proteção contra esse poder,
o homem se submete aos maus e aos intrigantes, isto é, aos representantes do
próprio espírito demoníaco, acreditando que aqueles que podem feri-lo devem
também poder ajudá-lo. Com isso ele se torna a vítima sacrificial, o bode
expiatório num grotesco ritual simulado.
Cristo
adverte-nos que esse sacrifício é inútil, desnecessário e pecaminoso. Não
existe no mundo um poder ou autoridade habilitado a exigir vítimas. Deus Pai só
exigiu uma, e Ele mesmo a forneceu. Quem quer que, depois disso, se sinta
culpado, não deve se oferecer como vítima sacrificial perante altar nenhum.
Deve apenas recordar-se do sacrifício de Cristo e alegrar-se. Isso é
tudo.
Muitas
pessoas até sabem que as coisas são assim, mas entendem isso somente do ponto
de vista religioso formal, sem tirar desse conhecimento as conseqüências
práticas de ordem psicológica, que são portentosas:
Aquele
que se ofereceu para ser sacrificado em nosso lugar não é um cobrador de
dívidas nem um acusador, mas um salvador. Ele nada pede, apenas oferece. E em
troca aceita uma palavrinha, um sorriso, uma intenção inexpressa, qualquer
coisa, pois não é irritadiço nem orgulhoso: é manso e humilde.
Se,
sabendo disso, você ainda é vulnerável aos olhares acusadores e às palavras
venenosas, se ainda sente ante os intrigantes e os maldosos um pouco de temor
reverencial e tenta aplacá-los com mostras de submissão para que eles não o
exponham à vergonha ou não o castiguem de algum outro modo, é porque ainda não
compreendeu o sentido do Natal.
Esse
sentido é simples e direto: os maus e intrigantes não têm mais nenhuma
autoridade sobre você. Não baixe a cabeça perante eles, não consinta que suas
fraquezas sejam exploradas pela malícia do mundo.
Jesus
Cristo já pagou a sua dívida.
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