quinta-feira, 21 de março de 2013

Uma pequena fresta

Que existam pássaros, e eles tenham asas e que ainda sejam coloridas, é um capricho que nenhuma razão será capaz de explicar. Que a poesia seja capaz, apenas com sua forma e palavras, de devolver um homem ao seu desígnio é um mistério que nenhuma lógica concluirá. Pois a esperança não nasce das coisas certas e exatas, muito menos de realidades úteis. Fora de nossa aptidão, perto do inatingível, na pequena fresta que esquecemos ou sequer reparamos, é ali que nasce a esperança. Onde as peças não se encaixam e a ciência naufraga. O lugar terrível em que depositamos nossa matéria morta, por decisão. Ser feliz é assim: a vida acontece, simplesmente, e só depois decidimos se vamos escrever um poema ou uma reclamação. Como aquele moço que ao escolher mesa e cadeira para atender clientes ouviu alguém lhe dizer: põe de frente à janela, para você contemplar... Qualquer palavra eficiente poderia ter sido dita: orçamento, investimento, custos, prazos para mudança. Mas "contemplar" só o amor diz. Igual ao homem economizando cada centavo para o anel de noivado: ouro puro e brilhantes. O amor pede loucuras e raridades, implora jóias, só aceita o mais belo. Por isso, a liturgia não aceita jamais cálices de plástico e o anel do pescador nunca pode ser banhado. Um rei precisa de seu trono e coroa, como uma rosa de suas pétalas e espinhos (estupidez nascida em reuniões pastorais...). Alegria verdadeira exige vocação. A minha, intuo, é cantar inutilidades para um mundo tomado por escritórios e supermercados, soprando segredos e cantigas entre distrações de homens ocupados. Fazê-los recuperar a fresta imperceptível que deixaram (pelo acaso?) escapar, para devolvê-los à tutela do amor e da esperança.  

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