Eu
gosto de assistir a filmes antigos. Não porque sejam antigos, mas porque
geralmente os filmes antigos que chegam ao nosso conhecimento são os bons filmes
antigos. Então, na verdade, corrigindo a frase inicial, eu gosto de filmes bons,
sejam eles antigos ou não. E como os filmes antigos que conheço são bons: eu
gosto de assistir a filmes antigos.
12 homens e uma sentença ou, no original, 12 angry men, é um desses filmes antigos, um bom filme antigo. O
filme tem algumas peculiaridades. A primeira: o nome do filme traduzido é bem
melhor do que o original. Está certo, esta não é uma nota sobre o filme, e sim
sobre seu nome. Mas o leitor há de convir que uma coisa rara é a tradução
brasileira ser melhor do que o nome dado ao filme pelo autor. Muitas vezes a
tradução tupiniquim confunde totalmente o tema do filme, em outras, antecipa o
desfecho do suspense e, em outras ainda, demonstra total incompreensão da
película. Vale a pena realçar, portanto, esta qualidade do filme ou, mais
propriamente, do tradutor do título.
Voltando,
então, ao filme mesmo, uma de suas peculiaridades, e que dá tom e ritmo às
filmagens, é que ele praticamente se passa em um único cenário. O filme trata
do julgamento de um jovem acusado de homicídio. Basicamente todo o enredo se
passa na sala dos jurados, onde estes discutem o caso.
A
cena inicial começa dando uma ideia de rotina forense, apenas mais um dia no tribunal.
A câmera adentra na sala de julgamento, onde o juiz, com semblante e voz que
atestam o tédio de mais um dentre inúmeros casos, profere a recomendação solene
e supostamente tantas vezes já pronunciada antes, embora não menos bela e
verdadeira: a vida de um homem foi tirada, a vida de outro está em jogo.
Achei
interessante esta frase, a um só tempo sintética e profunda, ser falada por um
juiz que mal consegue balbuciá-la, desgastado pelo calor e pela repetição de
seu mister. Há algo de misterioso na desarmonia entre a forma e o conteúdo, que
já prenuncia a dialética dos debates que ocorrerão, a batalha entre a vontade
de carimbar a fórmula jurídica para encerrar mais um compromisso e o desejo de
buscar a justiça com detidão e prudência.
O
réu acusado de homicídio é um jovem, aparentemente pobre e de origem
estrangeira do terceiro mundo. A vítima, seu pai.
O
magistrado deixa claro aos jurados que, devido à gravidade do crime, se o júri
concluir pela condenação, a única pena possível seria a de morte.
Os
jurados se retiram para a sala que lhes servirá ao exame do caso. Muito calor
naquele dia, e as janelas fechadas e difíceis de abrir. Um deles foi incumbido
de organizar a discussão e a votação e pede aos demais, já ansiosos, que
aguardem outro jurado, um senhor de idade avançada que foi ao banheiro,
apertado que estava.
A
composição do júri é variada. Mais jovens e mais velhos, mais humildes e mais
abastados, de pouco ou muito estudo, temperamento tranquilo ou de nervos à flor
da pele.
O
organizador toma a frente e, após chegaram a um rápido consenso sobre a forma
de votação, e considerando que o caso apresentava provas veementes e indubitáveis,
cada qual profere seu veredicto individual: culpado ou inocente.
Não
sei se o sistema americano inteiro é assim, mas neste filme os jurados devem
chegar a uma sentença unânime. Eles podem discutir o tempo que for preciso, mas
não é permitida divergência entre eles. Se não conseguirem convencerem-se a
todos, o julgamento é anulado. A declaração de culpa é afastada se houver dúvida razoável, quando então o acusado
deve ser inocentado.
Sucede
que todos os jurados votam, mesmo sem discussão alguma, pela condenação. Exceto
um. Um dos jurados vota pela inocência. Muitos ficam bravos, outros espantados
e curiosos. Ele não apresenta de forma direta um contra-argumento.
Simplesmente, quer conversar um pouco mais antes de condenarem um homem à
morte.
O
leitor já pode adivinhar o resultado final, mas o que realmente torna este um
dos melhores filmes antigos a que já pude assistir é a dinâmica incrível que se
cria no decorrer do tempo. A ansiedade de um faz com que irrompa em raiva
desmedida, no momento mesmo em que pretendia chamar o desgarrado jurado à
razão. O senhor mais velho consente em ouvir mais e acaba sendo discriminado
por outros jurados. Alguns não gostam dos preconceitos que desembocam da boca
dos demais e mudam de lado. Outro quer sair dali e ir ao jogo para o qual tem
os ingressos na mão. Reviravoltas, surpresas, tudo aquilo que faz um bom
suspense encontramos neste filme, passado numa pequena sala, onde podemos antecipar
o final, mas adoramos degustar o enredo.
Muitos
moderninhos chamarão a atenção para teorias sobre criminalização de classes
sociais, para preconceitos da sociedade e todo aquele discurso de bom-mocismo
vitimista que domina hoje certas esferas. Porém, a beleza deste filme
esconde-se na forma com que um homem, inspirado por um amor à justiça ou pelo
menos pelo medo da injustiça, comove e, assim, move seus semelhantes.
O
tema, na minha leitura, é a velha e sempre atual batalha entre a fraqueza de
nossos vícios e a força de nossas virtudes. Quando um de nós é capaz de
incorporar em si a força do bom, do belo ou do justo, cedemos a este poder que
nos contagia, e nos libertamos da fraqueza que nos contamina. É assim que doze
homens são seduzidos a fazerem a coisa certa. Não são apóstolos, mas certamente
nos deixam a impressão do bem, e da luta que devemos empreender no tribunal que
trazemos conosco todos os dias, e perante o qual nos apresentaremos no final.
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