sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Apátridas

"Nós vos oferecemos, Senhor Jesus, esta dezena,
em honra a vossa triunfante ascensão; e vos pedimos,
por este mistério e pela intercessão de vossa Mãe Santíssima,
um ardente desejo do céu, nossa cara pátria. Assim seja."

Mergulhados no caos da imprevisão, vagamos pelo terreno amplo dos acasos, livres da ditadura da coerência. Como porcos farejamos fissurados o chão em busca da saciedade de nossos desejos, enquanto fabricamos a carnificina mais fétida. Bêbados de prazer, atiramos fogo às certezas, às verdades, à razão. Entre gritos de dor e gozo buscamos a loucura rítmica das gargalhadas de um servo sem rei. Enquanto as chamas ridicularizam os pretensiosos das virtudes e o seu desespero ante a destruição. Quando convencidos de nossa natureza suína, adquirimos, finalmente, o nojo de pronunciar o verbete humano. E cinicamente convidamos todos os homens ao banquete. Com seus corpos nus e suas mentes vazias, não se demoram na entrada. Em pouco tempo acostumam-se à pose de quatro e descobrem a superação das convenções vergonhosas que os reprimiam. Deitados confortavelmente na mistura de seus próprios resíduos, pronunciam louvores ao ídolo. E sedentos ao contato da pele úmida, enlaçam-se na confusão feito cobras. Ao som de grunhidos, risos e gemidos, vamos construindo nosso irresistível chiqueiro, esquecendo aquele velho mundo e nos convencendo, pouco a pouco, do valor inesgotável do novo. Quando já não precisaremos de convencimento algum, porque já não teremos passado, lembrança ou razão. No ápice de nossa novíssima conjugação, já não nos comunicaremos sob o risco de retrocesso social. Sem pronunciar palavra, rastejaremos no doce solo da desilusão, a única verdade sobre o nada. E sentiremos orgulho de conformar nossas vidas ao seu absurdo e a sua náusea essenciais, realização máxima de nossa dignidade. Então, despidos dos últimos vestígios da falsa sanidade, ergueremos o troféu da inconsciência e da escuridão. E prepararemos na lama a comemoração da vitória com um eterno festim. Abandonados livres e iguais, como sempre sonhamos.

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